Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Beraba

‘O jornal publicou no domingo uma de suas reportagens mais importantes do ano. Os repórteres Josias de Souza e Andréa Michael viajaram para Marabá, no sul do Pará, e lá conseguiram colher os depoimentos de 36 ex-militares que haviam participado do combate à guerrilha implantada pelo PC do B na região do Araguaia entre 1972 e 1974.

Muito já se escreveu sobre aquele período. Agora mesmo acaba de sair um livro sobre o tema, ‘Operação Araguaia – Os Arquivos Secretos da Guerrilha’ (Geração Editorial), da pesquisadora Taís Morais e do jornalista Eumano Silva. O livro é escrito com base em documentos secretos obtidos com militares. Mas, mesmo com toda a bibliografia disponível, ainda restam zonas de sombra sobre a história daquele período.

O mérito do trabalho dos dois jornalistas da Folha foi o de ter conseguido que um número expressivo de ex-militares admitisse, pela primeira vez, ter presenciado ou ter tido conhecimento de prática de tortura contra os prisioneiros comunistas.

São depoimentos inéditos e muito detalhados do que aconteceu na base do Exército em Xambioá (TO) e em instalações militares em Marabá. De acordo com a reportagem, ‘depoimentos de 36 testemunhas mostram que a tática do terror foi decisiva no Araguaia’.

Além do ineditismo e do valor histórico, esses depoimentos devem ajudar os que buscam migalhas de informações na tentativa de localizar parentes desaparecidos na guerrilha.

Por essas razões, era de se supor que os depoimentos sobre a tortura fossem a manchete do jornal de domingo. Isso, no entanto, não ocorreu. O jornal preferiu chamar na sua capa para um aspecto secundário da reportagem: ‘Militar do Araguaia quer indenização’.

É verdade que a reportagem também informa sobre essa reivindicação. Mas esse não é o ponto principal, tanto que, internamente, o jornal destaca a tortura. Reproduzo os títulos das páginas A4 e A8: ‘Ex-militares relatam tortura do Exército contra guerrilha’ e ‘Enfermeiro reanimava presos sob tortura’. Na página A6, o jornal trata do pedido de indenização: ‘Como os pracinhas, ex-soldados querem receber indenização’.

Não entendi a lógica que orientou o jornal ao subestimar as denúncias inéditas de tortura na sua capa de domingo. Encaminhei um pedido de explicação, mas recebi a resposta de que o jornal não o comentaria.

O assunto teve grande repercussão nos dias que se seguiram, mas o jornal também não lhe deu o devido destaque. Na segunda, ainda publicou um novo texto dos jornalistas enviados ao Pará (‘Guia do Exército, camponês quer indenização’) e uma repercussão centrada no pedido de indenização, mas nenhuma nas revelações de tortura.

Na terça, o assunto já tinha virado uma pequena nota de pé de página (‘ONG critica pedido de indenização de ex-militares’) e apenas na quarta-feira houve uma repercussão sobre a tortura, ‘Deputados querem ouvir soldados que viram tortura no Araguaia’. Na quinta, quando escrevo esta coluna, o assunto já não tinha espaço no jornal, exceto no ‘Painel do Leitor’.

Não é a primeira vez nem será a última que um jornal considera mais relevante um fato passageiro (o pedido de indenização de ex-militares) do que um documento histórico (os depoimentos que confirmam a tortura).’

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‘A reportagem policial’, copyright Folha de S. Paulo, 8/5/05.

‘A reportagem policial mudou. Os principais diários de São Paulo, do Rio e de Belo Horizonte superaram a fase do sensacionalismo. Mas os textos ainda são predominantemente superficiais e descontextualizados. É como se cobríssemos o crime pelo crime, sem atenção para os fenômenos que o cercam.

Essa foi uma das conclusões do debate que reuniu, na segunda-feira passada, jornalistas e pesquisadores em torno do relatório Mídia e Violência – Como os Jornais Retratam a Violência e a Segurança Pública no Brasil.

A pesquisa, feita pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes com nove jornais das três capitais, em 2004, mostrou que 64% das reportagens analisadas apenas descreviam um fato violento ou um crime. Foram poucas as que continham informações e avaliações que pudessem ajudar na compreensão do drama que vivemos.

Na minha opinião, a imprensa deveria estar atenta para três aspectos que pouco explora.

1 – Procedimentos policiais. Os jornais precisam se preparar para um acompanhamento técnico das investigações. Não adianta descrever uma chacina e informar o que a autoridade diz que pretende fazer. É importante confrontar o que ela fez de fato com os procedimentos consagrados de perícia e de polícia científica. A impunidade está diretamente associada aos inquéritos malfeitos. A reportagem precisa cobrar eficiência da polícia desde as primeiras ações.

2 – Políticas de segurança. Os jornais deveriam questionar com mais assiduidade as políticas de segurança. Há, hoje, uma preocupação acertada no acompanhamento das estatísticas criminais, suspeitas de manipulação. Essa cobrança deveria se estender às outras iniciativas de segurança. Os jornais acatam com facilidade as medidas que os governos prometem nos momentos de crise (criação de uma força-tarefa, instalação de um novo batalhão, reforço de policiamento), não questionam a eficácia desses anúncios improvisados para acalmar a opinião pública e depois se esquecem de cobrar resultados.

3 – Ambiente social. Os jornais não podem continuar cobrindo apenas o factual e a ação da polícia. As reportagens são feitas nas delegacias e ignoram os personagens, as vítimas, as comunidades, as famílias, o ambiente social em que a violência e a criminalidade prosperam. As reportagens têm aspas e números, mas faltam rostos e histórias.’

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‘Dos Leitores – Ecos da coletiva’, copyright Folha de S. Paulo, 8/5/05.

‘Recebi algumas mensagens de leitores com comentários (negativos) sobre a participação da imprensa na primeira coletiva concedida pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na sexta-feira, dia 29. Como não tive condições de pedir autorização para a publicação, reproduzo alguns trechos sem identificar os leitores:

‘Confesso que não entendi o comportamento dos jornalistas. Os jornais passaram o tempo todo reclamando, e quando chega a hora só faltaram perguntar a Lula sobre o que ele gostaria de falar.’

‘Creio que deve ser objeto de reflexão deste respeitoso jornal a entrevista que o presidente Lula concedeu. Como cidadão, senti-me diante de uma conversa de comadres, com os jornalistas emocionados por estar diante de Lula e sem apertá-lo nenhuma vez.’

‘Depois de a imprensa se vestir de gala para participar da entrevista coletiva, os mesmos órgãos, em uníssono, reclamaram do monólogo. Ora, mas ninguém sabia que assim seria? As regras da entrevista não foram previamente acertadas? Então, porque os órgãos de imprensa, inclusive este periódico, dela participaram? Os manuais de redação, no verbete entrevista, elucidam: ‘Não se deixe conduzir em coletivas e, se possível, tome a iniciativa’. Não seria mais coerente com a proposta de uma imprensa livre e investigativa não participar do palco armado pelos marqueteiros do Lula, do que lá comparecerem ‘para bater palma para o outro dançar’?’’