Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Beraba

‘A Folha cometeu um erro grave na edição de segunda-feira, dia 20, do seu caderno especial Eleições 2004. A capa que começou a imprimir tratava das inserções de propagandas dos governos federal (PT) e estadual (PSDB) nas emissoras de TV.

A idéia da reportagem era pertinente. Há uma sensação geral de que os governos (federal, estaduais e municipais) multiplicam suas campanhas publicitárias nos períodos eleitorais.

Sob o pretexto de informar ou de prestar serviços, os governos anunciam sempre e muito, mais ainda na época das eleição. E é difícil os cidadãos terem acesso ao total desses gastos e aos seus detalhes (quanto custou cada campanha publicitária, quanto foi destinado para cada veículo de comunicação, quanto foi gasto por mês etc).

Esses números deveriam ser públicos e de fácil acesso para qualquer um. Como isso não ocorre, a imprensa tem de tentar obtê-los por outros caminhos.

O primeiro erro

Foi o que fez a reportagem da Folha quando recorreu a uma empresa especializada em levantamentos de anúncios veiculados nas emissoras de TV, a Controle da Concorrência.

A idéia do jornal era boa. Com o relatório dos anúncios institucionais pagos pelos governos federal (PT) e estadual (PSDB) e da propaganda eleitoral gratuita, seria possível verificar se os governos estão anunciando muito ou pouco e se estão anunciando mais no período eleitoral do que antes.

Um levantamento como esse seria importante em qualquer cidade. Mais ainda em São Paulo, onde as duas principais candidaturas, as de José Serra e de Marta Suplicy, têm o apoio, respectivamente, do governador Geraldo Alckmin e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Com base nos dados fornecidos, a Folha concluiu que o governo Alckmin e o governo Lula vinham anunciando mais no período eleitoral do que no anterior. O Estado teria dobrado as inserções publicitárias; as do governo federal teriam crescido 50%.

A Folha, obedecendo procedimento padrão, foi ouvir os dois governos antes de publicar a reportagem. A Secretaria de Comunicação do governo federal disse ‘não haver ligação eleitoral entre as propagandas institucionais em São Paulo e a campanha’. E o governo estadual informou que os números da reportagem estavam ‘errados para mais’ e ‘superestimam a quantidade de comerciais veiculados’.

Esse alerta acendeu o sinal amarelo na Redação. Procurada, a empresa teria confirmado os dados. A Redação notou, então, que os dados não continham uma campanha do governo federal, a de amamentação. A empresa incluiu a campanha.

O jornal começou então a rodar, na noite de domingo, com as reportagens editadas na capa do caderno Eleições 2004: ‘Alckmin dobra propaganda oficial na TV após início de horário eleitoral’ e ‘Anúncios federais tiveram aumento de 50% em emissoras’.

Nesse meio tempo, o jornal fez nova checagem e chegou à conclusão que os números relativos ao período pré-campanha (1º de julho a 16 de agosto), base para a comparação com os do período eleitoral (17 de agosto a 7 de setembro), estavam ‘subestimados’. Ou seja, foi detectado o erro apontado pela Comunicação do Estado.

Aí, já era tarde. Já tinham sido rodados cerca de 42 mil exemplares, destinados a leitores de fora da cidade de São Paulo.

O primeiro erro do jornal foi não ter dado crédito à advertência do governo estadual e insistido na publicação da reportagem antes de uma verificação mais rigorosa. Para os leitores, não teria feito a menor diferença o jornal levar mais um dia para checar e analisar melhor os números e publicá-los, se estivessem certos. O jornal se precipitou.

O segundo erro

Confirmado o erro, a atitude do jornal foi correta: suspendeu imediatamente a rodagem e retirou a reportagem das páginas.

No dia seguinte, seguiu com os procedimentos apropriados e fez publicar, na edição de terça, uma carta do governo do Estado, uma nota na seção ‘Erramos’ da página A3 e uma reportagem (‘Folha publicou dados errados sobre publicidade’), no caderno Eleições 2004.

Acho que, além destas medidas, a Folha deveria ter publicado um texto na primeira página da Edição Nacional avisando seus leitores do erro. Isso porque, na véspera, a reportagem tinha tido destaque na capa do jornal. O procedimento de dar às correção realce semelhante aos erros cometidos é raro na imprensa brasileira. Deveria ser adotado com mais freqüência porque demonstra para o leitor a disposição de corrigir e acertar, o que eleva a credibilidade do jornal.

