Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Nelson de Sá

‘O Brasil, na versão oficial reiterada durante a cúpula, não pensa apenas na cadeira do Conselho de Segurança da ONU, em suas ações externas. Mas, no ‘New York Times’ de ontem, lá vem o embaixador Ronaldo Sardenberg:


– O nosso ‘establishment’ diplomático está inteiramente mobilizado para isso.


Falava, segundo o jornal, da ‘ambiciosa campanha global de lobby’ que o país faz ao lado de Japão, Alemanha e Índia.


A notícia do jornal americano, que ecoou extensamente nos países citados, era que ‘os EUA avisaram, às quatro nações, que não vão apoiar a sua causa, a menos que concordem em não pedir poder de veto’.


O argumento é que, com mais quatro países com tal poder, o Conselho ‘paralisa’.


A diplomacia brasileira correu a propor, anunciou Sardenberg, que o poder de veto seja só para uso a partir de 2020.


A reportagem, com base em ‘funcionários e diplomatas de alto escalão’ dos EUA, diz como anda a ‘campanha’.


O primeiro-ministro alemão, em suas andanças, passou pelo Iêmen e ‘ofereceu seu apoio à entrada do país na Organização Mundial do Comércio’.


A Alemanha já fez campanha também pela América Central. A Índia, pela América do Sul. E o Japão convocou a Tóquio seus mais de cem diplomatas, para fechar a estratégia.


Mas o Brasil foi além, segundo as fontes do ‘NYT’:


– Uma delegação brasileira, em busca de apoio durante uma visita ao Sudão em fevereiro, afirmou ao ministro sudanês do exterior que o Brasil foi contra a imposição da punição da ONU ao país, que os EUA acusam de patrocinar genocídio.


NÃO TÃO REAL


– Golpes sangrentos. Tortura. Acobertamento.


Era o ‘Los Angeles Times’, ontem, no enunciado de uma longa reportagem sobre os filmes latino-americanos que, ‘no momento em que a região abraça a democracia, pedem ao público que revisite momentos não cicatrizados ainda’. Entre outros, comenta os brasileiros ‘Quase Dois Irmãos’, de Lúcia Murat, ‘Cabra Cega’, de Toni Venturi, e ouve Walter Salles, de ‘Diários de Motocicleta’, além de mexicanos, chilenos e outros dados como ‘líderes de um renascimento’ do cinema com liberdade.


Ontem também, o ‘Washington Post’ trouxe relato em primeira pessoa, de um correspondente de sua seção de turismo, sobre a experiência de chegar ao Equador em pleno golpe, três semanas atrás. O texto abre descrevendo as ‘coisas urgentes’ que o comandante disparou a falar em espanhol, para ninguém deixar o avião. E o jornalista sem entender, com ‘soldados por toda parte’:


– E então me bateu. Nós chegamos, eu perguntei ao homem com uma grande gravata de seda, sentado ao meu lado, no meio de um golpe? ‘Um golpe?’, disse. ‘É claro.’ Me deu um frio na barriga. Eu vim atrás de aventura, sim. Mas não desse tipo. E não tão real.


ÚLTIMO MODERNO


Num longo perfil na revista de domingo, com destaque na home page, o ‘New York Times’ saudou ontem o ‘novo interesse’, ou ainda, a ‘reputação recuperada’ junto a jovens arquitetos por Oscar Niemeyer, 97, criador do Palácio do Planalto (à esq.) e outros


Flagrante 1


O JN noticiou sem manchete, sábado, e a Globo News passou o dia todo, ontem, sem encontrar repercussão para o escândalo PTB/Correios, divulgado pela revista ‘Veja’.


Desta vez, nada de Severino Cavalcanti nem dos petistas. Nem da oposição, aliás.


Flagrante 2


Mas o Fantástico, ontem, já surgiu com novo escândalo de deputados, agora estaduais, também com fitas etc.


Após o choque dos diálogos sobre superfaturamento e coisa pior, veio a voz do apresentador Cid Moreira:


– As cenas mostradas aqui foram gravadas em Rondônia. O Brasil tem outros 25 Estados e um Distrito Federal. Total de 1.059 deputados.


Direito


A ‘Newsweek’ publica perfil de Joaquim Benedito Barbosa Gomes, que é o primeiro negro no Supremo, intitulado ‘A alma de um novo Brasil’.


Com ‘uma origem pobre que rivaliza com a do presidente’, ele vai além do ‘simbolismo’ e acredita, sublinha a revista, que ‘o aborto é direito fundamental para a mulher’.


