Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Milton Coelho da Graça

‘O atual rei do sarcasmo brasileiro, Diogo Mainardi, não foge à luta com Cuiabá, um dos dois alvos de sua coluna da semana passada (Veja 1905,18/5). Volta a jurar solenemente, na edição desta semana (23/5), que, mesmo processado e amaldiçoado, jamais irá à capital do desmatado Mato Grosso, mesmo que seja para ganhar 10 mil reais em um dia (leia os dois artigos no site de Veja – somente para assinantes).

O outro alvo – e principal – do sarcasmo ficou quieto: os jornalistas importantes – especialmente da área econômica – freqüentemente contratados (e bem pagos, em relação ao que recebem pelo trabalho regular) para dar palestras ou conferências, geralmente em eventos empresariais.

É uma pena, porque a gozação de Mainardi se refere a um tema de muitas conversas e cochichos nas redações, mas até agora não abertamente discutido como questão ética de relevância.

Mainardi não escreveu uma só letra crítica, apenas esbanjou ironia na direção de Joelmir Betting, Miriam Leitão, Luiz Nassif, Arnaldo Jabor e outros. O argumento sério por trás do tom de brincadeira é o de que jornalista ganha para revelar na mídia suas informações, análises e opiniões. A palestra reservada, como um privilégio para pessoas que pagam por isso, em nome de conhecer bastidores da notícia e aquilo que o público em geral continuará ignorando, pode deixar dúvidas sobre a credibilidade da mídia e de seus artesãos.

Mas, na sociedade da imagem e da celebridade, é natural que surja um novo mercado para os jornalistas mais famosos e, muito especialmente, é claro, para quem trabalha em TV. É cada vez maior a parcela de público, mais seleta em termos de poder aquisitivo, com o desejo de dizer a amigos que conheceu ‘pessoalmente’ Miriam ou Jabor.

Artistas e apresentadores já engordavam seus orçamentos em bailes de debutantes ou festas de socialites. Por que, Mainardi, os jornalistas não têm direito a faturar mais algum indo a Cuiabá?

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Zuenir, com sua doçura, fez o mesmo

Na GloboNews, Zuenir Ventura também reabriu outra discussão, sobre um tema antigo nunca encerrado. O jornalista deve ser participativo, inscrever-se em partidos, torcer por um clube?

Sou fã de carteirinha de Zuenir há 40 anos (ele me empregou no Diário, um dia depois de eu sair de quase oito meses de cadeia em 1964) mas não sei como ele acha isso possível. Minha experiência indica a visão contrária. Entre os companheiros mais imparciais e objetivos na reportagem sempre estavam aqueles que não escondiam suas inclinações ideológicas, políticas, religiosas, esportivas, sexuais ou de qualquer outra natureza. Entre as recordações de que mais me orgulho está a de que, em várias ocasiões, eu era o único diretor ou chefe de redação presente a uma assembléia sindical ou manifestação política de jornalistas. E nunca soube que alguém tenha deixado de me considerar rigorosamente objetivo ou isento na cobertura de qualquer assunto – política, briga entre Senna e Piquet ou jogo do Vasco.

Resumindo: jornalista é como qualquer outro cidadão. Mas a opinião de Zuenir é ponderável. Vale a pena manter essa discussão na cabeça.’



JORNALISMO ECONÔMICO
Eleno Mendonça

‘Ninguém fala mal de banco’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 30/05/05

‘Todo mundo critica as teles, critica exportadores, indústrias, setores e empresários. Critica até o governo. Mas ninguém fala mal dos bancos, nem o governo, à exceção o querido vice-presidente José Alencar, que de uns tempos para cá também foi aconselhado a se calar. A grande imprensa dá ao setor bancário tratamento vip, se limita a reproduzir o que eles dizem sobre os lucros absurdamente altos, não questiona a forma de atuar, seus métodos, suas tarifas. O máximo que se permitem os jornalistas de economia é divulgar, quando aparece oficialmente, seja pelo Banco Central, seja pelo Procon, a pesquisa sobre o juro que cobram os bancos de seus clientes e que pomposamente recebe o nome de spread, que nada mais é que a diferença entre o valor e juro da captação do dinheiro e o valor e o juro do repasse desse dinheiro.

Mas muitos devem estar perguntando: por que diabos o Eleno está escrevendo sobre isso? É que na semana passada o Ministério da Previdência, cujo titular está sob investigação justamente por não pagar uma dívida em banco, suspendeu a realização de novos convênios com os bancos para ampliar a rede de acesso ao crédito com desconto em folha para os aposentados. Chaparro já criticou essa medida aqui mesmo no Comunique-se, em março. A coluna dele era pura indignação e aproveito para fazer coro. Mas me pergunto: de que adianta agora o governo tentar botar ordem na casa? Não deveria ter feito isso antes, há um ano, quando Lula resolveu ceder ao lobby dos bancos?

A decisão de suspensão, agora, se dá para que sejam estudados e adotados mecanismos de controle para impedir fraudes nesse tipo de operação, informa o governo, e foi tomada em conjunto com o Procon, Ministério da Justiça, Banco Central, Ministério da Fazenda e o Ministério da Previdência. O que se deu pouco destaque foi o que motivou essa suspensão. Na verdade, os bancos, que não sabem viver sem a boa e velha tarifa, estavam cobrando tudo: cadastro, aprovação, queriam contrapartida de compra de serviços etc. Se por si só a autorização para desconto desses empréstimos diretamente na folha dos aposentados já é uma vergonha, com esses ingredientes então, tornou-se algo quase pornográfico.

