Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ana Maria Bahiana

‘Não me sai da cabeça a lembrança aparentemente contraditória dos aplausos abundantes e constantes a praticamente tudo de Guerra nas Estrelas III, a Vingança dos Sith no Teatro Lumiere, no coração de um festival cuja própria essência parece ser o oposto do filme de George Lucas. A intercessão de opostos é sempre algo de imenso valor para quem labuta na mídia com objetivos além de press releases: ela revela com facilidade facetas importantes que de outro modo ficariam ocultas na repetição automática de idéias pré-concebidas.

Uma forma de compreender o súbito entusiasmo pop de platéias que, em tese, vieram a Cannes ver (e aclamar) filmes semi-mudos sobre dois sujeitos em crise existencial vagando pelo deserto, é o raciocínio expresso numa das melhores, senão a melhor, crítica de Guerra III, a assinada por A.O.Scott para o New York Times (aqui).

Scott, que não é exatamente um maria-vai-com-as-outras, e cujo detector de armação de marketing é alto, coloca em termos precisos a importância da visão de Lucas para toda a filmografia e a cultura pop a partir de 1977, analisa a ‘enorme sombra’ que a saga lançou sobre uma sucessão de gerações de público, e situa com clareza o fascínio, a satisfação estética e emocional que um trabalho da amplitude, ambição e competência de Guerra III traz para qualquer pessoa que tenha uma relação pessoal importante com o cinema. Scott aponta as falhas crônicas de Lucas, confessa seu desapontamento com os dois episódios anteriores da saga e releva que, mesmo ou apesar de tudo isso, Guerra III tem que ser visto como algo muito além de mais um hiper-mega arrasa quarteirão.

Num parágrafo interessante, Scott sublinha algo que torna Guerra III ainda mais importante como parte de um mito contemporâneo – os paralelos entre a ascensão do Império na distante galáxia ‘muito tempo atrás’ e a trajetória do Império Bush, alavancada, como a do Senador Palpatine de Lucas, pela manipulação do medo.

Nota a editores de cultura: observar a reaparição do tema em outros arrasa-quarteirão pop como Guerra dos Mundos, de Steven Spielberg, contando com o provado adágio que o mais superficial e inconseqüente dos gêneros é quase sempre o mais eficiente para comentários políticos que de outra forma seriam impossíveis ou inócuos.

Para um outro olhar em perspectiva sobre George Lucas e sua obra, recomendo a matéria de capa da Wired de maio (aqui), sem dúvida a melhor cobertura da pauta mais óbvia da temporada. Confirmando a suspeita de que muitas vezes a visão de fora (afinal, a Wired é uma revista de tecnologia) é um poderoso antídoto para a mediocridade, a suíte de super bem apurados textos contextualiza Lucas em sua geração, situa o vastíssimo impacto de seu trabalho sobre o hardware e o software de cinema, TV e informática.

E, mais importante, traça o primeiro perfil completo e acreditável de uma das personalidades menos compreendidas do cinema. George Lucas não tem a loquacidade e o carisma de seus contemporâneos e amigos Francis Ford Coppola, Steven Spielberg e Martin Scorsese. Por experiência própria posso dizer que Lucas é um entrevistado difícil, amável mas permanentemente desprovido de palavras e um tanto desconfortável com seu próprio legado – algo que a matéria principal, de Steve Silberman, assinala logo no primeiro parágrafo.

Silberman compensa a sisudez de Lucas com uma extensa pesquisa de sua história pessoal, revelando um ávido fã e conhecedor de cinema de arte que se sente aprisionado pelo extraordinário sucesso de algo que ele jamais previu que fosse assumir as proporções atuais. Alguém que se identifica cada vez mais com Anakin e não com Luke Skywalker, e que se debate com as possíveis armadilhas do Lado Sombrio da Força, que possivelmente _ para citar uma fala de Guerra III, escrita pelo próprio Lucas, com ajuda de Tom Stoppard _ ‘uniu-se àquilo que deveria destruir, e traiu quem deveria proteger’.’



JORNAL DA IMPRENÇA
Moacir Japiassu

‘Hipocrisia’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 27/05/05

‘A imprensa do mundo inteiro abriu espaço para esta notícia:

Jornais exibem foto de Saddam de cueca

Fotos do ex-ditador iraquiano Saddam Hussein trajando apenas uma cueca branca ilustraram a capa dos jornais sensacionalistas The Sun (Reino Unido) e New York Post (EUA).