Nas telas


Fechando a semana, também o espanhol ‘El País’ achou seu representante do avanço étnico no país, de popularidade maior: perfilou o ator Lázaro Ramos, que saiu do grupo de teatro do Olodum para, sublinha o jornal, ‘conquistar maior espaço para os negros nas telas’.’




JORNALISMO ECONÔMICO
Eleno Mendonça


‘Câmbio, juro e alguns conselhos’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 16/05/05


‘A GM abre nesta segunda um PDV (programa de demissão voluntária) e quer chegar a 500 empregados da fábrica de São José dos Campos. Alegou, ao sindicato, que o dólar a esse preço torna inviável a exportação. De uns tempos para cá, a grita dos exportadores por um câmbio maior se arrefeceu e muita gente atribui isso ao simplório raciocínio de que os produtos brasileiros estão melhores, a produção mais enxuta e eficiente, a venda lá fora está chegando com abordagens e preços competitivos. Ou seja, encontrou-se a embocadura pro negócio. Esse raciocínio, de fato, deve valer para algumas empresas e setores, mas quando uma GM vem a público e diz que com esse dólar não dá, é bom o governo e a imprensa prestarem atenção. Afinal de contas, a toda-poderosa General Motors não rasga dinheiro, nem expõe assim sua estrutura de custos.


Mas então, porque há sucessivos recordes na balança comercial? Teriam as empresas atingido de verdade essa maturidade? Se o dólar cai não é ruim para quem exporta? Bem, com a ajuda do governo, que proporciona esse juro, está havendo uma enorme distorção no mercado e que explica um pouco de tudo. Com o dólar em queda, o mais lógico seria que as exportações caíssem, que as importações voltassem a subir e que a balança invertesse a mão. Acontece que com esse juro, grandes exportadores sabem que perdem dinheiro exportando, mas preferem fechar o câmbio e aproveitar o juro. Com isso, buscam uma espécie de compensação. Ou seja, o juro alto faz o papel do dólar ideal.


Virou, portanto, a história do cachorro querendo morder o rabo. O juro tá alto, o exportador fecha o câmbio para fazer os dólares o mais rápido possível e aproveitar essa taxa. Quando entram mais dólares a cotação da moeda cai pelo simples fato de que há uma oferta maior. E essa situação deve continuar assim por muito tempo, tanto porque, em nome de fechar a inflação dentro da meta, o Banco Central já mandou avisar que vai manter o juro em alta e até elevar um pouco mais na próxima reunião do Copom.


Aliás, o mesmo Banco Central cujo presidente, Henrique Meirelles, está sob investigação cerrada. Acho que há exageros, mas até que se prove o contrário, Meirelles parece ser uma pessoa honesta. De todo modo, também parece certo que o mercado, o mesmo que mexe com o dólar e com as bolsas, está adorando tudo isso. Nesse campo, quanto maior a confusão, maior as chances dos que especulam. Por esse motivo, estou com o Severino: seria bom Meirelles se afastar enquanto dura a investigação. Afinal, tudo o que ele fizer ou disser daqui para a frente será motivo de especulação.


Em tempo: outro dia escrevi que a imprensa deve participar das sugestões e discussões da política econômica e houve, entre os comentários, pessoas que discordassem. Acharam um exagero, já que essa não é a função da mídia. Eu aceito todos os argumentos democraticamente, mas aproveito aqui para reafirmar minha posição. Em quase todas as minhas colunas escrevo que o governo e a imprensa deveriam estar atentos a isso ou a aquilo. É que, depois de falar com tanta gente do governo, deste e de gestões anteriores, estou convencido de que nem sempre eles dispõem de capacidade e assessoria para tocar o dia-a-dia e questões estratégicas. Como acho que a imprensa tem um papel importante em levantar problemas e apontar soluções, ouvindo o maior número de especialistas possível, pode sim, com esse trabalho, ajudar um governo que se digne a ser democrático e que aceite, em nome do bom senso, boas sugestões. Um exemplo? Se Lula e seu pessoal de imprensa tivessem seguido o que muitos críticos já observaram sobre o excesso de discursos e as falas de improviso, certamente teriam evitado grandes crises.’


