Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A culpa é dos outros. E a imprensa publica

Um ou outro governador não chorou as mágoas. Mas a imensa maioria dos governadores eleitos jura que recebeu seu estado em péssima situação financeira, exigindo medidas heróicas para salvá-lo. Em pelo menos um caso, o Mato Grosso do Sul, o governador cujo mandato acabou, José Orcírio (Zeca do PT), deixou pendentes quase 30 milhões de reais, obrigando o sucessor a correr a Brasília para evitar o bloqueio de todos os repasses ao estado. A tucana Yeda Crusius, no Rio Grande do Sul, que se elegeu com forte discurso contra os aumentos de impostos, pediu ao governador que se retirava que aumentasse os impostos para ela. Rejeitado o aumento pela Assembléia Legislativa, diz que terá de atrasar o pagamento do funcionalismo público, ou pelo menos escaloná-lo.


Já os governadores que deixam o cargo garantem que as finanças estão em ordem, rigorosamente dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal.


E a imprensa? Os meios de comunicação, como de hábito, se limitam a transcrever as declarações de um lado e de outro, sem investigar, sem sequer tentar descobrir quem tem razão. Dispõem de bons repórteres, têm acesso a especialistas, podem recorrer a gente que já ocupou cargos públicos. Têm condições, em suma, de esclarecer muita coisa – mas cadê a disposição? Pior: sempre haverá quem diga que, como boa parte dos veículos depende fortemente da propaganda oficial, teme se envolver nesse tipo de discussão. Deve ser pura maldade, mas a frase ‘manda quem paga, obedece quem tem juízo’ é amplamente divulgada.


É ruim para o eleitor: sem saber quem fala a verdade, fica sem parâmetros para escolher melhor seus candidatos. É pior para jornais e revistas: para ver autoridades choramingando basta ligar a TV, e não é preciso ler a mesma coisa nos dias seguintes. Caberia aos meios de comunicação impressos ir mais fundo nos fatos – uma questão simples, de competência, dedicação e coragem. E de instinto de sobrevivência.




Só se for…


Dois milhões e duzentas mil pessoas na Avenida Paulista? Tudo bem, os patrocinadores do espetáculo podem exagerar. Mas os meios de comunicação poderiam ser um pouco mais técnicos. A Paulista tem 2.800 metros de comprimento por 48 de largura (lei municipal 7.166, de 1968). São 134.400 metros quadrados, no total – sem descontar o espaço ocupado por bancas de jornal, pelo próprio palanque do show, pelos banheiros químicos, pelas guaritas da polícia. Apertando ao máximo o público, com seis pessoas por metro quadrado (experimente e veja o aperto), em 134.400 m² cabem no máximo 806.400 pessoas.




…no colo


Segundo dados oficiais, São Paulo tem hoje pouco menos de 11 milhões de habitantes. Nos feriados de fim de ano, uns dois milhões saíram. Mesmo se houvesse espaço na Avenida Paulista, o número de 2,2 milhões de pessoas significaria que aproximadamente um quarto dos habitantes que estavam na cidade se concentraram num só lugar.


Mas, cá entre nós, fazer essas contas dá um certo trabalho. Precisa pegar a calculadora, ligá-la… ah, cansaço! É melhor assumir os 2,2 milhões. Ou três, ou quatro, por que não?




Vale a pena


Não perca o excelente texto de Guilherme Fiúza, a respeito da atitude dos presidentes da República diante de crimes especialmente marcantes. Está no site Política & Cia (quinta-feira, 4/1). Fiúza relembra as palavras e providências do presidente Fernando Henrique quando houve o famoso seqüestro do ônibus 174 – exatamente as mesmas do presidente Lula diante do clima de terror vivido no Rio. É capaz até de o redator ser o mesmo.




História secreta


O caro colega já tinha ouvido falar de milícias particulares, antes de, digamos, outubro de 2006? Este colunista fez uma pesquisa com jornalistas amigos e só um se lembrava, embora vagamente, de ter lido algo a esse respeito há mais tempo. Pelo que se noticia agora, as milícias particulares surgiram em 2003 e, aos poucos, foram tomando o controle das favelas cariocas e expulsando os narcotraficantes. Como é que um fenômeno desses deixou de ser manchete?




História esquisita


Veja só: um especialista em explosivos recolhe bombas encontradas no metrô paulistano, e em vez de levá-las para local aberto e deserto, como a gente vê nos filmes, prefere desarmá-las no paiol – justo no paiol, atulhado de explosivos. A bomba explodiu, o paiol explodiu junto. Será que essa história está bem contada?


A propósito, que coisa é essa de bombas no metrô? Houve uma bomba num trem urbano, que até matou um garoto; houve uma bomba encontrada debaixo de um banco do metrô, mas foi facilmente desarmada. E esta outra bomba, que foi explodir no paiol, quando é que foi encontrada? Em que local? É a única?




