Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A nova caça às bruxas aos servidores públicos

Em junho de 2010, a imprensa brasileira denunciou o vazamento de dados fiscais ligados a pessoas do PSDB. Reportagem da Folha de S.Paulo dava conta de que uma “equipe de inteligência” da pré-campanha da então candidata Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, teria recebido as informações diretamente do banco de dados da Receita Federal. Na ocasião, a grande imprensa denunciou o vazamento e criticou duramente os integrantes do núcleo petista pela iniciativa criminosa.

A venda de cadastro é uma prática ilegal no Brasil. Além do uso político, essas informações também podem ser indevidamente utilizadas pelo comércio. Desde que a presidente Dilma vetou três artigos da lei que cria o Cadastro Positivo, o Ministério da Justiça trabalha para elaborar o marco regulatório para proteção de dados pessoais. A medida quer evitar a invasão de privacidade na vida dos cidadãos brasileiros por parte de empresas.

Enquanto o Congresso Nacional debate a proposta que garanta a preservação dos cidadãos com o advento da internet, o governo brasileiro disponibiliza dados pessoais dos servidores públicos em seus sites institucionais. O objetivo é garantir o cumprimento da Lei de Acesso à Informação, a 12.527. A publicação dos salários dos servidores gerou uma séria de liminares na Justiça por parte de sindicatos e entidades de classe que representam os servidores.

Pagamento de pensão

A imprensa já manifestou publicamente que defende a divulgação dos salários e tem cobrado a publicação desta informação na internet, com o nome de cada funcionário público. Ainda que a maioria das organizações governamentais esteja cumprindo a lei e disponibilize a informação quando solicitada, os jornalistas defendem que os salários precisam ser de conhecimento dos demais cidadãos para a consulta.

Para reforçar a importância, surgem matérias a todo instante denunciando super-salários e funcionários fantasmas. Os personagens quase nunca são servidores públicos concursados, mas cargos comissionados. Até que ponto é realmente necessário divulgar os nomes e salários de todos os servidores, sejam eles concursados ou comissionados? Não seria uma invasão de privacidade divulgar dados sobre os rendimentos de funcionários públicos que nada têm a ver com os gestores e seus servidores nomeados?

Recentemente, o jornal Correio do Povo publicou entrevista com representante do site Contas Abertas. O entrevistado alegou que eram apenas alguns os servidores que se manifestaram contra a divulgação dos salários, caso de ex-maridos que queriam fugir do pagamento de pensão. Esse argumento não contempla o universo de dois milhões de servidores públicos somente na esfera federal.

Servidor público é “vagabundo”

Os funcionários públicos são, mais uma vez, vítimas da campanha de caça às bruxas. Em meio a tantas denúncias de corrupção e desvio de recursos públicos, a Lei de Acesso à Informação deveria privilegiar a divulgação de salários de gestores e de seus apadrinhados. Os dados fornecidos deveriam servir para manter a sociedade atenta ao cumprimento rigoroso de contratos e licitações. E a imprensa deveria ser a primeira a promover e incentivar este debate.

A transparência tão propalada com a nova lei caminha na direção contrária aos debates que o advento da internet vem promovendo. Não se trata de omitir informações, mas de preservar dados que podem ser utilizados para a venda de produtos e serviços. Afinal, quem gosta de ter os dados fiscais divulgados na internet? Quem se aborrece com a propaganda indevida que recebe no email? Quem desliga o telefone na cara das operadoras de telemarketing? Quem estuda e se dedica para ingressar no serviço público em busca de estabilidade? E quantos conseguem uma indicação política para ingressar na vida pública em um cargo comissionado?

Essas são apenas algumas questões que lamentavelmente não são discutidas nos meios de comunicação brasileiros. Afinal, quando se trata da imprensa, interessa mesmo é reproduzir a opinião pública e não provocar um novo debate. É fato que o senso comum diz que servidor público é “vagabundo”. E esse é o único argumento que a imprensa necessita para defender a transparência e o acesso aos dados sobre os salários de servidores públicos.

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[Isabela Vargas é jornalista e mestre em Comunicação Social pela Universidade de Brasília]