O que mais me espanta são as personalidades que se prestam a divulgar esse tipo de coisa. Sem nenhum esclarecimento, sem nenhuma atenção especial ao público a que se dirigem, os bancos – que não usam a marca principal e se escudam em nomes estranhos e sem nenhuma lembrança para o público – encontraram nesse um filão que não tem quase margem de erro. Um aposentado ganha pouco, logo tem de pegar um empréstimo pequeno. Com desconto em folha, não tem nem como dar o calote. Como o número de prestações é pequeno, é como tirar doce de criança. O pior de tudo é que ninguém explica para esse aposentado as condições, o aperto a que vai se submeter no futuro, se isso pode comprometer ainda mais seu orçamento. Vende-se a coisa de forma tão fácil que até parece um ótimo negócio. E de fato é um ótimo negócio, para os bancos.

Nesta semana tive a oportunidade de ver de perto como é bom ser banco. Um amigo se convenceu pela propaganda a antecipar a restituição do IR. Ele tinha R$ 1.600 para receber. O banco lhe daria R$ 1.000 agora e ficaria com o restante. Ou seja, de cara ele perderia mais de um terço do valor. Pior, se fosse contemplado no primeiro lote, que deverá ser em setembro, perderia isso tudo apenas por não esperar três meses. É assim que os bancos fazem lucros. Enquanto isso, o governo continua agindo de forma a melhorar ainda mais essas condições, como essa autorização para desconto em folha de aposentados e também de sindicalizados. Se alguém se puser a investigar, poderá descobrir coisas incríveis, começando por perguntar como os sindicatos optam por esse ou por aquele banco. Será apenas pelo critério da eficiência? E como é que está o endividamento dos aposentados e desses trabalhadores depois do surgimento dessas linhas de crédito?

Em vez de suspender novos convênios, o governo e a mídia deveriam fazer um amplo levantamento, um pente fino, e ver a quantas andam essas operações.’



BEM, MAL & MÍDIA
Deonísio da Silva

‘As pombas, os golfinhos e os políticos’, copyright Jornal do Brasil, 31/05/05

‘Os editores são misericordiosos. O mundo é mais assustador do que parece. Principalmente a natureza, que é mãe crudelíssima, ainda que certos defensores da ecologia achem que vão nos persuadir melhor a defendê-la se nos enganarem a respeito dela.

Bastam dois exemplos: as pombas e os golfinhos. Ao contrário do que sugere, golfinho não é um golfo pequeno. A origem das duas palavras explica a diferença fatal. Golfo veio do grego kólpos, seio de mulher, depois aplicado, por metáfora, à geografia como sinônimo de baía, que procede do germânico baga, curva, arco, coisa arredondada, como um seio. Mas golfinho veio do grego delphínos, caso genitivo de delphís. O latim tomou o genitivo grego e o transformou no nominativo delphinus. Por influência de golfo, nós, da língua portuguesa, passamos a pronunciar golfinus, golfinos, fixando-nos por fim em golfinho.

Qual a imagem que a imprensa e de resto os meios de comunicação nos apresentam dos golfinhos? Muito melhor do que a de senadores e deputados, por exemplo. Estamos tão preparados para a bondade dos peixes como para a maldade dos políticos. Grande e estranho, porém, é o mundo, e também repleto de sutis complexidades. Talvez as coisas não sejam como são ditas, nem no caso dos parlamentares, nem na dos golfinhos e das pombas.

A escrita traz coisas estranhas, nos jornais como nos livros. Outro dia, à beira de copos, pratos e rostos, ocasião das mais agradáveis para o convívio intelectual dos brasileiros, que melhoram a verve e a graça quando comem e bebem reunidos, Esdras do Nascimento e Angela Adnet lembravam que um especialista literário, ao trazer para o português um conto de James Joyce, traduziu como ‘columbário’ a morada do Espírito Santo! Sim, se é pomba, columba, habita o columbário. Por muito menos, hereges arderam nas fogueiras da Inquisição ou enfrentaram o garrote vil.

Os cientistas das águas sabem que os golfinhos são ferozes, transformam-se em brutais assassinos por não se sabe bem quais razões e trucidam os próprios filhos. Mas esses mamíferos cetáceos nos são apresentados como modelos de bondade natural.

As pombas transmitem doenças terríveis e são símbolos de paz. Noé e Picasso, no caso das columbas, foram os responsáveis pelo engano. Uma pomba trouxe um ramo verde no bico ao findar do dilúvio. E Picasso desenhou uma delas voando de um ninho de fuzis para celebrar o fim da segunda guerra mundial.

Aquela mesinha que não saiu do caminho e te levou, leitor ou leitora, à inevitável canelada, também oferece prova adicional da maldade do mundo. Tendo toda a sala para postar-se, ficou no meio para te machucar, de propósito. Tu te dobras de dor, mas ela fica impassível. Custava retirar-se um pouquinho quando passavas? Não se moveu nem se condoeu com tua dor.

Somos levados a crer que os políticos não prestam, os golfinhos são bonzinhos e as pombas são de paz. Somos seres incompletos: nem a maldade nem a bondade jazem inteiras e inertes em nós. Sofrem grandes transformações todos os dias. Mas que é bom conversar irresponsavelmente em tão boas companhias, ah, este é um prazer que ainda não foi obnubilado pelo olho de vidro luzente dos maus economistas, que vêem impostos em tudo.’