Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Gilberto Scofield Jr.

‘O burburinho é grande nos corredores do prédio-sede da China Central Television (CCTV), a gigante estatal de televisão da China. Ainda no amplo saguão da sede da emissora – um complexo de 11 hectares no distrito de Haidian, a oeste da Cidade Proibida, em Pequim – o clima é de comemoração.


A razão, explicada pela intérprete Li Guixan, do departamento de relações internacionais da empresa: a audiência do programa de gala de fim de ano, o Lunar New Year Show, exibido na virada do dia 8 para o dia 9 de fevereiro, bateu o recorde histórico de audiência. Durante as quatro horas do programa, 1,1 bilhão de chineses estiveram ligados na CCTV. Até então, o recorde era do programa dos 50 anos de fundação da República Popular da China, exibido em 1999 e assistido por 1 bilhão de chineses.


É com números gigantes que a CCTV gosta de se apresentar como a maior emissora de TV do mundo em audiência, portanto capaz de captar anunciantes como qualquer similar de país capitalista. Em média, são 286 milhões de telespectadores ligados todos os dias, contra os 30 milhões das três maiores emissoras abertas de TV dos EUA: ABC, CBS e NBC.


Nas horas de pico – durante o telejornal nacional das 19h, reproduzido pelas outras emissoras – a audiência chega a 500 milhões. Nada mau para um país com 3.240 canais. Cada uma das 31 províncias tem vários, e só a CCTV tem 16. Segundo a empresa de consultoria Asia Information Associates Limited (Aial), com base em dados de 2002, há 350 milhões de aparelhos de TV na China. A população assiste, em média, a três horas de programação por dia.


Mas o gigantismo da CCTV enfrenta novas necessidades de mercado. Aos 46 anos e com cerca de 14 mil funcionários, a empresa está deixando de ser apenas um braço de influência do Partido Comunista para se transformar numa empresa em busca do lucro. Além disso, tornou-se uma das principais ferramentas de comunicação das reformas de mercado abraçadas pelo governo de Pequim, desde o início da década de 80.


– Temos um orçamento anual de cerca de 30 bilhões de yuans (US$ 3,62 bilhões) que vem do governo e 10 bilhões (US$ 1,13 bilhão) de receitas próprias, a maioria de publicidade. Seguindo as orientações do governo de modernizar a administração das empresas estatais, estamos aumentando a fatia dos recursos próprios – diz Cheng Hong, diretor da divisão de controle de programação da CCTV.


A julgar pelo assédio das grandes companhias aos leilões anuais de espaço na programação, pode-se dizer que a empresa vai bem. No último leilão, a Procter & Gamble gastou US$ 50 milhões comprando espaço no horário nobre.


Hong diz que a seleção da programação obedece mais a critérios de mercado do que políticos. Mas a veiculação de produções estrangeiras ainda está limitada a 10% da programação. Segundo Hong, a CCTV atende à demanda do público chinês por programação nacional. Bem, não é o que mostra a maciça venda de DVDs pirateados americanos pelas esquinas de Pequim.’




MÍDIA & MEDO
Claudio Tognolli


‘O Medo e o Terror’, copyright AOL (www.aol.com.br), 13/05/05


‘Há dez anos o jornalista americano Bob Garfield se meteu na análise do numerário sobre doenças graves publicadas no espaço de doze meses nos jornais Washington Post, New York Times e USA Today. Os números eram de causar não só medo. Mas, sobretudo, escárnio: 53 milhões de americanos com doenças cardíacas, 53 milhões com enxaqueca, 25 milhões com osteoporose, 16 milhões com obesidade, três milhões com câncer. Outros lotes de doentes compreendiam doenças não tão comuns, como 10 milhões sofredores de disfunção da articulação temporomandibular e dois milhões sofredores de distúrbios cerebrais.


