Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O silêncio dos bons

É com tristeza e aflição que o autor deste artigo, como todos os brasileiros, vê a destruição impiedosa daquela que, até bem pouco tempo atrás, era chamada apropriadamente de Cidade Maravilhosa. A cidade das poesias, das boemias e das alegrias tornou-se a origem e o final de nossos pesadelos diários. Lamentavelmente, explosões e atentados cinematográficos tornaram-se parte da rotina assustadora da vida real do cidadão comum.

Entretanto, debitar o terror cotidiano dos cariocas unicamente na conta dos narcotraficantes e dos grupos paramilitares, como vêm fazendo segmentos importantes da grande mídia nos últimos dias (de pouco amor e muita guerra), tornar-se-ia risível, se não fosse trágico.

A mass media, grandiloqüente e manipuladora, se ‘esquece’ de mencionar que os fatos hoje evidentes são apenas a ponta de um enorme iceberg, submerso no oceano histórico e secular de corrupção, omissão, falta de ética e desrespeito que assola todo o Estado brasileiro. Cabe ressaltar que, nesse mesmo sórdido oceano, navegam ainda as naus capitaneadas por alguns dos comandantes dos grandes veículos de comunicação do Brasil, cujos interesses (financeiros) estão a salvo dos tsunamis eventualmente encontrados pelo caminho. Os interesses dos que padecem dessa ‘amnésia por conveniência’ não permitem mostrar o início do filme bizarro que originou o final hoje propalado e do qual são reproduzidas somente algumas cenas.

Falta de resposta é uma resposta

Cabe ressaltar ainda que a mídia, o Estado, a polícia e o narcotráfico não são os únicos culpados por essa situação caótica em que (sobre)vivemos: os cidadãos comuns – que alguns, mais demagogos, preferem chamar de ‘pessoas de bem’ – também o são. Fazem-se culpados na medida em que adotam a passividade como sinônimo de prudência e optam pelo conforto de seus lares em vez da cobrança ativa de atitudes factíveis e eficazes por parte de seus representantes governamentais. Atitudes estas que não podem e não devem ser entendidas como a simples eliminação ou prisão de supostos malfeitores. Tal estratégia serve tão-somente como paliativo (quando não é inócua) no tratamento das principais chagas sociais brasileiras, ‘berços esplêndidos’ da violência nacional: a desigualdade social e a concentração de renda.

Na tentativa de reversão desses males, de transformação efetiva do nosso status quo social, são fundamentais, entre outras coisas, políticas de inclusão étnica, aumento dos recursos destinados à saúde e à educação públicas, redução das taxas e impostos cobrados dos grupos menos favorecidos e, é claro, fiscalização e vigilância de tais tarefas e atividades por parte da população em geral.

O engajamento político e a participação nas decisões acerca das políticas públicas não devem ser encarados apenas como objetivos ideológico-partidários, nem ser restritos a determinados grupos ou subgrupos – cuja maioria tem em pauta interesses escusos, beneficiando a si mesmos e ignorando (às vezes até de forma explícita) as mazelas que atingem o resto da população. Em sendo assim, conseguiremos apenas estimular ainda mais o degradante e lastimável quadro atual.

Lembremo-nos ainda que a falta de resposta também é uma resposta – e os grupos dirigentes mal-intencionados sabem disso. Ou, como diria Martin Luther King, ‘o que me assusta não é o grito dos maus; é o silêncio dos bons’.

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Médico, Florianópolis, SC