‘Nas várias vezes em que a assessora de imprensa da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social, Angélica Martins, falou com este ombudsman, queixou-se do ‘exagero’ do O Povo ao abordar questões relativas à segurança pública. Da Redação do jornal, ouço que as notícias apenas retratam o clima de insegurança a tomar conta da cidade. O fato é que, no decorrer do tempo, criou-se uma relação tensa entre a Redação e a Secretaria da Segurança.
O clima piorou nos últimos dias, a partir da prisão de um traficante, em Fortaleza, pela Polícia Civil do estado do Rio de Janeiro, sem que a Secretaria da Segurança do Ceará fosse informada da ação. A manchete de capa edição de terça-feira foi ‘PMs (policiais militares) do Ceará sob suspeita’, tendo como subtítulo a informação sobre a captura do traficante. O que justificou a manchete foi a ‘suspeita’ do ‘delegado (da Polícia Civil fluminense) que comanda as investigações’, de que o criminoso ‘pagava PMs cearenses em troca de proteção’. Essa informação aparecia, sem mais detalhes, no corpo do texto, na página interna em que a notícia foi publicada. Angélica questionou o porquê de uma informação, considerada secundária pelo próprio jornal – pois não mereceu nem mesmo um título na página interna –, ter se tornada manchete de capa.
Na edição do dia seguinte (quarta-feira), sai a manchete: ‘Crise na segurança pública’, com subtítulos pontuando três coisas diferentes 1) a prisão de policiais cearenses ‘quando extorquiam um comerciante’; 2) o ‘medo’ de empresas de telentrega, que ‘evitam determinadas áreas’ da cidade; e 3) uma declaração do governador em exercício, Maia Júnior, cobrando explicação do governo do Rio sobre o movimento de policiais fluminenses em Fortaleza.
O secretário da Segurança Pública, Wilson Nascimento, escolhendo as palavras, afirma que há um ‘direcionamento’ no noticiário do O Povo com o objetivo de mostrar uma suposta crise na área da segurança pública. Nascimento rejeita a palavra ‘crise’ usada pelo jornal para definir a situação, sem negar que existam ‘problemas’, para ele, compatíveis com um setor ‘complexo como é a segurança pública’. Essa dimensão os leitores não têm quando lêem o jornal, diz o secretário. Nascimento também se preocupa com o ‘repique’ que as manchetes têm sobre a ‘radiofonia’. Os apresentadores de programas de rádio, na maioria das vezes, ‘lêem apenas as manchetes’, o que causaria ‘distorção no entendimento do assunto’, diz ele.
Em primeiro lugar, é preciso registrar ser relativamente comum o tensionamento entre os jornais e instituições (públicas ou privadas) ou pessoas, quando o noticiário lhes é desfavorável. A tensão não é um mal em si, desde que cada um compreenda o seu papel. O do jornal é informar da maneira mais isenta possível. O Povo faz uma cobertura crítica da área de segurança, cumprindo o seu papel de fiscalizar o poder público. Por isso, não se pode acusá-lo de ‘direcionar’ notícias com o objetivo deliberado de prejudicar a Secretaria da Segurança. É inegável, tendo o nome de ‘crise’ ou ‘problema’, a gravidade da situação da segurança pública, espelhada no sentimento de insegurança a perseguir a população. Isso não é exclusividade do Ceará, é fato, mas não absolve os governos e os secretários de segurança, pelo contrário, chama-os todos a dar respostas à ‘crise’ ou ao ‘problema’.
No entanto, o jornal não está livre de falhas, como a apontada acima por Angélica Martins. A acusação grave da Polícia Civil do Rio contra a Polícia Militar cearense merecia maior aprofundamento – mesmo que a divulgação demorasse mais tempo –, ou mais cuidados na forma de publicá-la, em caso de difusão imediata. Pode-se até argumentar que o fato de a polícia fluminense não ter avisado sobre a prisão que faria em Fortaleza, reforça a tese da suspeita sobre os colegas cearenses. Mas isso fica no terreno da especulação, que o jornal teria de apurar até comprová-la, ou colher depoimento mais consistente do acusador.
Além dessa questão pontual, entendo que O Povo precisa dar mais unidade às notícias esparsas em suas edições, fazer as devidas conexões entre elas, contextualizá-las, apresentar números, comparações, estatísticas, para oferecer mais consistência à tese que transparece em suas páginas sobre a crise na segurança pública do Ceará.
Gangueiro e Desfusão
Preocupado, um professor de escola pública me liga para dizer que corrigira um aluno que escrevera ‘gangueiro’ (integrante de uma gangue) em uma redação, anotando que a palavra não existia. Ao vê-la na primeira página da edição de 9 de maio, quis saber se havia abonação em algum dicionário que justificasse o seu uso, pois não queria cometer injustiça com o estudante. Disse-lhe que a palavra não estava dicionarizada, mas considerava legítimo o jornal usar o neologismo para se referir a esses jovens, cujos grupos não têm como único objetivo a prática de crimes. Por isso, não caberia, por exemplo, a palavra ‘quadrilheiro’ (integrante de uma quadrilha), dicionarizada, mas que não refletiria o espírito de uma gangue.
Lembrei a ele existir hoje um movimento defendendo a separação da cidade do Rio de Janeiro do restante do estado. Até 1975, existiam os estados do Rio de Janeiro e o da Guanabara (formado somente pelo município do Rio), quando houve a fusão entre ambos. O movimento está usando a palavra ‘desfusão’ (reproduzida e aceita pelos jornais) para defender seu ponto de vista, apesar de os dicionários não registrarem o vocábulo. Poder-se-ia apelar para outras palavras: ‘separação’, ‘desmembramento’, ‘secessão’, mas nenhuma delas refletiria com mais propriedade o espírito que os animadores pretendem imprimir ao movimento, pois ‘desfusão’ remete a uma circunstância anteriormente existente, à qual eles querem retornar.
O processo de formação destas palavras – gangueiro e desfusão – é tão comum na língua, que ninguém terá dificuldade em compreendê-las. Os neologismos, não se deve banalizá-los, mas também não se pode proibi-los (mesmo porque seria impossível).
Carioca e Fluminense
A propósito, esta semana o jornal grafou em várias notícias a expressão ‘polícia carioca’ para referir-se à polícia fluminense. Carioca é o adjetivo pátrio para referir-se a quem nasce (e às coisas) apenas da cidade do Rio de Janeiro. Fluminense refere-se a todo o estado, incluindo a cidade do Rio.’