Ao somar os números, Bob Garfield chegou à conclusão de que 543 milhões de americanos estão muitíssimo doentes -num ano em que a população dos EUA era de 266 milhões de almas. E o escárnio não parou por aí. Jim Windolf, um editor do New York Observer, notou que Garfield havia subestimado os pacientes noticiados com enfermidades mentais, 53 milhões. Nas contas de Windolf, havia, segundo a mídia dos EUA, mais 10 milhões sofredores de disfunção da personalidade limítrofe, mais 11 milhões acometidos de compulsão sexual, outros 12 milhões com aquilo que se chama de síndrome das pernas inquietas. Ou seja: onde Garfield viu 53 milhões, a partir da análise das publicações, Windolf encontrou um numerário de 152 milhões de doentes. O que eleva o número de doentes dos EUA para quase três vezes a população dos EUA. Todos esses números constam da obra Cultura do Medo, do sociólogo Barry Glassner.


O pessoal papo-cabeça costuma dizer que um dos piores males da mídia é que, além de mentir, a disposição de situações-limite, para o espectador, acaba reforçando a crença na autoridade -o que é igual, dizem, a autoritarismo. Vamos supor que essa teoria fosse falha, aviltante. Outro dia me convenci dela. Vendo o AXN the most amazing vídeos, ou coisa que o valha, nos eram mostrados cidadãos bem de vida, do meio oeste americano. Estáveis, quase gordos, rosados, carrões, casa grande, filhos, cães tão saudáveis quanto os donos (ou mais que eles). De repente, na undécima hora do dia, acontece o pior: vem um tornado, um ciclone, colhe torpemente a família. Eles ficam tocaiados pela natureza. Depois de horas de indecisão, pânico e sofrimento, autoridades devidamente paramentadas salvam a cena -aquilo que no teatro greco-romano se chama de Deus ex machina, a entidade que salva a tudo e a todos, vinda dos ares, bem no finalzinho do espetáculo. No final da cena, com a família devidamente resgatada, eis que apareceu no AXN um xerifinho de meia-idade, queixo obsceno, olhar rútilo, que, ao apontar um dedo pra câmera, repousa a mão sobre a estrela de xerife e dispara ‘Veja, confie sempre, sempre na autoridade’.


Se você enveredar ainda pelo papo-cabeça, mais profundo, verá que muita gente escreveu sobre o medo de uma maneira sumamente filosófica. Por exemplo: o filósofo alemão Martin Heidegger. Ele costumava se perguntar: ‘Como se diferencia aquilo diante de que se angustia a angústia diante daquilo de que se atemoriza o medo?’ Traduzindo: Heidegger notava que o medo tem um objeto sobre o qual se erige. A angústia não: ela se constrói sobre o nada. Da mesma forma, psicanalistas diferenciam a nostalgia da melancolia: a primeira é que fala ‘ai, que saudades da minha namorada’; a segunda é a que se pergunta ‘como deve ser legal ter uma namorada’. Portanto, a angústia está para a melancolia assim como o medo está para a nostalgia. É por isso que o filme ‘A Bruxa de Blair’ fez tanto sucesso. Aquilo não impõe um medo erigido sobre um objeto real: é uma angústia que se erige em torno do nada, de simples galhinhos de árvore.


Ao analisarmos num primeiro momento o discurso de George Walker Bush, vemos que a retórica dos EUA, a partir de 11 de setembro, era construída sobre o medo: sobre terroristas de carne e osso que fizeram os atentados. Num segundo momento, o discurso passa a ser genérico: saem de cena os ‘terroristas’, entra ‘terror’. É o upgrade do medo para a angústia. Da mesma forma, nossos apresentadores de assuntos policiais, ao esgotaram a trapaça de mostrar a cara do bandido no ar, começam a variar: trocam a cara do bandido pelo emprego da ‘criminalidade’, dos ‘criminosos’. Trocar medo por angústia é a estratégia que mais tem dado certo para convencer o populacho do que quer que seja.’




