Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Tom Zeller Jr.


‘Não pergunte a Nick Denton, o diretor editorial da Gawker Media e de sua crescente lista de blogs populares, sobre seu império. ‘As pessoas me procuram e perguntam se o império vai bem, como se fosse engraçado’, diz Denton. ‘É patético.’


Não lhe faça perguntas sobre seu plano de negócios, tampouco. Ele diz que nunca teve um plano. A única razão para que tenha formado a empresa, disse, foi fazer de sua rede de blogs, que inclui o Gawker, a mais conhecida coluna on-line de notícias e fofocas de Manhattan, o Fleshbot, site erótico preferido das pessoas inteligentes, e cerca de dez outros títulos, um destino mais atraente para os anunciantes.


‘Isso não ajuda em nada com os leitores’, diz. ‘Na verdade, é uma desvantagem, porque nos dá uma cara empresarial.’


Apesar do distanciamento e do desdém que Denton expressa na discussão sobre essa não-revolução, no entanto, não há dúvida de que ele e sua equipe estão tentando transformar o fenômeno dos diários on-line efêmeros, rápidos e repletos de opiniões vigorosas em um empreendimento comercial viável, se não lucrativo.


Grandes anunciantes, como a Audi, Nike e General Electric, disputam espaço nos blogs da Gawker, que Denton descreve como sexy, irreverentes e um bocadinho elitistas.


Ele diz que não há mágica por trás da Gawker Media, empresa que ele abriu três anos atrás em Nova York. Na opinião de Denton, o empreendimento segue o modelo básico do setor editorial. Mas quer ele goste ou não, na atmosfera superaquecida da mania dos blogs, Denton, 38, continua a ser um dos empresários mais observados do setor.


Caminhando pelo loft de terceiro andar em TriBeCa, um espaço despretensioso que é o mais próximo que a Gawker tem a oferecer de um centro nervoso, Denton reitera que não pretende discutir dinheiro. Recusa-se a dizer se a Gawker é lucrativa, ou quanto ele paga aos cerca de 12 blogueiros -’editores’, na estrutura da empresa- que trabalham para ele.


Denton acende um Marlboro Light e discorre obliquamente sobre custos fixos (mínimos, no mundo dos blogs), difamação (sempre uma preocupação) e Fred Durst.


Em março, Durst, líder da banda de rock Limp Bizkit, processou a Gawker, e outros sites, por oferecer links para um vídeo de sexo em que ele aparecia.


‘Honestamente, nós não sabemos por que ele está tão furioso com a gente’, disse Jessica Coen, editora da Gawker, em um post muito irônico.


‘A situação é realmente muito simples. Alguém nos enviou um link para um vídeo de seu pênis, entramos em choque e o compartilhamos com o mundo durante cerca de duas horas. Depois choramos, encontramos Deus, tomamos um banho quente e removemos o vídeo do site.’ Durst acabou abandonando o processo.


Cada editor de blog do Gawker está sob contrato que requer pelo menos 12 posts ao dia e recebe honorários fixos para tanto.


O tráfego do site é causa de preocupação obsessiva. O Gawker atrai pouco mais de 1 milhão de visitantes únicos ao mês; o Fleshbot, o mais popular dos sites da empresa, atrai quase duas vezes esse número; e o Gizmodo, cujo tema são as engenhocas eletrônicas, atrai 1,5 milhão.


Todos os editores podem ganhar gratificações caso consigam gerar picos de tráfego, digamos, com um link para a mais recente crise de Paris Hilton ou para a anatomia de Fred Durst.


Pioneirismo


Para as pessoas ansiosas quanto ao potencial dos blogs ou curiosas sobre os motivos para o sucesso de empreendimentos como o Gawker, não poderia haver explicação mais simples.


A simplicidade do modelo pode explicar porque Denton alterna momentos de reserva e de desdém quanto a todos os exageros que cercam os blogs.


Ele parece reconhecer que não desenvolveu nenhuma idéia verdadeiramente pioneira e que é apenas questão de tempo antes que outros grupos recuperem o atraso.


