Nas últimas semanas de 2006, diversos suplementos literários, entre os quais os da Folha de S.Paulo e do Globo, desinformaram o distinto público com dois erros sobre Patrícia Galvão (1910-1962), a propósito de nova edição de seu romance Parque industrial.
Em primeiro lugar, a escritora não poderia ser musa do Modernismo porque, nascida em 1910, tinha apenas 12 anos em 1922. Em segundo lugar, o livro não estava fora do mercado desde o seu lançamento em 1933.
Antes que a José Olympio em boa hora reeditasse este indispensável romance em 2006, houvera uma edição, ainda que quase artesanal, pela Alternativa, em 1981. E em 1993, a Editora da Universidade Federal de São Carlos, em co-edição com a Editora Mercado Aberto, de Porto Alegre, lançara nacionalmente a terceira edição – que, aliás, saiu também em inglês pela Universidade de Nebraska.
As edições tiveram apresentação de Geraldo Galvão Ferraz, filho de Patrícia Galvão com o escritor Geraldo Ferraz. Também Rudá de Andrade, filho do casamento de Pagu com Oswald de Andrade, poderia ser consultado.
Exemplos clássicos
Como os editores podem perder a oportunidade de contatá-los – os dois moram em São Paulo, bastariam dois telefonemas, nem isso fizeram – e acrescentar novidade ao mito (sim, Patrícia Galvão, faz tempo, tornou-se um mito)?
Além do mais, numa época em que os candidatos ao vestibular apresentam suas habituais pérolas na redação – motivo, aliás, de chacotas constantes na mídia, sem que ninguém paute as verdadeiras causas da dificuldade de escrever, justamente na escola –, valeria a pena revisitar a década de 1930 para saber por que Patrícia Galvão sabia escrever muito bem já quando jovem, de que é prova o romance que lançou aos vinte anos e teve que publicar sob o pseudônimo de Mara Lobo para evitar problemas com o Partido Comunista.
Parque industrial, apesar de integrar o Romance de 30 por ínvios caminhos, é de todo singular por fixar-se na face urbana das perigosas ligações entre texto e sociedade, enquanto os luminares do movimento, principalmente no Nordeste, ambientavam suas narrativas no meio rural, preferencialmente, de que são exemplos clássicos os romances de Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz, esta também muito precoce, pois escreve O Quinze antes dos vinte anos.
Orquestras desafinadas
Mas estamos assim: as seções de livros em nossa imprensa já não se omitem apenas na tarefa de destacar e comentar importantes lançamentos. Usam também o espaço para outros fins, como foi o caso de Veja ano passado, ao resenhar um livro de poesias de Tarso Genro, lançado na década de 1970.
A imprensa pode desempenhar papel importante na educação e formação literárias dos leitores, como faz em Língua Portuguesa, com numerosas colunas, mas inexplicavelmente deixa de lado um trabalho que honraria as redações.
A mídia já vinha se omitindo demais no registro da vida dos livros. Sim, os livros têm vida, e no Brasil a mortalidade infantil, por abandono, é alta também entre eles, semelhando o que ocorre com as crianças.
Da omissão passou-se à desinformação. Precisamos dar às coisas os nomes que elas têm: tais desvios são irresponsabilidades de efeitos devastadores. A imprensa, o quarto poder, tem inegável função social. Não pode falhar deste jeito.
Num pequeno e belo livro recentemente lançado agora pela Editora Contexto, intitulado Jornalismo literário, Felipe Pena, que alia à prática do jornalismo o título de doutor em letras, diz:
‘Defino Jornalismo Literário como linguagem musical de transformação expressiva e informacional’.
Pois é, as orquestras estão desafinadas e, pior do que isso, os músicos estão regendo os maestros.
O maestro, o maestro, por favor! Ordem nas redações. Assim não é possível.
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Escritor, doutor em Letras pela USP, professor da Universidade Estácio de Sá, onde dirige o Instituto da Palavra; www.deonisio.com.br