NEWSWEEK
ERRADA
Folha de S. Paulo


‘Clérigos ameaçam EUA com guerra santa’, copyright Folha de S. Paulo, 16/05/05


‘A revista americana ‘Newsweek’ admitiu ontem que a matéria publicada sobre uma suposta profanação do Alcorão praticada por militares da base americana de Guantánamo, em Cuba, estava errada. Em um comunicado, o editor da revista, Mark Whitaker, confirmou o erro e pediu desculpas às vítimas da violência provocada no mundo muçulmano pela publicação da reportagem.


Ontem, um grupo de clérigos muçulmanos do Afeganistão ameaçou declarar guerra santa aos EUA por causa da notícia.


A matéria causou protestos no Afeganistão e outros países muçulmanos. O presidente afegão, Hamid Karzai, exortou os EUA a punirem os responsáveis. Desde a publicação da reportagem, na semana passada, 16 afegãos morreram e mais de cem ficaram feridos em manifestações contra os EUA.


Mark Whitaker disse que o oficial que revelou os detalhes do incidente voltou atrás e afirmou ‘não ter certeza de que havia alguma referência ao Alcorão no relatório que leu sobre o caso’.


A matéria afirmava que os interrogadores da base americana de Guantánamo colocaram exemplares do Alcorão nos banheiros, e que em pelo menos um caso o livro sagrado foi atirado na latrina.


Guerra santa


Ontem, um grupo de clérigos afegãos exigiu que o presidente George W. Bush ‘entregue os responsáveis a um país islâmico para que sejam punidos’. E ameaçaram: ‘Caso isso não aconteça em três dias, vamos lançar uma guerra santa contra a América’.’




O Estado de S. Paulo


‘Revista admite erro em notícia sobre Alcorão’, copyright O Estado de S. Paulo, 16/05/05


‘A revista americana Newsweek, cuja reportagem sobre suposta profanação do Alcorão provocou protestos com vários mortos em países islâmicos, admitiu ontem que a informação que originou à publicação pode estar errada. A revista informou que o Departamento da Defesa protestou com veemência, assegurando que a história era um erro.


O editor de Newsweek, Mark Whitaker, redigiu editorial reconhecendo o equívoco: ‘Lamentamos que parte de nossa história tenha sido um equívoco e queremos expressar nossa solidariedade às vítimas da violência, bem como aos soldados americanos que sofreram com isso.’


No dia 9, a revista escreveu que militares americanos descobriram durante uma investigação que, no campo de prisioneiros da base naval americana de Guantánamo, em Cuba, um exemplar do Alcorão havia sido lançado numa privada durante um interrogatório de presos muçulmanos acusados de atividades terroristas.


Manifestações de protesto ocorridas durante a semana passada no Afeganistão deixaram pelo menos 14 mortos e 120 feridos.


Newsweek destacou que, ao checar as informações com um alto oficial do Exército americano que havia revelado detalhes do incidente, este já não estava tão seguro de sua versão.


No pior momento das manifestações, vários países islâmicos expressaram profunda preocupação e pediram ampla e completa investigação à Casa Branca. Altos funcionários do Pentágono disseram, então, não ter encontrado nenhuma prova.


Ontem, um grupo de clérigos muçulmanos voltou a exigir um esclarecimento convincente das autoridades americanas para o episódio.


A maioria dos 520 prisioneiros confinados em Guantánamo é constituída de islâmicos, capturados sob suspeita de terrorismo durante a campanha de ocupação do Afeganistão para destituição do regime do Taleban, acusado de dar abrigo à rede terrorista Al-Qaeda, do saudita Osama bin Laden, responsabilizada pelos atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos.


Tanto no Afeganistão quanto no Paquistão, os insultos ao Alcorão e ao Profeta Maomé são considerados blasfêmia e castigados com pena de morte.


‘Os soldados dos Estados Unidos são reconhecidos por sua absoluta falta de respeito para com outras religiões’, disse ontem Qazi Hussein Ahmed, diretor de uma filial paquistanesa de uma coalizão de grupos radicais islâmicos. O comentário dele ocorreu um dia depois de o presidente paquistanês, general Pervez Musharraf, ter exigido detenção e punição exemplar para o responsável pela profanação.’