A idéia de reunir os blogs, disse Denton, era gerar um ar de respeitabilidade para a empresa. ‘Os anunciantes tratam os títulos da Gawker mais seriamente porque fazem parte de um grupo’, disse.


Nos sites da Gawker, o CPM -custo por mil exibições de um anúncio a presumíveis visitantes- pode variar de US$ 4 para as peças de pequeno porte a US$ 50 para os anúncios de patrocínio exclusivo, por meio dos quais um anunciante ajuda a bancar o lançamento de um blog Gawker.


Denton diz que há uma linha clara de separação entre notícias e publicidade e que até agora nenhuma das empresas que adquire espaço nos sites tentou influenciar o conteúdo.


Os editores são instruídos a escrever um post de agradecimento aos anunciantes no final de cada semana, se bem que isso tipicamente seja feito de maneira sarcástica -por exemplo, com um agradecimento aos anunciantes por manterem a equipe da Gawker bem abastecida de crack.


Mas outros começam a imaginar se a própria marca não representa um compromisso. Stowe Boyd, presidente do Corante, um site que agrega notícias diárias sobre tecnologia, sugere que algo pode ter sido perdido quando redes como a Gawker Media e a Weblogs se transformam em mercadorias produzidas por pagamentos, controladas por um empresário e bancadas por publicidade.


Outros críticos do movimento dos blogs imaginam se o entusiasmo quanto à viabilidade comercial dos blogs -especialmente na forma de empreendimentos editoriais- não é exagerado.


Denton, que diz que ninguém, nem mesmo ele, está enriquecendo com a publicação de blogs. Não se trata do dinheiro, ele diz, ou da corrupção da arte dos blogs. ‘Se alguém diz que publicamos de acordo com uma rotina de pelo menos 12 posts por dia, e que substituímos o editor caso ele adoeça, admito minha culpa’, afirma. ‘Acreditamos em postar regularmente.’


Assim, a não-revolução prossegue. ‘Se você tomar a atenção dedicada aos blogs como negócio e como algo que vai mudar as empresas, ao longo dos últimos 12 meses, e compará-la ao efeito real e ao dinheiro real que eles auferiram, a desproporção é imensa’, diz Denton. ‘Da mesma forma que a cobertura da internet no final dos anos 90 estava completamente fora de eixo.’


‘Existe gente demais pensando nos blogs como a fórmula mágica para resolver todos os problemas de marketing das empresas, e eles não o são’, acrescentou. ‘É só mais uma forma de mídia on-line. É apenas a mais recente forma de mídia on-line.’ (Leia os blogs da Gawker Media em www.gawker.com – Tradução de Paulo Migliacci)’



Renato Cruz


‘Mandic lança e-mail para carregar no bolso’, copyright O Estado de S. Paulo, 14/05/05


‘Aleksandar Mandic, pioneiro da internet brasileira, quer pôr o correio eletrônico no bolso. Ele lançou uma memory key (dispositivo de memória do tamanho de um chaveiro), chamada Mandic:Mak (sigla de Mobile Access Kit, ou kit de acesso móvel), para seus clientes carregarem os programas configurados de e-mail e de navegação na internet, o que permite usar computadores na rua sem deixar nenhuma informação pessoal gravada nas máquinas dos outros.


‘A idéia é vender até em supermercado’, explicou Mandic, que hoje está à frente de uma empresa que leva seu nome e é especializada em correio eletrônico. Quem não é cliente, pode comprar a memory key e se cadastrar no serviço. A partir da próxima semana, o dispositivo de memória será vendido no própria empresa e, a partir do mês que vem, no Submarino. O preço é de R$ 178, com uma capacidade de 128 MB de memória.


Somente 30 MB estão ocupados, permitindo que o usuário carregue no equipamento outros arquivos. ‘No meu, coloquei todos os certificados eletrônicos’, disse o executivo. Os programas instalados na memory key são de código aberto e gratuitos, como o navegador Mozilla.