(…) A foto na capa dos jornais mostra o ex-ditador de cueca segurando a própria calça em sua cela no Iraque, em local ignorado (…) ‘Estamos investigando agressivamente e vamos descobrir o que aconteceu’, disse em Bagdá o coronel americano Steve Boylan.

Para o Pentágono, a publicação pode violar a Convenção de Genebra. Segundo a Cruz Vermelha, cabe às forças americanas, detentoras da custódia do ex-ditador na época, preservar sua privacidade.

Janistraquis segurou o queixo com as duas mãos:

‘Considerado, como é mesmo o título daquela peça de Shakespeare? Muito Barulho Por Nada, não é? Ora, não tem nada demais o ex-ditador segurar as próprias calças; se fosse calça alheia… E aparecer de cueca não arranha a dignidade de ninguém. Sabe duma coisa? Já estou de saco cheio com tanta hipocrisia! Quer dizer que invadir o Iraque, derrubar Saddam e lá deixar um exército de ocupação, pode; fotografar o homem de cueca, não pode, porque isso constitui usurpação de privacidade!!!!!!!!!!!!!!!!!!’

É mesmo de lascar.

Padrão SBT

Deu na Folha Online:

Casal substitui Ana Paula Padrão no ‘Jornal da Globo’

Um casal vai apresentar o ‘Jornal da Globo’, após a ida de Ana Paula Padrão para o SBT. O telejornal será ancorado por Christiane Pelajo e Willian Waak, informa o colunista da Folha Daniel Castro na edição desta terça-feira.

(…) O anúncio da saída de Ana Paula Padrão foi feito oficialmente no último dia 13. Ela foi para o SBT para ganhar mais. Nos bastidores, fala-se em R$ 250 mil por mês, enquanto na Globo o salário era de R$ 80 mil. Além disso, ela quer ter mais tempo para um projeto de gravidez.

Janistraquis acha que Waak e Pelajo vão bater um bolão, porém reprovou o tal ‘projeto de gravidez’:

‘Pois é, considerado, dá nisso quando um tecnocrata vira redator de jornal; custava o elemento dizer simplesmente que Ana Paula está a fim de ter um filho?!?!?!’

Correspondente de guerra

Conheça, considerado leitor, como era a vida do correspondente de guerra Joel Silveira, no texto sempre espetacular de Sérgio Augusto. O artigo do mestre, publicado na revista Bravo!, lá está, nesta verdadeira trincheira democrática que é o Blogstraquis.

Modéstia à parte

O considerado José Truda Júnior, que costuma ler O Globo de cabo a rabo (principalmente rabo, segundo avalia Janistraquis), enviou-nos este gracioso excerto da coluna de Renato Maurício Prado:

Estou viajando para Paris, onde vou assistir, uma vez mais, ao torneio de Roland Garros. Por isso, não poderei escrever a coluna do domingo que vem.

Em compensação, diariamente, da próxima segunda-feira até a grande final, no dia 5 de julho, assinarei, aqui nas páginas de esportes, o ‘Diário de Rolanga’.

Truda, cuja personalidade se divide entre o gaúcho invocado e o carioca eutrapélico, anexou o seguinte comentário:

Compensação para quem, cara-pálida?!?!?!?

É ruim, hein, tchê?

Hora da sesta- 1

O considerado Camilo Viana, diretor de nossa sucursal em Minas, é fã da professora Dad Squarisi, como todos nós, e por tal razão tomou um susto com a notinha intitulada Arruda não levou em conta, enganchada preguiçosamente na coluna Dicas de Português, de 25 de maio:

Era noitão. Lá pelas dez horas. Linda chegou do trabalho. Tirou os sapatos, relachou os pés e deu uma espreguiçadinha.

Camilo, veterano que só cochila na hora da sesta, reagiu:

Aqui em Minas, quando relaxamos é pra dar uma caprichadinha…

Janistraquis me olhou atravessado e recomendou, com um desagradável tom de ironia:

Considerado, é melhor não dar destaque ao tropeço da Squarisi; afinal, não esqueça de que, recentemente, você escreveu chiste com x.

