Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mídia eletrônica privatiza o ar

Desde o dia 1º de janeiro estou querendo escrever este artigo, mas ainda não tinha escrito porque terei que fazê-lo de memória, por falta de tempo de reunir dados mais precisos. Mas, daqui de baixo de minha capacidade ainda amadorística de pôr meus pensamentos ‘no papel’, tentarei ser o mais objetivo, conciso e preciso que possa, visando demonstrar que os empresários e políticos que controlam a grande mídia privatizaram o que é público, ou seja, o ar por onde trafegam as transmissões televisivas e radiofônicas, pois valem-se das concessões públicas que são a TV e o rádio para inundarem o país com seus pontos de vista políticos, ideológicos e todos os outros que possam acalentar.

No primeiro dia deste ano, prevendo manipulações midiáticas em torno das posses de chefes dos poderes Executivos federal e estaduais que ocorreriam naquele dia, desde cedo passei a acompanhar a programação das emissoras de TV aberta, exercendo minha obrigação de cidadão de fiscalizar se haveria manipulação por parte da mídia eletrônica, até porque essas emissoras atuam por força de concessão do poder público e, por isso, estão obrigadas a cumprirem a função social que delas se exige, em contrapartida aos rios de dinheiro que ganham os empresários seus ‘proprietários’. E foram significativas, em termo de quantidade, as disparidades entre a conduta cidadã que se espera das concessionárias de rádio e TV e o que realmente fizeram, mas vou me ater a apenas dois exemplos que tenho vivos na memória, de forma que possa escrever sem medo de cometer injustiça ou leviandade.

A primeira disparidade constatei na TV paraestatal Cultura, que chega ao resto do país via TVE. Apesar de o site da emissora paulista afirmar uma coisa sobre sua manutenção financeira, os fatos desafiam tal afirmação. Antes de adentrar o assunto, porém, vale a pena reproduzir o que diz o site da emissora sobre quem a financia.

‘A Fundação Padre Anchieta – Centro Paulista de Rádio e TV Educativas, foi instituída pelo governo do Estado de São Paulo em 1967, é uma entidade de direito privado que goza de autonomia intelectual, política e administrativa. Custeada por dotações orçamentárias legalmente estabelecidas e recursos próprios obtidos junto à iniciativa privada, a Fundação Padre Anchieta mantém uma emissora de televisão – a TV Cultura – e duas emissoras de rádio: a Cultura AM e a Cultura FM.

Por inspiração de seus fundadores, as emissoras da Fundação Padre Anchieta não são nem entidades governamentais, nem comerciais. São emissoras públicas cujo principal objetivo é oferecer à sociedade brasileira uma informação de interesse público e promover o aprimoramento educativo e cultural de telespectadores e ouvintes, visando a transformação qualitativa da sociedade.’

Muito bem, vamos dissecar essa informação, pois o site da TV Cultura dá a entender coisa bem diferente da realidade. Vejam o que diz, por exemplo, a Wikipédia sobre isso.

‘A TV Cultura é uma emissora brasileira de televisão de caráter governamental, sediada em São Paulo. É baseada em financiamento estatal (através de impostos cobrados da população compulsoriamente) e privado (através de propagandas sustentadas por isenções fiscais às grandes corporações), sendo mantida pela Fundação Padre Anchieta. A TV Cultura lidera a Rede Pública de Televisão, entidade que reúne as diversas emissoras governamentais do país.

A TV Cultura destaca-se pela produção e exibição de programas com qualidade considerados acima da média para a rede aberta de televisão. É reconhecida especialmente pela sua programação infantil e educativa, baseada em valores como uma suposta ética e procurando aplicar sua função social, sendo premiada internacionalmente, inclusive pela Unesco. A TV Cultura procura expressar seu caráter público declarando sua independência em relação ao Estado ou a qualquer grupo privado (mesmo que eventualmente seja criticada por não cumprir tal papel). Apesar disso, a rede continua com índices baixíssimos de audiência e passa a percepção de que é um cabide de empregos para profissionais obsoletos.’

Bajulação e ataques

Vejam só que coisa! Claro que alguns se apressarão em dizer que a Wikipédia é ‘petista’, mas o fato é que a discussão sobre o caráter público-privado da TV Cultura é antiga e impede a afirmação de que não é o Estado que paga para mantê-la. E é preciso esclarecer que ‘Estado’, no caso, é, primordialmente, o governo de São Paulo, controlado pelo PSDB há cerca de 12 anos. Assim, as emissoras de rádio e TV mantidas pelo governo paulista não podem, sob as penas da lei, ser usadas pelos políticos tucanos para fazer proselitismo político em proveito próprio. E como quem manda na TV Cultura é, em última instância, o governador de São Paulo, qualquer ação da emissora que caracterize bajulação ao chefe do Executivo paulista ou ataque aos seus adversários configura, na melhor das hipóteses, crime de improbidade administrativa por parte dele.