***


‘O Brasil precisa de um balanço’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 16/05/05


‘Com muita tristeza li na Folha de S. Paulo que ‘entre 2003 e 2004 o Estado brasileiro aumentou em 35% os gastos com aluguel, compra e manutenção de carros oficiais’. Isso representou o gasto de R$ 650 milhões. A FSP tem o mérito de sempre denunciar esse tipo de coisa, de gasto exagerado para coisas que poderiam bem ter um freio num governo que bate no peito e se orgulha de ser popular. Outro dia também li indignado que os carros oficiais eram do modelo Omega, de origem australiana. Ora, senhor presidente, não temos entre os modelos nacionais nenhum que seja do agrado de sua equipe?


A justificativa era a de que esses carros exigem muito menos manutenção, como se os motoristas oficiais dirigissem de forma zelosa e conservassem essas viaturas. O que vemos no dia-a-dia é um verdadeiro descalabro. Mas a questão central acaba não sendo essa. No centro da discussão está a questão básica: não há coisa mais importante para fazer com o dinheiro dos nossos impostos?


Pois o governo gastou entre 2003 e 2004 R$ 650 milhões com o pagamento de combustíveis, impostos e aquisição de novos carros para Executivo, Legislativo e Judiciário. Para se ter uma idéia de como esse é um governo de prioridades, basta saber que um dos seus principais programas, o Primeiro Emprego, consumiu no ano passado R$ 51,8 milhões, ou 13 avos dos gastos com carros. O pior é que esse programa de empregos, que está à míngua, nasceu errado, mal formulado na medida em que se desse certo afetaria com toda certeza a outra ponta, a dos trabalhadores com mais de 40 anos. O governo, infelizmente, embora tenha trabalhado uns poucos anos na linha de produção, não entendeu que o cobertor é curto. Sem crescimento econômico não adianta gastar num programa de estímulo e renúncia fiscal para criar o primeiro emprego.


Mas o governo do presidente Lula esqueceu mais que isso, esqueceu de fazer um grande balanço ao assumir. Por esse balanço ele veria onde era prioridade gastar, onde eliminar gastos desnecessários de outros segmentos. Em vez disso, cresceu, criou ministérios etc. Em vez disso, tenta arrumar colocação para todos dentro do governo, como se sempre coubesse mais um.


Eu sempre gosto de falar com pessoas de todas as tendências, acho que isso enriquece o nosso conhecimento. Por esses dias conversei com uma pessoa que trabalha na Infraero e ela me disse que depois da derrota da Marta em São Paulo, apenas em Cumbica, tiveram de receber quase 20 ‘assessores’. Também converso com freqüência com um importante deputado federal do PT. Ele diz não concordar com minhas críticas, mas tenta rebater uma a uma e não consegue. Falo sempre com ele, mas sinceramente, bem no íntimo, ele sabe que não há defesa que resista ao cenário que aí está e que a maioria da mídia não retrata. Neste momento, por exemplo, as empresas estão apavoradas, os empresários sem dormir, pois têm empréstimos a pagar e assistem de mãos atadas à alta dos juros. Outros, com projetos em andamento, sabem que vão perder dinheiro, pois nada tem retorno tão elevado. Pior que isso: hoje qualquer projeto novo tem o risco de um consumo cada vez menos estimulado.


O seminário de comemoração da Lei de Responsabilidade Fiscal fez aflorar um pouco de tudo isso, sobretudo dos gastos do governo e da falta de apoio do PT ao projeto. Palocci fez até um mea culpa a respeito, agora que é governo. Mas se não fizerem um balanço e reavaliarem tudo e corrigirem o rumo na segunda metade do mandato, fecharemos a primeira era Lula numa condição muito além das promessas.’




MORAIS CENSURADO
Comunique-se


‘Fernando Morais decide não se calar’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 12/05/05


‘Fernando Morais não aceitou a decisão imposta pela Justiça de Goiânia de não fazer declarações a respeito do recolhimento de seu livro ‘Na Toca dos Leões’. Ele reuniu alguns jornalistas brasileiros em Paris para falar sobre o caso. Morais disse que vai desembarcar no Brasil, no final do mês, com os R$ 5 mil para cumprir a decisão judicial, segundo a qual o autor terá que pagar tal valor por cada manifestação dada à imprensa. ‘Pagarei a contragosto, mas certo de que estou fazendo algo em defesa de um princípio da liberdade de expressão’, declarou.