É mesmo. Mas eu não sou professor de português!!!!!!!!!

Hora da sesta – 2

O considerado Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal no DF, de cujo janelão escancarado para a fantasia é possível ver a multidão em torno de um ‘peru bêbado’ que anda a fazer piruetas no Palácio do Planalto, pois Roldão, mostrando-se sintonizadíssimo com seu colega Camilo Viana, em alígera diligência explica o assaz espantoso ‘cochilo’ da professora Dad Squarisi:

Essa história do relachamento saiu apenas na coluna que é publicada no Estado de Minas e foi falha do digitador; no Correio Braziliense saiu certo: relaxou.

Janistraquis, que jamais admitiu a hipótese de que a professora pudesse cometer tão circense desregramento, acha que o digitador deveria ser preso e condenado a dividir cela com Elias Maluco.

Campeão desde…

Depois de longo silêncio agora finalmente explicado, o considerado Robertão Porto escreve ao colunista e anuncia o próximo lançamento de um livro que escreveu sobre a história e histórias do glorioso Botafogo. Leia o texto epistolar no Blogstraquis.

Mais hipocrisia

O holofote da indispensável Veja assestou o foco nesta relevante notícia:

A Sociedade de Prevenção à Crueldade contra Animais do Estado de Indiana (ISPCA), nos Estados Unidos, mandou uma carta ao embaixador americano no Brasil, John Danilovich, pedindo o cancelamento do visto de José Eduardo Cavalcanti de Mendonça. Trata-se do marqueteiro Duda Mendonça. Motivo: Duda foi preso numa rinha de galos e admitiu que esse é seu hobby. A sociedade lembra que as brigas de galo são crime no Brasil e em 48 estados americanos.

Janistraquis leu, releu e resmungou:

‘É mais uma prova da hipocrisia desses americanos, considerado; briga de galo é crime mas o exército deles pode prender, torturar e humilhar cidadãos pelo mundo afora; briga de galo é um horror, mas a pena de morte vigora em vários estados onde se lê a Bíblia todos os dias. Ah!, vão pra…’

Faço minha a indignação deste filho do sertão nordestino, onde o buraco da realidade é muito mais embaixo.

O ontem de hoje

Pelo menos durante toda a manhã de domingo, 22/5, a Folha de S. Paulo manteve no ar a edição do dia anterior. Fomos saber o que ver na TV, além dos jogos transmitidos pela Globo, e nada. Fiquei preocupado, porém Janistraquis, tanto esperto quanto perverso, me acalmou:

‘Considerado, como se trata da Folha, tanto faz a edição de hoje quanto a de ontem; e a programação esportiva da TV a gente procura noutro canto!’

Assim foi feito.

Nota dez

Texto que exige a reflexão do leitor é este do mestre Zuenir Ventura, exemplo de caráter e competência profissional. Aliás, ele acaba de lançar suas ‘memórias de redações’, intitulado Minhas histórias dos outros (279 pp., Editora Planeta, São Paulo, 2005; R$ 40). O colunista ainda não leu mas achou maravilhoso.

Falta a Justiça

Nunca é demais lembrar que o julgamento de Elias Maluco, que começou ontem, tem um significado especial não só por causa do crime em si, um dos mais bárbaros já cometidos no Rio, mas também pelas agravantes que o cercaram. Foi, por exemplo, graças a um habeas-corpus que o traficante pôde assassinar o jornalista Tim Lopes. Acusado de 60 homicídios e respondendo a seis processos por tráfico e seqüestro, com 14 registros policiais e 11 mandados de prisão, ele cumpriu pena de 1996 a 1999.

(Leia no Blogstraquis a íntegra da coluna de O Globo)

Errei, sim!

‘MAR VIRA SERTÃO – Da Previsão do Tempo do Jornal da Tarde, de São Paulo: ‘Interior – a previsão é de tempo nublado, passando a bom à tarde. Há possibilidade de nevoeiros no início da manhã. Temperatura em elevação entre 19 e 25 graus(ontem, em Santos, de 19,7 a 21,9)’.

