Graças à essência democrática da mídia eletrônica em geral (já o previa o então idealista poeta Hans Magnus Enzensberger, no final da década de 1980), da internet em particular, e deste OI amiúde, dois anônimos cidadãos como o sr. Eduardo Guimarães e eu podemos trocar argumentos absolutamente irrelevantes sobre um tema igualmente esgotado em 2006, num fórum privilegiado porque acessível a qualquer incauto do universo digital.
Para alguns, ocupar o púlpito do OI equivale a marcar um gol e correr para a galera. A vaidade de difundir seus pontos de vista, e o poder decorrente disto, não é privilégio dos jornalistas: enquanto muitos bem pagos se empenham ardorosamente em derrubar presidentes ou assessores (quanto mais graduados, mais festejados), vários internautas aspiram por seu turno desancar jornalistas (pelo ‘crime’ de terem defendido um candidato contrário ao seu, ou pela latente frustração de não dispor de um espaço cativo para expressar suas opiniões.
Não foi puro amor à ‘democratização da mídia’ o motor do ‘linchamento’ a Alberto Dines. Naquelas e outras edições do OI, várias matérias polêmicas sobre o tema foram postadas nas demais seções, mas a maioria dos leitores preferiu continuar o bombardeio na página principal, pois esta lhes dava mais ‘visibilidade’ . Não importava o debate de idéias, análise criteriosa, argumentação. Importava apossar-se de um universo de prestígio, de leitores cativos; importava desqualificar um jornalista que, munido de lupa, encarava os canhões.
Agora, por favor, não me venham de novo com delírios de complô pró-Dines. Sequer o conheço pessoalmente e, embora deva muito de minha formação a seus livros, meu último artigo, por exemplo, parte da discordância de uma posição dele – a de que a mídia encoraja o ideal de magreza. Para mim, a morte da modelo Ana Carolina Reston deveria desencadear discussões sobre os índices de doença mental e desemprego dos jovens no país. A moça não estava tentando emagrecer para agradar ao namorado, mas para poder trabalhar. E a cultura brasileira, barroca por natureza, rejeita o look-holocausto, apesar da publicidade dos shoppings, da elite, de uma certa classe média euroamericanizada e da ala da mídia mais metida a besta.
Papel ‘decisivo’
Quanto a pesquisas acadêmicas (reitero que não foi iniciativa do OI), não entendo por que o sobressalto. Só falta pedir o CPF do autor. Elas não são fast food, como as do Ibope: levam meses para serem elaboradas e anos para serem concluídas (dois para mestrado, quatro para doutorado). Não só porque dependem de projeto, justificativa, objetivo, fundamentação teórica, como também de financiamento. É natural que os aspirantes não queiram contar como certa uma investigação científica que depende do aval de várias instâncias. Eu mesma estou com uma aprovada no CNPq – ‘Ayrton Senna, um mito místico na mídia’ – ameaçada porque meu departamento não a autorizou. Vou recorrer, pois pode ter havido preconceito temático, típico de quem não leu o projeto nem, guardadas as devidas proporções, o texto de Jorge Luis Borges sobre as frases de pára-choques de caminhões de Buenos Aires ou o de Roland Barthes sobre a importância do bife com batatas fritas na cultura francesa. Ou seja, a argumentação deve ser complexa, independente do tema.
Complexidade que falta, é bom que se diga, aos textos de tecnofilia faceira que festejam o fim da mídia impressa. Tenho um esboço de projeto sobre ‘Internetdependência: o que lêem os futuros jornalistas’, e a conclusão é sombria: o graduando de Jornalismo – e creio que de outras áreas – lê cada vez menos livros, jornais e revistas (impressas). Quando surgiu a TV previram que o cinema e o rádio desapareceriam. O rádio hoje ainda é a mídia mais difundida no Brasil e no mundo. Pode ser que estejam certos quanto ao fim do jornal de papel; mas não creio que isso seja motivo de regozijo. Acho uma lástima. Socialmente, desemprego; sensorial e esteticamente, uma perda; porque, como objeto, o jornal impresso é muito mais agradável e interessante que seu parente eletrônico.
Falta complexidade ou sobra autopromoção aos analistas que atribuem à internet papel decisivo na eleição presidencial de 2006. Nos cursos de Comunicação, quem tem dado as diretrizes teóricas é o espanhol radicado na Colômbia Jesús Martín-Barbero (Travesías Latinoamericanas de la Comunicación em la Cultura, Fondo de Cultura Econômica, Santiago, 2002). Ele argumenta que a cultura media e é mediada pela mídia. Que pode apresentar cumplicidade, resistência e réplica aos meios de comunicação.
Delírio de grandeza
Na reeleição de Lula, as regiões ligadas ao agronegócio prejudicadas por políticas federais (Rio Grande do Sul, Roraima, Centro-Oeste) votaram contra o governo; regiões como o Nordeste, beneficiadas por projetos sociais, foram seu grande trunfo para se manter no poder. Fatores como economia estável e dólar em baixa são elementos da infra-estrutura, que repercutem favoravelmente na superestrutura (cultura).
Não foi a mídia que levou a eleição para segundo turno. Foi, tudo indica, a notícia do dossiê. No segundo turno, Lula resolveu debater, e se saiu muito bem (ver ‘Notas sobre liderança e arrogância‘). Mas Alckmin, que não é nenhum facínora, como faz supor o maniqueísmo simplificador de posts exaltados, também ajudou. Aqueles dois pontos ele perdeu quando manifestou alinhamento aos EUA e uma certa prepotência com os hermanos do Mercosul. Nunca mais recuperou. Mas a audiência dos debates não é significativa. E os demais votos de Lula vieram do mesmo lugar de 2002: dos eleitores de Christovam Buarque e Heloísa Helena.
O universo de internautas, reduzido; os politizados, mais reduzidos ainda, e o de petistas e simpatizantes, ainda mais seletivo. Que dizer das regiões Sudeste e Sul, as mais informatizadas, onde Alckmin venceu? Então, trata-se de um delírio de grandeza e ânsia de poder atribuir uma contribuição exagerada aos sites e blogs de difusão de opinião política na última eleição.
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Jornalista e pesquisadora