De acordo com Mandic, o dispositivo permite uma segurança maior do que quando se usa os programas que estão instalados no computador que pertence a uma outra pessoa. ‘Quando está no escritório de um conhecido, o cliente poderia entrar no browser e acessar sua conta de e-mail, mas existe o perigo de a senha ficar no computador do cara. Com a memory key, não fica nada gravado no micro que foi usado’, explicou.


Mandic tem cerca de 50 mil contas de correio eletrônico que atende diretamente, com sua infra-estrutura. Além disso, presta serviço para terceiros, como a Câmara Americana de Comércio (Amcham), que tem 20 mil contas. De acordo com o executivo, os sistemas fornecidos a terceiros têm capacidade para 4 milhões de contas.


A história de Aleksandar Mandic no mundo virtual começou antes da chegada da internet comercial no País. Em 1990, ele trabalhava na Siemens quando montou, em sua casa, a primeira Bulletin Board System (BBS) brasileira e a batizou com seu nome, Mandic. Para quem não conheceu, as BBS eram serviços em que as pessoas podiam se conectar, via telefone, a um servidor, para participar de listas de discussão e trocar mensagens de correio eletrônico, entre outras atividades.


Em 1995, quando tinha 10 mil usuários, a BBS Mandic transformou-se em provedor de internet. Quando foi vendida para a operadora argentina de telecomunicações Impsat, em 1999, tinha 110 mil clientes.


A empresa atual, apesar de ter o mesmo nome, foi criada depois que o executivo deixou a vice-presidência do iG, no fim de 2001.’



60 ANOS DA 2ª GUERRA


Sérgio Augusto


‘No front, só com máquina de escrever’, copyright O Estado de S. Paulo, 14/05/05


‘A 2.ª Guerra Mundial que há 60 anos chegou ao fim não terminou, efetivamente, com a capitulação alemã, em maio de 1945. Se o Japão fazia parte do eixo e os EUA só entraram no conflito depois do ataque a Pearl Harbor, seu desfecho se deu, na verdade, em agosto de 1945, com a destruição de Hiroshima e Nagasaki. Seu início também é motivo de controvérsias. Para alguns, a ‘boa guerra’ (a definição é de Herbert Mitgang e faz sentido, pois seus vilões sempre estiveram claramente definidos) não começou em 1.º de setembro de 1939, mas em 1931, com o Japão invadindo a Mandchúria. E antes da invasão da Polônia pelos alemães, Mussolini ocupara a Etiópia (em 1935) e a Guerra Civil espanhola já enterrara todos os seus cadáveres. O próprio Hitler, antes de pisotear os poloneses, invadira a região dos sudetos.


Foi a guerra do século 20. Envolveu todo mundo, sacrificou mais de 78 milhões de vidas, arrasou cidades inteiras, mudou hábitos e costumes, impôs uma nova cultura, dividiu o planeta entre as duas potências que primeiro chegaram a Berlim e gerou outra guerra, eufemisticamente rotulada de fria, que por sua vez encenou uma nova dança macabra na Coréia.


Como nem as grandes tragédias são impermeáveis à ironia, a 2.ª Guerra eclodiu num belo dia de verão. Lindo em toda a Europa. Ou, pelo menos, em boa parte da Europa continental. Um dos futuros historiadores do conflito, William L. Shirer, estava no coração dos vilões quando Hitler marchou sobre a Polônia. Dois dias depois da invasão, o sol ainda brilhava sobre Berlim e uma brisa acariciante atraía às ruas e aos bosques centenas de flâneurs alemães. Mau tempo, naquele 3 de setembro, só em Paris. Chuva premonitória, que já caía quando Simone de Beauvoir saiu da cama às 8h30, com uma dúvida atroz: ‘Então é mesmo verdade?’ E chorou. Era verdade a invasão da Polônia. Conforme lemos em A Força da Idade, naquela noite Simone dormiu no apartamento de Gegé Pardo, derrubada por um soporífero.