Janistraquis não se conteve: Ah! Ah!, considerado; Santos no interior de São Paulo… esse Jornal da Tarde acha que pode tudo…’ (Janeiro de 1992)’



HISTÓRIAS DE REDAÇÃO
Eduardo Ribeiro

‘Nossos jornalistas e suas incríveis histórias’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 25/05/05

‘Meses atrás, o colega Engel Paschoal, hoje um dos mais reconhecidos profissionais no tema Responsabilidade Social, me procurou levando consigo a tiracolo uma proposta de editar um livro sobre jornalistas brasileiros.

Duas razões básicas o motivaram a essa atitude: vislumbrava em mim e na minha empresa, a Mega Brasil Comunicação, potencial de realizar a empreitada (certamente por conta das várias obras nesse campo que ajudei a fazer em anos anteriores, entre eles o livro-agenda ‘Fontes de Informação’, o guia ‘Colunistas Brasileiros’ etc.); e ele, pessoalmente, era dono de um imenso e ‘saboroso’ banco de dados sobre jornalistas brasileiros, montado pacientemente ao longo de 20 anos, como hobby. Após quatro ou cinco reuniões e um tempo depois nasceu o projeto ‘Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no jornalismo econômico’, um livro com a proposta de reunir a biografia das centenas de profissionais, Brasil afora, que se dedicam – nos mais diferentes cargos e veículos – a cobrir o dia-a-dia da Economia. Neste mês de maio, entramos na reta final da edição do livro, com a perspectiva de lançá-lo no mês que vem. Por conta disso, e de posse de cerca de 500 biografias, estou me deliciando como um dos revisores do trabalho com as maravilhosas histórias de vários dos nossos ‘personagens’.

É incrível conhecer particularidades singelas de gente que conhecemos de fama ou mesmo pessoalmente e de quem sequer conhecemos 5% ou mesmo 10% da trajetória (quem foram, que dificuldades enfrentaram na vida, como se safaram de perigos iminentes, como entraram na profissão etc.). Com o apoio de uma equipe integrada ainda por Lucila Cano, Sueli Amaral, Cristina Vaz de Carvalho, Carlucho Maciel e Armen Loussenian, me considero privilegiado de poder conhecer, em primeira mão, o que todos depois poderão conhecer através das 500 ou 600 páginas do livro.

Mas quero aqui aguçar a curiosidade dos leitores, trazendo pequenos trechos para degustação da obra. Começo, pois, com Marco Aurélio Guimarães, que muitos não conhecem de nome mas sim pelo apelido Jangada, que, aos 72 anos, continua na ativa, coordenando a Redação do Jornal do Commercio, no Rio de Janeiro (sobre ele, especificamente, há uma outra história comigo muito engraçada que deixo para contar no final).

Jangada já começou esculhambando o próprio nome do livro – ‘Quem é quem no jornalismo econômico’ – dizendo que o certo é Jornalismo de Economia. Seria então jornalismo econômico aquele jornalismo que hoje as empresas praticam, pagando pouco os profissionais, gastando muito menos do que gastavam, investindo merreca na atividade?

Faz sentido a observação de Jangada, e por conta disso decidimos, em homenagem a ele, mudar o nome do livro para ‘Quem é quem no jornalismo de Economia’. Acho, aliás, que o mesmo princípio vale para jornalismo esportivo (seria o jornalismo que se exerce de forma esportiva, com um abrigo e tênis, por exemplo?), para jornalismo político etc. Pois Jangada, no perfil que nos encaminhou, lembrou que quase toda a primeira parte de sua carreira deu-se no Jornalismo de Esportes e seu contato com a Economia, na década de 80, já na fase de se aposentar, o fez adotar procedimentos muito, digamos assim, heterodoxos no trabalho. Um trecho de seu depoimento: ‘Certo dia, em conversa com um dos repórteres de E (assim trataremos economia daqui por diante), perguntei-lhe se sabia o preço da carne. Para meu assombro, o rapaz, especialista em abastecimento, não tinha a mínima idéia dos preços das carnes de primeira e segunda. O detalhe: a menos de 50 metros do Globo, na Rua de Santana, ficava um supermercado da extinta Casas da Banha. Bem ao meu feitio, passei-lhe uma esculhambação e disse-lhe esperar que todas as semanas fosse ao mercado, antes de escrever a página de abastecimento baseado em releases, vício ainda vicejante. Por acaso, descobri que economistas e jornalistas de E têm pouco compromisso com a realidade, não sabem o preço do feijão, do arroz, do açúcar, da carne etc. – e nada mudou desde 1982.