Bombas em série


Por falar nisso, não faz muito tempo explodiu uma bomba na Rua 25 de Março, em São Paulo, sede maior do comércio popular, local sempre cheio de gente. Depois vem a bomba do trem, vem a bomba do metrô, vem a bomba que explodiu no paiol, vêm as bombas virtuais (que apenas parecem bombas, mas não têm explosivos). Por onde andam nossos repórteres de polícia? Ninguém vai atrás desse tema?




Faltou dizer


Cada um dos suplentes de deputado que assumiram agora para tirar férias vai custar, mensalmente, cerca de 100 mil reais. Com pequenas variações, os meios de comunicação divulgaram esse número (alguns falaram em cifras menores, mas esqueceram as passagens aéreas, ou algum dos diversos auxílios que suprem as enormes e múltiplas carências dos nobres parlamentares).


Faltou dizer, entretanto, que a despesa é maior. Esses parlamentares assumem no lugar de deputados que deixam a Câmara, ou por renúncia (os que se elegeram governadores, por exemplo) ou por licença, em geral para ocupar alguma secretaria estadual. De qualquer maneira, quem sai da Câmara tem direito, garantido em lei, de optar pelo salário de deputado, e não de secretário de Estado.


Como o salário de Suas Excelências é bem maior que os pagos no Executivo, não é difícil imaginar qual será sua opção. Nem quem vai arcar com os custos.




Natashayad


Uma das grandes figuras da crônica jornalística é Madame Natasha, professora de piano e português, personagem criada por Elio Gaspari. Seria interessantíssimo submeter a Madame Natasha um texto do novo secretário da Cultura do governo paulista, o economista João Sayad:




‘A missão (…) será apoiar as formas de expressão e fruição artística que estejam sufocadas pelo mercado, pela falta de acesso, pela carência de canais e distribuição das criações artísticas. Se arte está associada ao coração, a função da secretaria é desobstruir artérias e permitir a livre circulação: expor a cultura dos oprimidos para os opressores, a arte erudita para os artistas populares, a cultura popular para os eruditos, a cultura brasileira para o resto do mundo e a do mundo para os brasileiros (…) Um segundo propósito será continuar o esforço de tornar a secretaria uma organização republicana (…)’


Madame Natasha talvez achasse que Sayad procura emular o texto do ministro da Cultura, Gilberto Gil, aquele do ‘enquanto o tempo não trouxer teu abacate, amanhecerá tomate e anoitecerá mamão’. A diferença é que Gil fala essas coisas dentro de uma música muito legal.




Mais Natasha


O texto que se segue saiu num portal de internet. Vejamos:




‘Giovanna Antoneli acaba de confirmar sua presença no Camarote da Brahma na Sapucaí. Será um revival do romance com Roberto Peter Locassio. Ambos se conheceram na pista de dança do camarote durante o carnaval de 2006. O curioso é que também convidado, Roberto não está na lista de confirmados. Será que ele não se importa em deixar Giovanna sozinha?’


Como talvez comentasse Madame Natasha, o texto significa que Roberto Peter Locassio, seja ele quem for, pode ir e pode não ir ao camarote onde estará Giovanna Antonelli. Se for, pode ser que retomem um namoro iniciado há um ano e terminado não se sabe quando. Se não for, não irá.


Não é simples?




E eu com isso?


Os tempos, os tempos! Há pouco mais de 100 anos, em Dom Casmurro, nasceu a dúvida eterna: terá Capitu traído Bentinho? Hoje este problema não existe: Paris Hilton, por exemplo, não se contenta em ser herdeira de uma rede internacional de hotelaria, mas faz questão de tornar sua vida sexual mais conhecida que a marca de seus hotéis. Já sabemos que:


1. Ela gosta de beijar na boca. Mas já não gosta tanto de levar os homens para a cama – até porque sua cama está ocupada. Segundo informam os portais de internet, ‘Paris Hilton assume que divide sua cama com um macaco’. Macaco, que, aliás, se chama ‘Brigitte Bardot’. Talvez se trate, então, de uma macaca. Ou de um macaco educadíssimo, gentil e supermeiguinho.


2. Ela usa biquíni Louis Vuitton para ir à praia.


3. Ela tem uma fantástica assessoria de imprensa, que divulga cada gesto trivial como se fosse novidade – e a imprensa especializada em fofocas publica com prazer.




O grande título


Este é um belíssimo título, dado por uma antiga agência internacional de notícias:


** ‘Ex-ministro da Economia Roberto Lavagna lança candidatura a presidente na’


Funciona como um joguinho, mas qualquer pessoa mais familiarizada com comércio internacional, política externa ou economia logo descobrirá que o país a que não se refere o título é a Argentina.


Já este outro é imbatível: a notícia se refere a uma participante do Big Brother Brasil que foi desclassificada e substituída por outra jovem. Diz o título:


** ‘Substituta de BBB desclassificada já posou nua’.


Claro que nenhuma das moças é desclassificada, não é mesmo? Uma delas ‘foi’ desclassificada, o que é outra coisa. Do jeito que saiu, pode até parecer insulto!

******

Jornalista, diretor da Brickmann&Associados