Para ele, o pior da sentença não é o recolhimento da obra em todas as livrarias do país, mas sim a proibição de falar sobre o caso. Sua intenção, segundo o jornalista, não é desafiar a Justiça. ‘Fiquei estupefato, sobretudo com a decisão de me calar, que é algo jamais visto nem no auge da ditadura’. Morais definiu a decisão como ‘barbárie’


O juiz Jeová Sardinha, da 7ª Vara Criminal de Goiânia, ordenou o recolhimento do livro a pedido do deputado federal Ronaldo Caiado (PFL-GO), que nega ter dado uma declaração ao publicitário Gabriel Zeillmeister, fonte na obra de Morais e que cita o nome do político. De acordo com Zeillmeister, em 1989, Caiado, então candidato à presidência da República pelo PSD, falou de um suposto projeto dele de ‘esterilização das mulheres como solução da superpopulação dos estratos sociais inferiores, os nordestinos’.


Caiado move duas ações cíveis contra o jornalista, a editora e o publicitário. O autor também responde por uma ação criminal por calúnia. Os advogados de Morais e da Editora Planeta do Brasil pediram nesta quarta-feira (11/05) a suspensão da liminar de apreensão dos livros. Eles também estudam processar o juiz e o deputado por danos morais e financeiros – uma semana depois do lançamento, a obra estava em segundo lugar entre os mais vendidos.


Em ‘Na Toca dos Leões’, Morais conta a história da agência W/Brasil.’




COLUNAS & PALESTRAS
Diogo Mainardi


‘Estou ficando rico’, copyright Veja, 18/05/05


‘Tem muito colunista da imprensa que ganha dinheiro proferindo palestras. Miriam Leitão lotou o auditório do Seminário Internacional de Suinocultura, em Angra dos Reis. Gilberto Dimenstein falou sobre qualidade de vida na Infocana, em Ribeirão Preto. Carlos Heitor Cony elogiou o livro do humorista Renato Aragão no Congresso Brasileiro dos Conselhos de Enfermagem, em Fortaleza. Arnaldo Jabor iluminou a platéia da Convenção Paranaense de Supermercados, no Expo Trade de Pinhais, na periferia de Curitiba.


Uma palestra rende aproximadamente 10 000 reais. Se o palestrante é muito requisitado, pode acabar ganhando mais dinheiro com palestras e seminários do que com seus comentários no jornal ou na televisão. Arnaldo Jabor é um exemplo disso. Ele já rodou o país todo com sua palestra ‘Projeto de um Brasil novo’. Apresentou-a na Assembléia dos Dirigentes Lojistas de Cuiabá, no Congresso Paulista de Urologia, no Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, no Encontro Árabe de Goiás, no café-da-manhã com clientes da Ticket Refeições e na reunião de alunos da Faculdade de Administração e Direito de Catanduva, realizada no Buffet Mazzi, com direito a hospedagem no Hotel Michelangelo, de São José do Rio Preto.


Eu não dou palestras. Não se trata de um problema moral. É uma questão puramente financeira. Pelas minhas contas, não vale a pena. O dinheiro não compensa. Se alguém me oferece 10 000 reais para dar uma palestra em Cuiabá, penso imediatamente que eu aceitaria pagar 15 000 reais para não ter de ir a Cuiabá. Fui um jovem muito ambicioso, sobretudo no campo literário. Minha maior ambição, hoje em dia, é jamais, em hipótese alguma, colocar os pés em Cuiabá. Eu também pagaria 15 000 reais para não jantar com os organizadores do Seminário Internacional de Suinocultura. Em vez de falar sobre suinocultura, um tema que certamente poderia me interessar, tenho certeza de que os comensais ficariam a noite inteira reclamando de Lula ou comentando os últimos lançamentos cinematográficos. Eu pagaria 15 000 reais, igualmente, para não ser fotografado numa feira agrícola de Ribeirão Preto apertando a mão de algum vereador ou deputado estadual que, com toda a probabilidade, deveria estar na cadeia. E pagaria outros 15 000 reais para não dormir no melhor hotel de Fortaleza, e comer no melhor restaurante de Fortaleza, e visitar a grande atração turística de Fortaleza, seja lá qual for. Já é duro agüentar o Brasil sem conhecê-lo. Imagine conhecendo-o.


Toda vez que me recuso a dar uma palestra, portanto, é como se economizasse 5 000 reais: a diferença entre o que me oferecem por palestra e o valor que eu tiraria do bolso, agora mesmo, para evitá-la. Já economizei mais de 200 000 reais desse jeito. Como sabem meus colegas colunistas, palestras são altamente rentáveis. Estou ficando rico graças a elas.’