Ante um repórter, todo economista assume ar grave, orna-se da chamada infalibilidade papal. Nas poucas vezes em que me vi diante de tais figuras, diverti-me muito, a partir de duas perguntas: 1. O senhor sabe o preço do feijão? 2. Não? Sabe o do arroz? Sem exceção, todos tinham (têm) a fórmula mágica para tornar o Brasil um País desenvolvido, de pleno emprego, gigante – mas não sabiam os preços do feijão e do arroz! Economistas e jornalistas causaram grande prejuízo ao idioma: os primeiros, por analfabetismo; os segundos, por deslumbramento.’

Que dizer então de Antônio Epifânio Moura Reis, nascido em 7 de abril de 1939, em Oeiras, Piauí, e que todos conhecem por Moura Reis, hoje integrando o time de editores do Diário de S.Paulo. Sua entrada na profissão é um arraso: ‘Em 1959, fui repórter de polícia num jornal de Fortaleza de vida breve, acho que Correio do Ceará. Com o fechamento do jornal, decidi ir para o Rio de Janeiro, de ônibus, com a cara e coragem e entrar no Jornalismo. O ônibus parou em Governador Valadares para a hora do almoço. Decidi dar uma voltinha e encontrei uma estação de trem. Tirei a mala do ônibus, entrei no trem – o mais bonito que tinha visto – e fui para Belo Horizonte com o plano de, após viver a experiência de viajar de trem, pegar um ônibus para o Rio. Cheguei pela manhã e fiquei sabendo que poderia ir à noite de trem para o Rio. Decidi dar uma voltinha por Belo Horizonte. Ainda na praça da estação do trem um cara da minha faixa de idade me perguntou se eu sabia onde ficava o Banco da Lavoura de Minas Gerais (que depois virou Real). Claro que não sabia, mas saí conversando com o cara que me disse que ia fazer concurso para o banco, que era fácil e que o resultado saía na hora. Achamos o banco e fiz também o tal concurso, na verdade uma provinha. Passei e fiquei em Belo Horizonte. Algumas semanas depois, entrei para um cineclube chamado CEC (Centro de Estudos Cinematográficos) e em pouco tempo comecei a fazer no Diário da Tarde (vespertino do Diário de Minas, dos Diários Associados) o que se chamava de crítica de cinema. Mas, como não me pagavam, continuei bancário. Participei do lançamento de um jornalzinho de cinema, aprendi diagramação e virei diagramador do Diário de Minas. Saí do banco. E passaram a me mandar fazer reportagem de Polícia e crítica de cinema. Abriram um novo jornal – Correio de Minas – e fui convidado para ser diagramador, crítico de cinema e repórter. O tempo passou, o jornal não deu lá muito certo e fui chamado de volta pelo Diário de Minas, como diagramador e como crítico pelo Diário da Tarde. Aconteceu o golpe de 64, me demitiram e fui para o Rio. Entrei para o Correio da Manhã, no Rio, como repórter.’

Lá pras bandas de Minas Gerais, e também Brasil afora, muita gente conhece Pedro Lobato, colega que foi da Gazeta Mercantil muitos anos e que hoje é o editor de Economia do Estado de Minas, um dos mais importantes jornais do grupo Diários Associados. Um trecho de seu depoimento: ‘Cá entre nós, esporte, cultura, entretenimento e, se possível, política de bom nível, são assuntos muito mais agradáveis. Além da chatura, a economia tinha pouco espaço e importância na mídia da época. Por isso mesmo, quase ninguém se interessava por ela. Por que logo eu, que estudara em seminário de padres holandeses e com eles aprendera música (harmonia, regência e composição, órgão e bateria), iria me meter com números, balanços de empresas, bolsa de valores, contas públicas, ‘simonsens’ e ‘delfins’? São coisas da nossa profissão. A gente acaba achando poesia onde parece que não tem. Vibra com o que faz, mesmo que seja apenas o relato de uma falência.’

