‘Não sei não, mas, pelo que se vê e se ouve por aí, a impressão é a de que o Estado não mais representa o povo. A constatação foi feita, recentemente, por Mauro Santayana, no ‘JB’. E ele disse mais: o Estado é uma empresa em falência com os sócios disputando o que resta.
De uma forma menos lúcida, o mesmo pensamento rola em editoriais, em colunas -especializadas ou não-, em debates e em mesas redondas na TV, onde nem mais aparece a mesa, que, redonda ou quadrada, foi abolida pelos cenógrafos.
A classe política está dando excelentes motivos para a sua satanização. Segundo alguns, ela entrou em choque com a sociedade. Concordo com o atual repúdio que dedicamos aos políticos em geral. Contudo me recuso a crer que a sociedade seja esse anjinho imaculado sob cujas asas nos abrigamos e nos damos o direito de xingar aqueles que estão fora dela.
É moda encher a boca com a palavra ‘sociedade’ como expressão máxima da moral, do patriotismo, de todas as virtudes e bons predicados. A começar pelo simples fato de que, direta ou indiretamente, ela cria e mantém a classe política. Depois, convenhamos, mesmo abstraindo tudo o que se entende como ‘classe política’, o que sobra da sociedade não é flor que se cheire. Não é uma vestal, dona da verdade e da compostura. Dentro dela, de suas múltiplas comportas, ela é injusta, discriminatória, violenta e… corrupta também, a seu modo e circunstância.
Lembro Antônio Callado na entrevista que deu à Folha dois dias antes de morrer, em 1997, aos 80 anos. Amargurado, ele dizia que faltava à sociedade uma âncora que a amarrasse a um ponto que a livrasse, primeiro, de andar à deriva (como está acontecendo); em seguida, uma vez fixada em determinados valores, pudesse construir uma comunidade humana menos egoísta, menos narcisista e mais solidária.
Minhas homenagens ao Mauro e, como sempre, ao Callado.’
Folha de S. Paulo
‘MinC recebe verba, paga atrasados e reclama da penúria’, copyright Folha de S. Paulo, 26/05/05
‘Depois das recentes reclamações do ministro da Cultura, Gilberto Gil, sobre a falta de verba para as realizações de sua pasta, o ministério obteve, na quinta passada, a liberação de R$ 10 milhões de seu orçamento.
A maioria dos recursos -R$ 6 milhões- foi destinada ao programa Cultura Viva. Estavam em atraso compromissos financeiros assumidos pelo projeto, que se baseia em convênios com instituições privadas sem fins lucrativos.
‘Alguns conveniados receberão agora duas parcelas [sendo uma em atraso]’, diz o secretário Célio Turino, titular de Programas e Projetos Culturais.
Segundo o secretário-executivo do Ministério da Cultura (MinC), Juca Ferreira, a disponibilização dessa verba não ameniza a situação financeira da pasta. ‘É escandaloso. Estamos com editais na rua, com vencedores e não temos dinheiro para pagá-los’, diz.
Das receitas previstas para o ministério em 2005, aprovadas pelo Congresso, 57% (R$ 289 milhões) foram retidos ou ‘contingenciadas’, no jargão contábil, de acordo com Ferreira.
A retenção desse orçamento faz com que a participação do MinC no bolo geral caia a 0,26%, ‘o que significa menos do que o índice de 2001, no governo FHC’, afirma o secretário.
O montante liberado ‘é suficiente apenas para o pagamento das despesas obrigatórias, de dívidas e dos eventos relativos ao Ano do Brasil na França’, afirma Ferreira. Ou seja, ‘não há dinheiro para nenhum investimento em projeto cultural’.
Há rumores de que o ministro Gilberto Gil entregará o cargo se não conseguir convencer o presidente Lula e o ministro Antonio Palocci (Fazenda) a liberarem o orçamento de sua pasta.
No MinC, comenta-se que Gil ‘aumentou os decibéis na conversa com o governo’, em defesa do que entende como coerência de uma política geral de governo.
A idéia é que uma administração que se propôs a restabelecer a importância estratégica da cultura não pode deixar o MinC à míngua, sob pena de não cumprir seu próprio compromisso.
Cultura Viva
Criado no governo Lula e definido como um programa de ‘educação, cultura e cidadania’, o Cultura Viva tem o objetivo de ‘potencializar energias sociais e culturais, visando a construção de novos valores de cooperação e solidariedade’.
Na prática, o programa incentiva a disseminação pelo país dos ‘Pontos de Cultura’, dedicados a variadas manifestações da arte e cultura populares.
Nesta semana, a portaria que instituiu o programa foi alterada, para incluir ‘gays, lésbicas, transgêneros e bissexuais’ entre o público-alvo do programa.
Turino diz que a mudança foi feita para ‘explicitar uma possibilidade [de participação] que já existia’.’