Em 1º de janeiro de 2007, a TV Cultura cobriu, primordialmente, as posses de José Serra e de Luiz Inácio Lula da Silva, respectivamente, como governador de São Paulo e presidente da República. Quem ancorou o programa que transmitiu essas posses foi a jornalista Salete Lemos, e é sobre as condutas dela e da emissora que a emprega que quero discorrer, pois, em minha opinião, configuraram favorecimento ilegal do governador José Serra, ou melhor, uso do dinheiro público em favor do tucano.

Não bastando o fato de que a TV Cultura priorizou, escandalosamente, a posse de quem passava, naquele dia, a mandar nela – ou seja, José Serra –, e fazendo isso em detrimento da posse do homem que administrará o país pelos próximos quatro anos, divergindo, incompreensivelmente, de todas as outras emissoras, a âncora Salete Lemos se pôs a bajular Serra repugnantemente e a atacar Lula de forma não menos revoltante, apresentando as próprias opiniões como fatos.

Para Serra, sobre seu discurso de posse, adjetivos bajulatórios tais como ‘sincero’, ‘honesto’, ‘leal’ etc, e para Lula, ‘atrapalhado’ e outros tão pejorativos quanto, mas que, buscando fugir da leviandade, não reproduzo, pois poderia trocar o insulto exato, e fazê-lo daria margem a questionamentos que, mesmo desimportantes, seriam usados para desqualificar meu texto inteiro.

Mas não foi só isso. A TV Cultura convidou ‘analistas’ para fazerem ‘tabelinha’ com a âncora do programa sobre as posses dos chefes de governo que naquele dia estavam ocorrendo. E todos eles, convenientemente, tratavam de concordar com a bajulação dela a Serra e com seus ataques a Lula. Relato, também, que Salete Lemos chamou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o tempo todo, de ‘José Inácio Lula da Silva’.

Suposições como fatos

Para fechar com chave de ouro esta denúncia sobre o uso do meu, do seu, do nosso suado dinheirinho por políticos tucanos a fim de fazerem proselitismo político em benefício próprio, informo que a posse de José Serra foi transmitida para vários outros estados, se não para todos, o que confirma que, mais uma vez, o tucano usará como trampolim político um cargo para o qual se elegeu, visando obter cargo mais alto (a presidência da República), como fez no governo da cidade de São Paulo, que abandonou à revelia do compromisso público de que cumpriria até o fim o mandato que lhe havia sido outorgado pelas urnas.

Como escrevi no início deste artigo, ele versa sobre ‘empresários e políticos que controlam a grande mídia’ e que ‘privatizaram o que é público, ou seja, o ar por onde trafegam as transmissões televisivas e radiofônicas’. Assim, quero relatar um outro uso da concessão pública de televisão que considero ilegal, mas, desta vez, por empresários da comunicação.

Dia desses, atraído por belezas como a de Juliana Paes, parei em frente à TV no momento em que a Globo transmitia sua novela das sete, Pé na Jaca. Foi com espanto que constatei que, além da política partidária que a emissora carioca faz nos telejornais e programas humorísticos, ao menos aquela novela também está sendo usada para atacar o governo Lula.

Assisti cena em que ator caracterizado como um escroque é apresentado como ‘sushi-man do presidente’ da República e é preso por conta do ‘escândalo do mesadão’. Enquanto está sendo preso pela Polícia Federal, o corrupto grita que é ‘amigo do presidente’, e os jornalistas que cobrem sua prisão dizem a ele que o presidente afirmou que não o conhece.

A teoria que a novela vende, portanto, é a de que o churrasqueiro de Lula, Jorge Lorenzetti, está envolvido no escândalo do mensalão – em vez de no caso do dossiê contra tucanos – e a dramatização política da Globo também insinua que o presidente Lula busca livrar-se da amizade com o tal churrasqueiro porque o esquema de corrupção de que participava, desmoronou.

A teoria política anti-Lula e PT – e, inegavelmente, pró-PSDB e PFL – que a Globo tenta vender é irresponsável porque transmite como fatos as suposições da oposição ao governo federal. É preciso, a bem da responsabilidade, informar que não há nem a mais remota sombra de prova de que essa teoria política da Globo é verdadeira. A emissora, portanto, apropriou-se da concessão que tem para veicular programação de interesse público. Por essa, e por muitas outras, ela deveria ter sua concessão cassada.

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Comerciante, São Paulo, SP; http://edu.guim.blog.uol.com.br