‘O verão de 1939 foi uma beleza’, recordaria Chatworth, o protagonista do romance Transatlantic Blues, do britânico Wilfrid Sheed. ‘Foi um mês maravilhoso, aquele setembro: suave, ensolarado, digno de um agradável final de verão italiano’, relembrou o polonês K.S. Karol, em seu livro de memórias, Entre Dois Mundos. Karol, que depois da guerra chefiaria a redação do semanário parisiense Le Nouvel Observateur, tinha 15 anos em setembro de 1939; vivia em Lodz, e acreditava, como seus colegas em final de férias, que os soldados poloneses rechaçariam de pronto os invasores alemães.


Uma das maneiras mais fascinantes de se conhecer a 2.ª Guerra, mesmo para aqueles que de algum modo a acompanharam em tempo real, ou quase isso, é através dos livros, sejam de memórias, ficcionais, históricos, cujos relatos e testemunhos se entrecruzam e complementam. Também valem (e muito) os livros de poesia e os dos correspondentes de guerra, sobretudo se quem assina os despachos são jornalistas do calibre de Shirer, A.J. Liebling e os nossos Rubem Braga e Joel Silveira.


É, aliás, com um poema que qualquer antologia da 2.ª Guerra que se preza deve começar: 1st September 1939, de W.H. Auden. Sentado numa espelunca da rua 52, em Manhattan, o poeta, ‘inseguro e receoso’, sente o ‘odor da morte ofender a noite de setembro’. Mas se recuarmos ao trailer da Blitzkrieg nazista, às razias que arrasaram Guernica, outro poema de Auden terá prioridade Spain 1937 – Ode aos ‘prematuros antifascistas’ que lutaram pelos republicanos nas Brigadas Internacionais. Outros três adventícios enriqueceriam a seleta antifascista: A Condição Humana, de André Malraux; Lutando pela Espanha, de George Orwell; e Spanish Testament, de Arthur Koestler.


Nem todos os forasteiros, intelectualmente privilegiados, que pela 3.º Reich andaram no início dos anos 30 perceberam o que o inglês Christopher Isherwood notou e o cinema popularizou no musical Cabaré: o ovo da serpente nazista sendo chocado a céu aberto, sem segredos. A renomada jornalista americana Dorothy Thompson encantou-se, ingenuamente, com os milhares de adolescentes da Juventude de Hitler que encontrou numa cidade do interior da Alemanha, em 1934. Belos, alegres, cantantes, nem ao vê-los emoldurados por uma bandeira enfeitada com uma suástica e os dizeres ‘Você nasceu para morrer pela Alemanha’, ela se deu conta de que o pior que poderia lhes acontecer não era bem ‘entupir-se de cerveja e embagulhar’, mas seguir à risca o ideário nazista e morrer num campo de batalha. Pelas cândidas avaliações que Bernard Shaw e H.G. Wells fizeram de Stalin, Dorothy está perdoada.


Em 14 de junho de 1940, quando os nazistas ocuparam Paris, André Gide assinalou em seu diário quão desastrosas haviam sido as pesadas exigências impostas à Alemanha pelo Tratado de Versalhes, 21 anos antes. ‘Não devíamos ter vencido a outra guerra’, escreveu. ‘Não conseguimos suportá-la. Sim, fomos arruinados pela vitória.’ Jean-Paul Sartre tinha outra perspectiva do conflito, por ele abordado no romance Com a Morte na Alma, terceiro e último da trilogia Caminhos da Liberdade. Talvez seja a mais interessante narrativa ficcional sobre a queda da França, inevitável matéria de memória para dezenas de outros intelectuais franceses, de esquerda e direita. Destaque, à esquerda, para Marguerite Duras, em cujas reminiscências a certa altura desponta, telefonando-lhe da Alemanha, um partisan chamado François Morland, que outro não era se não o futuro presidente da França, François Mitterrand; e, à direita, para Louis-Ferdinand Céline, que enquanto os aliados entravam em Paris – não mais a cidade deserta descrita por Sartre em Com a Morte na Alma, muito pelo contrário – fugia para Vichy, a capital francesa dos colaboracionistas presidida pelo marechal Pétain. Detalhes em De Castelo em Castelo, traduzido há tempos pela Companhia das Letras.


