Enviei a seguinte carta ao Segundo Caderno de Zero Hora:
Senti-me desconfortável com a matéria “Retrato de um escritor iniciante”, publicada por Zero Hora neste sábado, 14/7/2012. O jornal dedicou a capa do Segundo Caderno ao lançamento de um livro de poesias renegadas por Drummond e metade da página 3 a outros autores que, igualmente, tiveram rejeitados seus livros iniciais. Quanto espaço – nobre – dedicado a um assunto declaradamente de baixíssimo interesse, afora a curiosidade de algum professor-pesquisador!
Meu incômodo, amigos, é pelo fato de que no Rio Grande, como no Brasil, há centenas e centenas de bons autores sem uma única linha de espaço para a divulgação de seu trabalho. Em meados dos anos 90 observei que em todos os concursos literários do país naquela década havia gaúchos nos primeiros lugares. Eu próprio tenho dez premiações nacionais – inclusive dois segundos lugares no Concurso Nacional de Contos Josué Guimarães. Apesar da vitalidade dos contistas gaúchos, estamos submersos pela falta de editoras e pela falta de crítica literária na imprensa do estado, condenados a escrever para as gavetas.
Circuito lítero-comercial
Quantos “novos” autores as editoras brasileiras e gaúchas publicaram desde o ano 2000? Quem ousa afirmar que não surgiu nada de bom em uma década inteira? Encarando a literatura como um negócio, orientado exclusivamente ao lucro e não necessariamente à qualidade e à originalidade, as editoras somente republicam best sellers. Sequer aceitam receber originais. Quando os enviamos, não recebemos nem mesmo uma negativa por falta de qualidade literária de nosso trabalho, mas uma resposta padrão: não estamos recebendo originais. Onde publicar? Como publicar? Como colocar em circulação? E, antes disso, como descobrir se tens ou não valor literário, se nem mesmo sobreviveram as revistas literárias, a crítica literária, os cadernos literários nos jornais? Tampouco concursos para “novos” existem mais.
Antes, chamava-se a atenção dos editores através dos prêmios que recebíamos e, assim, abriam-se as portas para a publicação. Mas agora os concursos são para livros já publicados. Entramos, então, num círculo surreal de impossibilidades. Não publicas porque não és conhecido, não és conhecido porque não tens referência de premiações ou de críticos, não és premiado porque não tens nada publicado. E os jornais? Todo espaço para os re-re-re-lançamentos dos jack kerouac, azeitados pelos editores brasileiros. E, assim, completa-se o circuito lítero-comercial, que nem sempre tem relação com a atualidade e a qualidade da produção literária atual. Por isso, num estado reconhecidamente fonte de contistas importantes, deploro que Zero Hora dedique uma página e meia a textos de que sequer os autores desejam ouvir falar.
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[Paulo de Tarso Riccordi é jornalista e escritor, Porto Alegre, RS]