Alguém pode imaginar que o atual diretor editorial da Gazeta Mercantil, em São Paulo, José Eduardo Gonçalves, pintava óleo sobre tela, tocava guitarra e era compositor? Pois bem, ‘Desde criança, sempre pintei – aquarela, óleo e acrílico sobre tela. E na adolescência fui guitarrista de uma banda de rock, o que me faz acariciar até hoje minha guitarra Fender vermelha, genuinamente americana. Papai era comerciante e eu quase virei engenheiro à força. Bem, no ano em que conclui o colegial técnico (1973), a minha alegria acabou vindo do terceiro lugar conquistado por uma música que compus para o festival de música universitária da cidade. Mas não nego que a experiência obtida durante os tempos difíceis do colégio técnico abriu o caminho para que, mais tarde, praticasse com mais intimidade e objetividade o jornalismo de economia e negócios’.

Para finalizar, cumpro a promessa de contar minha história com o Jangada, história para mim marcante, porque era um jovem foca, mas que para ele deve já ter ficado no tempo passado, na poeira do destino. ‘Estava eu naquela noite de domingo, como fazia todos os domingos havia um ano ou pouco mais, metido em cálculos, montando tabelas, apurando resultados, tudo para a clássica seção Tabelão, uma das mais importantes da revista Placar, naqueles anos – por volta de 1975. Eu estudava jornalismo, mas na Placar trabalhava só aos domingos, no Tabelão, e como datilógrafo (hoje certamente seria digitador). Ali estava por três ou quatro razões: era um dinheiro a mais no orçamento, era uma atividade jornalística (apesar da relevância menor), era na Editora Abril, onde eu comecei como office boy, e era esporte, a grande paixão da minha vida. Alice, minha mulher e então namorada, nunca se conformou muito com aquela história de, em pleno domingo, eu almoçar e, meia hora depois, zarpar na perua da Abril, rumo à Marginal, para trabalhar na Placar. Pois bem, estava eu lá, naquela noite, entretido, quando escuto o grito ‘gol, gol, gol’. Esta era sempre a senha, na redação, para anunciar que ia começar ‘Os gols do Fantástico’, já naquela época apresentados pelo Léo Batista. Toda a redação da Placar parava, aos domingos, para ver o gol, gol, gol. E era uma zorra total. Quando ouvi o ‘grito de guerra’, mais que depressa levantei e me aboletei no primeiro lugar que deu, em frente a tevê, garantindo um bom ângulo para ver as melhores jogadas do domingo. Sentei no tampo de uma das mesas. Era a mesa do Jangada. Sim, eu Eduardo Ribeiro, então um foca e aprendiz, pus minha bunda magrinha no tampo da mesa do enfezado Jangada. Aqui, é necessário um parênteses: o Jangada era zangadíssimo, mas um tremendo cara. Rabujento que só, mas um grande coração, e por conta disso ninguém levava muito a sério a rabujice dele. Imagine só um carioca, jeito de malandro, sambista, compositor de escola de samba, rabujento… Não combinava. Era só da boca pra fora.

Bem, estava eu lá sentado na dita mesa, nem enxergando os que estavam ao meu redor, com o olho vidrado no Léo Batista, quando vejo alguém aos berros vindo em minha direção, vermelho de ódio, soltando fogo pelas ventas e pelos olhos, querendo me pegar pelos gargomilos, me atirar pela janela do Edifício Abril direto no Rio Tietê… A Redação inteira parou, atônita, deixando temporariamente os gol, gol, gol de lado para ver o que se tinha dado. Sem saber direito o que estava acontecendo, mas percebendo que tinha feito uma tremenda bobagem, tratei logo de tirar minha magra bundinha da mesa do Jangada. Saltei num átimo e lá na mesa, despedaçado, todo retorcido, irreconhecível, escondido sob as laudas de alguma matéria daquela edição, jaziam os óculos do zangado e transtornado Jangada.

Inexplicável o que se deu depois. A redação inteira ria com a desgraça do Jangada, mas eu, foquinha, fiquei desnorteado com a esculhambação e fui para o meu canto, cabisbaixo, até que alguém saiu em minha defesa, dizendo: o Jangada, deixa de aporrinhação. Foi um acidente! E todos voltaram para o gol, gol, gol, ao ritmo de Léo Batista. Saí da Placar, depois, sem realizar meu sonho de ser repórter da revista, e nunca mais vi o Jangada pessoalmente, embora o acompanhe à distância até por força do trabalho que faço. A ele, pois, 30 anos depois, o meu pedido público de desculpas pelos óculos estraçalhados.’’