Se eu pudesse voltar uma única vez ao passado, numa máquina do tempo, em meu cartão de embarque estaria escrito: ‘Paris, agosto de 1944.’ A libertação de Paris pelos Aliados continua sendo, para mim, o mais emocionante momento histórico que eu gostaria de ter visto de perto e festejado. Foi ali que, simbolicamente, a guerra contra o nazi-fascismo foi vencida. Tanto melhor se pudesse cruzar com Simone, a quem devo a deliciosa informação de que, pelas ruas da cidade libertada, a molecada entoava sem parar esse grito de guerra & paz: ‘Nous ne le reverrons plus. C’est fini, ils sont foutus.’


‘A casa a 28 metros daqui foi atingida por uma bomba à 1 hora da manhã. Totalmente destruída. Outra bomba na praça, que ainda não explodiu.’ Foi assim que a Batalha da Inglaterra entrou para valer nos diários de Virginia Woolf em 10 de setembro de 1940. Onze dias antes, aos primeiros sinais de beligerância explícita, ela admitira seu medo, ‘intermitente’, e em parte alimentado pela tendência dos escritores a ter uma visão sombria do mundo. Virginia e o marido, Leonard, chegaram a pensar em se matar, caso os nazistas invadissem a Inglaterra. Ela, afinal, se suicidou, em março de 1941, por temer que estivesse enlouquecendo e por não mais suportar ‘aqueles tempos terríveis’.


Outros autores ingleses reagiram com menos desespero ao impacto dos bombardeios alemães e ao pânico de uma invasão. Em nenhum dos três romances que escreveu sobre a guerra, Evelyn Waugh encostou um revólver nas têmporas ou encheu o bolso de pedras e jogou-se num rio. George Orwell apavorou-se um pouco, é verdade, mas limitou-se a sugerir ao governo britânico que distribuísse armas a toda a população. Dava como líquida e certa a invasão da Inglaterra pelos alemães, paranóia só concretizada em alguns romances especulativos e no filme 48 Horas, que Alberto Cavalcanti filmou em 1942, com base num conto de Graham Greene.


O cerco de Stalingrado, iniciado em setembro de 1941 e que durou 900 dias, exterminando, só de fome, mais de 800 mil pessoas, teve em Harrison E. Salisbury um historiador à altura, mas é na poesia de testemunhas oculares como Anna Akhmatova e Constantin Simonov e na prosa de Anatoli Kuznetsov (Babi Yar) que se encontram os retratos mais pungentes de um dos capítulos mais terríveis da guerra, só comparáveis aos que nos trouxeram de Auschwitz, Buchenwald e outros campos de concentração autores como Elie Wiesel e Primo Levi.


Para os americanos, que em geral se sentiam seguros protegidos por dois oceanos (vide A Grande Feira, de E.L. Doctorow, Growing Up, de Russell Baker), a guerra chegou, finalmente, em 7 de setembro de 1941, com o bombardeio de Pearl Harbor. Em seu diário, o britânico Noel Coward comemorou a ousadia japonesa: ‘eles (os americanos) foram enfim forçados a compreender que essa guerra não é apenas nossa, mas deles também.’ Servindo no Havaí quando os japoneses alcançaram Honolulu, James Jones não só viu tudo em primeira mão como extraiu daquela tragédia nacional um best seller (From here to Eternity) que até no cinema (A Um Passo da Eternidade) revelou-se um colecionador de prêmios.


Ao contrário de Doctorow, Philip Roth passou parte da infância temendo a invasão da América por alemães e japoneses. Falou disso em The Facts e imaginou, em seu mais recente romance, The Plot against America (Complô contra os Estados Unidos, na tradução que a Companhia das Letras está lançando), uma distopia fascista legitimamente estabelecida na Casa Branca, durante a guerra. Dez anos mais velho que Roth, Norman Mailer enfrentou ao vivo o inimigo japonês, nas Filipinas, de onde não voltou coberto de medalhas, mas com um galardão mais valioso: um romance consagrador – Os Nus e os Mortos, com razão considerado o melhor que a literatura americana produziu sobre a guerra, junto com Ardil 22, de Joseph Heller.