O terceiro erro

O terceiro erro o jornal ainda não cometeu, mas o fará se, traumatizado pelo ocorrido, desistir de investigar os gastos públicos com publicidade. É do interesse dos eleitores saber quanto os governos queimam com anúncios neste período de disputa pelas prefeituras. O secretário de Redação da Folha Vinicius Torres Freire informou que ‘o jornal ainda está empenhado em obter tais informações’.’

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‘O erro da precipitação’, copyright Folha de S. Paulo, 26/9/04

‘Sobre o erro de segunda-feira, procurei a empresa que fez os levantamentos das inserções de anúncios que serviram de base para a reportagem do jornal, a Controle da Concorrência. A seguir, a versão do seu diretor, Fábio Wajngarten:

‘Os números estavam certos, mas as conclusões não eram nossas. Propus analisá-los com a jornalista, pois é difícil avaliar os dados brutos. Essa dificuldade pode ter causado a discrepância entre os dados fornecidos e as conclusões que a jornalista tirou. A Folha deveria ter aguardado a conclusão de uma análise dos dados antes de publicá-los’.

Procurei a direção do jornal para saber por que não esperaram mais um dia para checar os dados se tinham tantas dúvidas e tinham sido alertados pela secretaria estadual de Comunicação. Recebi a seguinte resposta do secretário de Redação Vinicius Torres Freire: ‘Os números apresentados pela empresa de consultoria foram rechecados (e alguns corrigidos), dadas as informações prestadas em contraposição pelo governo do Estado. Mas os editores que estavam lidando com a reportagem não foram devidamente informados sobre o grau de insegurança a respeito dos dados sobre a propaganda oficial prestados pela empresa. Houve, de fato, erro em, no mínimo, não postergar a publicação da reportagem’.’

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‘Um ombudsman na TV’, copyright Folha de S. Paulo, 26/9/04

‘A TV Cultura de São Paulo tem, desde sexta, um ombudsman para receber críticas e sugestões dos telespectadores, e para fazer suas próprias observações sobre a programação da emissora e das rádios Cultura AM e FM.

A primeira crítica do jornalista Osvaldo Martins, primeiro ombudsman da televisão brasileira, pode ser lida em www.tvcultura.com.br.

Martins terá um mandato de um ano, renovável por mais dois. Na apresentação da nova instituição, Marcos Mendonça, presidente da Fundação Padre Anchieta, que controla a emissora, informa que ‘a independência do ombudsman é garantida por uma cláusula contratual que impede a sua demissão ou substituição. Suas observações e comentários, a partir de hoje, têm uma única subordinação: ao direito do telespectador a uma televisão de qualidade’.

É um bom sinal.

A Folha foi o primeiro jornal brasileiro a adotar a função, em 1989. Até hoje, são pouquíssimos os meios de comunicação no Brasil que têm ombudsman ou ouvidor. No levantamento que fiz, provavelmente incompleto, identifiquei apenas seis empresas, incluindo a Folha e a TV Cultura

Como tenho dito, há uma pressão forte, crescente e saudável da sociedade por qualidade de informação, equilíbrio e pluralidade nos meios de comunicação. A instituição do ombudsman, seja pela função de ouvir o cidadão, seja pelo exercício da crítica, é um dos caminhos possíveis para sensibilizar e pressionar as redações. Pode melhorar a qualidade do jornalismo que praticamos? Espero que sim.

A seguir, a relação das empresas que têm ombudsmans, e os sites para contatos. Os dados do ombudsman da Folha estão no final da coluna.

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‘O Povo’, jornal de Fortaleza: Guálter George (www.opovo.com.br);

‘Jornal da Cidade’, de Bauru (SP): Daniela Pereira Bochembuzo (www.jcnet.com.br);

Rádio Bandeirantes, de São Paulo: Maria Elisa Porchat (www.radiobandeirantes.com.br);

TV Cultura, de São Paulo: Osvaldo Martins (www.tvcultura.com.br);

Radiobrás: Emília Magalhães (www.radiobras.gov.br).’