CRÔNICA ESPORTIVA
José Paulo Lanyi

‘Eles entendem de jornalismo esportivo’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 19/05/05

‘Há algumas semanas lançou-se aqui em São Paulo uma coletânea de textos que se propõem a analisar… bom, veja o título, que fica mais fácil: ‘Formação & Informação Esportiva: Jornalismo para Iniciados e Leigos’ (Summus Editorial). O livro é organizado por Sergio Vilas Boas, mineiro formado pelo Uni-BH, doutorando e mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.

Para forrar a dica, faço um apanhado do que você vai encontrar nos sete textos reunidos pelo pesquisador.

O inquieto Mauro Beting ensinou criticando, ou, se preferir, criticou ensinando. Ácido, ‘sin perder el chiste’, o comentarista cobrou, aspas nossas, ‘mais aplicação’ dos jornalistas: ‘Qualquer bípede pode comentar futebol no Brasil. Basta dizer que futebol é uma caixinha de surpresas. Cada jogo tem a sua história. Dois a zero é um placar perigoso. Está faltando pegada, atitude e determinação. O grupo está unido. Não se joga mais como antigamente. Não temos mais pontas. É preciso acertar o passe ofensivo. O melhor caminho para o gol é pelas pontas. Não tem mais bobo no futebol’. É tudo o que eu, colunista do Comunique-se, penso quando cravo os olhos nas arrancadas rarefeitas do meu glorioso, porém maltratado Vasco da Gama, o Gigante da Colina. Logo, sou um grande comentarista. É isso? Não, claro que não…

‘Sair da ladainha pede um pouco mais de entendimento. ‘Determinação’, diriam os entendidos. O futebol se resolve em campo, mas não apenas na hora do jogo. Se os times passam a semana treinando, aprimorando fundamentos, ensaiando lances, executando estratégias, estudando os adversários, por que a imprensa não pode e não deve fazer o mesmo?’, indaga-se Mauro Beting, o provocador.

Ih… quer dizer que tem muito setorista que fica de costas para os treinamentos das equipes? Que os técnicos deitam e rolam nas entrevistas por ignorância dos indagadores? Rebaixamento neles, nos setoristas que desconhecem o setor…

Entre outros assuntos, o versátil Elias Awad tratou de moral, de uma forma shakespeariana. ‘É ético…? É ético…? É ético…? As perguntas e possibilidades não param, mas as respostas são: é ético, não é ético e… Depende. E quando se diz ‘depende’, é porque a dúvida é ainda maior’.

Ele exemplificara alguns dilemas: ‘É ético divulgar que encontrou algum jogador de futebol se divertindo e tomando bebida alcoólica numa casa noturna? É ético não divulgar quanto ganha um jogador? (…) É ético aceitar convite para trabalhar na emissora concorrente àquela em que você trabalha? (E como gostamos de criticar quando um jogador ou técnico troca o clube pelo arqui-rival!)’.

José Eduardo de Carvalho debruçou-se sobre a linguagem, historiou a construção do discurso esportivo. Em seu subcapítulo ‘Ecos da pasteurização’, o analista cita o pensamento de Ignacio Ramonet – diretor do Le Monde Diplomatique – de que atualmente vivemos a ‘taylorização do trabalho do jornalista’, ou seja, o máximo rendimento com o mínimo de atividade, especialmente intelectual’. Reproduzo Ramonet: ‘Durante muito tempo foi possível contrapor imprensa escrita, rádio e televisão. Hoje, está cada vez mais difícil estabelecer uma competição entre eles, porque os meios falam de si mesmos e repetem o que dizem outros meios de comunicação…’.

Empate no vôlei

Denise Mirás cobriu seis olimpíadas. Em ‘Personagens e personas’, dá relevo às histórias (há quem se esqueça de que o jornalista também é um contador de histórias). Ao longo de uma prova esportiva, espera-se que ‘ninguém’ seja ‘alguém’, reflete esta coluna. Atente para a conclusão de Denise: ‘As lembranças desses espectadores são preciosas, dão uma visão toda especial das provas, de quem foi mais importante para eles, da época em que foram realizadas; permitem entendermos a ligação com a história da cidade e do país, na época. Muitos relacionam como eram as ruas, as casas, quem estava no governo e fazendo o quê…’.