O Brasil só entrou na luta antifascista em meados de 1944. A força expedicionária que enviamos à Itália era composta de 23.702 pracinhas. Perdemos 432 em 11 meses. ‘O diabo é testemunha de que não foi um passeio’, assegura o repórter Joel Silveira, que lá passou pouco mais de dois meses, como correspondente dos Diários Associados, na companhia de Rubem Braga (Diário Carioca), Raul Brandão (Correio da Manhã), Egydio Squeff (O Globo) e Thassilo Mitke (Agência Nacional). ‘Sofremos bastante lá nos Apeninos. Medo, frio – muito frio -, desconforto, e aquele constante odor de sangue velho e óleo diesel, que é o cheiro da guerra. E mais o tédio dos longos dias e noites em locais inviáveis, sitiados pela neve. Onde o passeio? Onde a sopa?’


Com estas palavras, Silveira apresenta os seus despachos da campanha da FEB, que acabam de ser reunidos em livro (O Inverno da Guerra) pela Objetiva. Um dos maiores jornalistas do País, Silveira não perde na comparação com nenhum dos grandes correspondentes estrangeiros. Sorte nossa que para o front tenham mandado dois mestres do texto, como Silveira e Rubem Braga. O último capítulo de O Inverno da Guerra é uma jóia literária, digna de um grande roteirista de cinema.’



TV CULTURA


Beth Néspoli


‘TV Cultura leva palco ao sofá’, copyright O Estado de S. Paulo, 14/05/05


‘A TV Cultura retoma hoje uma programação que durante anos divertiu e ajudou a formar dezenas de espectadores e atores – o teleteatro. Muitos ainda se lembram do intenso interesse despertado pela exibição de peças teatrais na telinha. Mais de 400 textos, entre eles grandes clássicos da dramaturgia, não só deleitaram o público como ajudaram a sedimentar a carreira de atores e atrizes como Fernanda Montenegro, Nathália Timberg, Ítalo Rossi, Sérgio Britto e muitos e muitos outros. Porém, nos últimos anos, essa programação praticamente desapareceu da TV.


Retomá-la é o que promete o projeto Senta Que Lá Vem Comédia. Apesar do título apelativo, a exibição hoje às 22 horas de Defeito de Família, peça de França Júnior dirigida por John Herbert, revela a qualidade que caracteriza a programação da Cultura. Antes do início do espetáculo, acomodado no caprichado cenário, o ator Luiz Serra faz uma simpática e importante apresentação na qual contextualiza a peça e seu autor.


Sabe-se então que França Júnior foi um importante autor de comédias de costumes e fez muito sucesso com peças como Caiu o Ministério e Como se Fazia Um Deputado. Assim como Martins Pena e Arthur de Azevedo, ele retratou com humor as mazelas da sociedade brasileira. Definindo a obra de França Júnior como um ‘inventário do 2.º Império’, Serra convida o espectador a prestar atenção em alguns detalhes dessa comédia, escrita em 1870, que ajudam a compreender o Brasil patriarcal e bacharelesco do século 19. Mas a ‘aula’ é curta e pára aí: o que vem a seguir é uma ingênua e deliciosa diversão.


Serra interpreta o tosco pai de uma família formada por sua mulher (Arllete Montenegro) e pela única filha (Amanda Acosta). Na casa vive ainda aquele que representa exibição máxima de status à época: um criado estrangeiro (Paulo Hesse). Pois ele será o pivô de uma baita confusão envolvendo o noivo da moça (Cláudio Fontana) e um misterioso freqüentador da casa, vivido por José Ferro. Músicas, figurinos, o estilo de representação são qualidades desse primeiro programa, que ainda apresenta alguns problemas. Entre eles, as inserções de imagens da platéia, que aplaude a todo momento, interrupções dispensáveis e falsas. Problemas esses corrigidos no programa seguinte, Toda Donzela Tem um Pai Que É Uma Fera, peça de Gláucio Gil, a próxima dessa série que merece ser vista.’