TODA MÍDIA
Nelson de Sá
‘O gerente e as bombas’, copyright Folha de S. Paulo, 26/05/05
‘Não foi dos melhores dias para o presidenciável Geraldo Alckmin, ‘o gerente’. Da Globo, abrindo o ‘SPTV’ no meio do dia:
– São Paulo amanheceu relembrando um pesadelo. A Marginal Tietê debaixo d’água. Em alguns pontos, rio e pista se confundiam. Além das vias expressa e local, as ruas do entorno ficaram submersas.
Pior, ‘desta vez nem as máquinas da obra de ampliação da calha escaparam’. Ao vivo, diz então o repórter:
– Governador, fica aquela sensação de que as obras não deram resultado.
Entra Alckmin:
– Não, as obras deram, sim, resultado. Ficamos três anos sem enchente. Tivemos uma chuva excepcional.
Foi defesa curta e, sem pausa, ‘o gerente’ passou a responsabilizar a prefeitura:
– Só a ponte das Bandeiras, onde nós estamos, é que tem sistema de bombeamento. O rio volta para a calha, mas o trânsito não libera porque acumula água… O caminho é colocar bombas embaixo de todas, e nós já detectamos as que precisam. Aí vamos ter um impacto menor na população.
Mais à frente, voltou por contra própria ao assunto:
– Com as bombas, aí nós minimizamos o problema do trânsito nas marginais, que é o que atrapalha a população.
Falaria mais, mas foi cortado para as cenas de um resgate com caiaque e dois botes.
De manhã, ao vivo no ‘Note e Anote’, da Record, ‘o gerente’ já havia gasto dez minutos na mesma tecla:
– O problema agora é debaixo das pontes… Não [falei com o prefeito], mas o Estado vai ajudar… Só temos bombas aqui na ponte das Bandeiras… Vamos entrar em contato com a prefeitura para ajudar na compra ou aluguel… Vamos ajudar a prefeitura a pôr bomba embaixo de todas… De todas, só a das Bandeiras tem… O sistema de bombeamento é do município, mas o Estado vai ajudar.
À noite, ao vivo no ‘Brasil Urgente’, da Band, evitou afinal as ‘bombas’, mas respondeu sobre a ‘briga’ com o prefeito por causa da enchente:
– Não há nenhuma briga. O que nós temos que fazer é trabalhar. Amassar barro, comer poeira, suar a camisa. No ano que vem quem vai decidir é o partido. Aquele que for escolhido, o partido estará junto. Mas não neste momento.
Minutos depois e, na Globo, lá estava ele de novo:
– Vamos ajudar a prefeitura a ter um sistema de bombas e a erguer as pontes.
Estava encerrando reunião com os secretários em que, para a Globo, ‘ficou decidido que o governo do Estado vai propor à prefeitura… bombas’.
Foi um dia depois de a Globo, entre outras, relatar o encontro dos ‘quatro presidenciáveis do PSDB, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o prefeito de São Paulo, José Serra’, mais FHC e Aécio Neves.
E depois de Alckmin, segundo a Jovem Pan, ser ‘questionado sobre uma pesquisa que o aponta como candidato pouco conhecido no restante do Brasil’, ao contrário de Serra.
E depois de um site tucano, o E-agora, postar uma nota sem assinatura intitulada:
– Pode não ser Alckmin.
AOS PRANTOS
Ilustração ontem no Blog do Colunista
Os sites noticiosos bem que se esforçaram, mas muito pouca coisa aconteceu, desde a leitura do requerimento da CPI até a meia-noite.
A Folha Online cobriu o golpe de teatro, mais um, do senador petista Eduardo Suplicy, que saiu anunciando ‘emocionado’, aos prantos, que assinaria o requerimento da comissão porque assim ‘é melhor para o meu partido, é melhor para o presidente Lula, para que venhamos a refletir melhor’.
Foi o pouco que animou também o esforçado ‘live blogging’ de Ricardo Noblat, no Blog do Colunista, fora um ou outro parlamentar que tirava ou colocava o nome no requerimento da CPI. Aqui e ali, Severino Cavalcanti também chamou a atenção ao anunciar que a comissão era ‘fato consumado’, na Globo Online. Até Itamar Franco conseguiu alguma atenção, com críticas à ação do governo no Congresso.
Finalmente, chegou a Globo News e, três minutos depois da meia-noite, anunciou:
– Pelos cálculos do governo, não foi possível retirar o número necessário de assinaturas e impedir a instalação da CPI.
Pouco imposto
O ‘New York Times’ deu editorial sobre ‘Crescimento e os pobres’ no Brasil e América Latina. Disse que não tem chegado aos pobres e responsabilizou o serviço da dívida externa e o fato de os governos ‘tomarem muito pouco em impostos’.
Lucro recorde
O ‘Financial Times’ deu reportagem dizendo que ‘o forte crescimento que o Brasil não via há anos’ está ‘por trás da estelar performance corporativa’:
– As empresas do Brasil informaram lucros recordes no primeiro trimestre do ano.’