Cláudia Coutinho, especializada em marketing, encadeia fatos para demonstrar o que deve e o que não deve ser feito nos terrenos da assessoria e da reportagem. Esta aqui é boa: ‘- E se o jogo terminar empatado?- perguntou o repórter ao técnico Jorge Schmidt, na época no comando da equipe Frangosul/Ginástica e disputando a Superliga Nacional de Vôlei Masculino. Foi o suficiente para o treinador se dirigir ao assessor de imprensa e, com um olhar, pedir paciência e ajuda a fim de enfrentar um entrevistador tão desinformado sobre o assunto com o qual iria trabalhar. Naquele momento, o Brasil já era campeão olímpico no vôlei masculino (…). E lá se foi o assessor de imprensa puxar o repórter para o lado a fim de explicar que no vôlei ou se ganha ou se perde, que não há empate como no futebol…’.

‘Por que o Brasil não planeja desde cedo a formação de atletas competitivos?’. Essa é a pergunta que o jornalista José Cruz se empenha em responder, na mesma obra, no sugestivo capítulo ‘Os esportes da política’, em contraposição às políticas do esporte. ‘Em resumo: a quem compete, enfim, o compromisso de atender ao aluno na sua atividade física básica e, mais tarde, aos que se destaquem com potencial para o desporto? À escola? Ao município? Ao Estado? Ao clube social? Ao governo federal, às federações ou confederações esportivas, aos comitês olímpico e paraolímpico, aos técnicos? Ou: qual a competência do Ministério do Esporte nesse contexto? E do Ministério da Educação? E das secretarias estaduais de educação e esporte? O sistema esportivo brasileiro, na prática, é desarticulado e faz parte dessa barafunda de indefinições públicas. No discurso político, todos querem sair dessa situação e mostrar que temos potencial para ser um país de resultados no deporto. (…) E quando as decisões são tomadas, ocorrem no bojo de uma visão política partidária que se desfaz, claro, no governo seguinte. Começa tudo outra vez, então. Debates, seminários, conferências, projetos de lei de políticos de ocasião, discursos indignados e por aí vai, fechando o ciclo histórico de mais quatro anos olímpicos sem medidas práticas, efetivas’.

Flavio Gomes, autor do excelente conjunto de crônicas ‘O Boto do Reno’ (LetraDelta Editora), também dá as caras em ‘Formação & Informação Esportiva’. No capítulo ‘De Máquinas e Homens’, discorre sobre o assunto de sua preferência: Fórmula 1. Editor da Agência de Notícias Warm Up, cujo ‘braço eletrônico’ é o site Grande Prêmio, Flavio discorre sobre o avanço da cobertura pela Internet, depois da morte do lendário Ayrton Senna. ‘Já no ano seguinte, dois dos grandes jornais, os do Rio, deixaram de enviar repórteres. As equipes de rádio foram reduzidas. A própria Globo passou a transmitir muitas provas off-tube, com narrador e comentarista nos estúdios, no Brasil. As revistas esqueceram-se do assunto. Sobraram poucos a seguir o Mundial em todos os países, independentemente dos resultados brasileiros na pista. E veio a internet, a partir de 1996, para preencher uma lacuna nas necessidades do público consumidor de informações d’além-mar. Hoje, para os brasileiros, a internet é a maior fonte de notícias da categoria…’.

O especialista destaca o trabalho das agências e ressalva: ‘Os poucos jornalistas que seguem cobrindo fórmula 1 no Brasil atendem praticamente toda a mídia nacional. Trabalhando para e como agência de notícias, seu material é distribuído em rede. O ruim disso é que a cobertura fica pasteurizada. A busca do diferencial deixou de ser prioridade para jornais que tradicionalmente tinham na informação exclusiva e individualizada uma força de venda. Pelo menos até que surja um novo campeão’.

‘Formação & Informação Esportiva: Jornalismo para Iniciados e Leigos’, organizado por Sergio Vilas Boas

Summus Editorial

151 páginas

Preço nas livrarias: R$ 29,40′