Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Plínio Bortolotti

‘Em dois dias desta semana, O Povo saiu com manchetes policiais: ‘Pai mata filha a marretadas’ (quarta-feira) e ‘3 crianças morrem afogadas em lagoa’ (sexta-feira). Recebi queixas de leitores dizendo-se ‘chocados’ pela forma como o jornal abordou tais assuntos.

Um deles escreveu sobre a edição de quarta-feira: ‘A violência já choca suficientemente para sermos expostos assim a essa crueza absurda. Confesso que poucas vezes senti-me tão chocado. Para mim (a manchete) pareceu absolutamente sensacionalista. Como se O Povo precisasse disso…’ Ainda sobre essa edição, uma leitora anotou: ‘Fiquei chocada com a abordagem do jornal. Por que exposição tão sensacionalista?’ Sobre as duas edições, ouço de outro leitor, pelo telefone: ‘Eu não gosto que os meus filhos, logo de manhã, vejam manchetes como essas’.

O diretor da Redação, Arlen Medina, argumenta: ‘Eleger um tema como manchete do jornal não é tarefa fácil – depois da escolha, sempre haverá observações. São comentários como: ‘O jornal poderia ter dito de forma diferente’; ‘este assunto não deveria estar na capa’; ou ‘a capa está muito boa’. A manchete é sempre decidida por sua relevância editorial. A notícia mais importante, que atraia maior atenção dos leitores, é que acaba prevalecendo. E, aqui no O Povo , não temos o menor preconceito em ‘manchetar’ um tema policial, se efetivamente ele tiver a relevância necessária. Acho que é o caso das duas manchetes citadas. Compreendo o desconforto dos leitores. Acho legítimo. Como cidadão não gostaria de noticiar temas assim. Mas como jornalista, e responsável pela edição, avalio que tomei decisão correta’.

Nos casos apontados, concordo com os leitores. Não vejo justificativas suficientes para explicar tais manchetes. Nem mesmo uma suposta atração que isso poderia causar no leitor justifica a escolha. Primeiro, o perfil do leitor do O Povo não é de um público com interesse em manchetes policiais; depois, a maior parte da tiragem do jornal vai diretamente para os assinantes, cuja venda independe de um ou outro título mais ‘forte’, mas de uma linha de coerência e qualidade, que o jornal se esforça por manter e, por isso, têm o reconhecimento dos que o lêem habitualmente. Além disso – e mais importante –, mesmo que isso causasse curiosidade em um maior número de leitores, não existia interesse público ou social no assunto para legitimar o destaque exagerado para a tragédia que atingiu essas famílias.

Penso que O POVO tem de avaliar com mais cuidado a abordagem de tais assuntos. Não é proibido ao jornal noticiar temas ‘policiais’, mas deve-se fazê-lo com parcimônia e cuidado, de modo a não ofender as vítimas (ou a memória delas) e respeitar o sofrimento dos que lhes são próximos. Também é preciso consideração com os leitores, que não se queixam pelo fato de o jornal cumprir o seu papel de divulgar as notícias, mas pedem que o faça de modo a não lhes afrontar a consciência.

Títulos confusos

Não é incomum verificar-se em jornais (qualquer um deles) títulos confusos, incongruentes com o texto da notícia, ou mesmo que a contraditam. Nesta semana, verifiquei essa distorção em várias edições do jornal.

‘Até 5% dos contribuintes podem atrasar declaração’ (Últimas, 30/4). Ninguém pode atrasar a declaração do imposto de renda, ou todos podem, desde que paguem multa à Receita Federal. ‘Fortaleza entra em campo sem gols e sem torcedores’ (Esportes, 30/4). Todos os times entram em campo sem gols, os tentos são marcados durante a partida. ‘Lula promete luz elétrica para todos em 2008’ (Política, 2/5). O presidente prometeu ‘luz para todos’ ‘até 2008’, o que é diferente. ‘Pesquisa constata 93% de irregularidades em táxis’ (Brasil, 5/5). A pesquisa referia-se a irregularidades em ‘corridas de táxis’ e não nos veículos.

O mais grave é quando o título inverte a informação correta. ‘Decon desaconselha pagar contas já enviadas’ (Economia, 5/5). Na verdade, devido a uma decisão judicial proibindo o aumento pretendido pela empresa fornecedora de energia elétrica, o Programa Estadual de Defesa e Proteção do Consumidor sugeria aos clientes a trocarem os boletos na companhia; se esta se recusasse a mudá-los, o Decon aconselhava aos consumidores o pagamento da conta, para evitar o corte. Exatamente o inverso do que anunciava o título.

Pôr o título em uma notícia exige cuidado e precisão. A responsabilidade do jornalista é grande, pois os leitores não costumam ler todas as notícias da edição; de algumas delas, lêem apenas o título ou o resumo do texto. Em casos de erro – alguns deles podem provocar prejuízos – é necessário fazer rapidamente a correção, o quem nem sempre acontece.

Publicidade e jornalismo

O professor Ademar Celedônio, que se classifica com um ‘leitor atento’, critica o ‘grande número’ de anúncios publicitários com o mesmo assunto das notícias publicadas no Ciência & Saúde. Especialmente, o leitor se refere à edição de domingo passado, na qual o tema principal foi saúde bucal. Celedônio diz ter contado ‘mais de trinta’ propagandas de dentistas ou de materiais de odontologia no caderno. Pergunto-lhe se ele observou algum tipo de contaminação entre propaganda e as notícias. ‘Não vi nenhum tipo de interferência’, afirmou, mas acrescenta ter-lhe causado ‘incômodo’ o fato de os anúncios serem relativos ao tema abordado pelo caderno.

Há que se entender a sensibilidade do leitor, mas não há nada errado no fato de o jornal vender espaços publicitários, desde que haja a demarcação clara entre propaganda e noticiário, como acontece nas páginas do O Povo, incluindo o caderno Ciência & Saúde. O leitor pode discordar da conjunção de anúncios, mas com a separação, tem a exata idéia do que é notícia e do que é publicidade. As empresas de comunicação viabilizam-se financeiramente com a audiência e a venda de espaços publicitários. Enquanto a independência editorial for mantida e houver a saudável (e respeitosa) distância regulamentar entre o Departamento Comercial e a Redação, não haverá problema nenhum.’