“Todos nós somos consumidores, é óbvio… Enquanto vivermos. Não pode ser de outro modo porque se paramos de consumir, morremos. A única dúvida é quantos dias vai durar o desfecho fatal.” (Zygmunt Bauman)
Em novembro de 2011, Mark Zuckerberg, no programa de entrevistas Charlie Rose, ao ser questionado sobre como o Facebook conseguiu alcançar tão grande sucesso (na época, a rede social acumulava o número de 800 milhões de usuários), revelou suas observações sobre como as políticas do Facebook se sustentavam no constante estímulo do inconsciente dos seus usuários para satisfazê-los:
“Well, here’s the way that I think about it. I think it’s really about control, right. […] And the real question for me is do people have the tools that they need in order to make those decisions well. And I think that it’s actually really important that Facebook continually makes it easier and easier to make those decisions, […], we have to do that because now, if people feel like they don’t have control over how they’re sharing things, then we’re failing them.”
Segundo Zuckerberg, o Facebook fornece ferramentas para seus usuários terem controle sobre a rede social. Para ele, este seria o elemento-chave para explicar a crescente febre mundial do fenômeno: a “sensação” de ter o controle, de ser o manipulador. A observação de Zuckerberg, explicitando a questão da “sensação”, em lugar de real poder de controle, acusa como a rede social se tornou um enorme sucesso.
Demanda coletiva
Para conceituar melhor como funciona o engenhoso maquinário psicológico de Zuckerberg, é interessante correlacionar a observação de Jacques Derrida numa publicação da Yale French Studies em relação à temática do sentir-poder, tão viva no Facebook. Em resumo, Derrida observa que a modernidade sustenta sua hierarquia social através do poder da escrita, de forma que aqueles que detêm o controle da transmissão de conhecimento, controlam a produção da verdade em si. Para Derrida, pouco importa se a informação é verídica, o que importa é o controle de sua prática.
Traduzindo para o contexto do Facebook, todos os quase 1 bilhão de usuários teriam o controle da prática de produção de “conhecimento” através do compartilhamento de fotos, status, interesses – sumariamente, de diversas verdades – e promoveriam assim a constante reformulação da prática social sobre a prerrogativa de conectar-se com as pessoas ao seu redor.
Derrida explicaria o real poder do Facebook e o porquê de sua popularidade exagerada: Zuckerberg criou um lugar para que todos os usuários pudessem ser os manipuladores, para que criassem sua própria realidade, numa fuga da tão conhecida e dura realidade em que vivemos. Numa sociedade capitalista pós-moderna, em que o consumo dita os padrões de comportamento social, onde todos nós somos cada vez mais produtos e menos produtores, Zuckerberg percebeu que o sucesso de sua rede se alimentaria daquilo que a sociedade mais almeja e menos possui. Mark Zuckerberg não só controla a prática, mas vai além de Derrida ao conceder um ambiente ideal para todos nós termos o “prazer” de controlar. Como Jean Baudrillard descreveu em Simulacra and Simulation:
“Power, too, for some time now produces nothing but signs of its resemblance. And at the same time, another figure of power comes into play: that of a collective demand for signs of power – a holy union which forms around the disappearance of power. […] And in the end the game of power comes down to nothing more than the critical obsession with power: […]”
Toxicômanos lacanianos
O ambiente do Facebook reproduz a simulação baudrillardiana, ao criar um espaço anárquico, diversificado e desestigmatizado. Ao anular a sensação da presença de uma hierarquia de poder, a rede social concede a todos a chance de serem manipuladores do ambiente do seu perfil com as várias ferramentas oferecidas para personalizar e controlar o espaço do usuário dentro da rede social. Com isso, Zuckerberg crou a simulação perfeita para uma sociedade tão ávida e descaracterizada, onde o verdadeiro manipulador na verdade é o próprio criador da rede social: uma Matrix sob medida para suprir nossos impulsos narcisistas, para satisfazer nossa curiosidade social e para curar nossa ânsia consumista por poder e fama.
Mas como garantir a nossa popularidade, como assegurar o sucesso de nossas ações dentro de uma rede social compartilhada por bilhões de pessoas? Privacidade foi a resposta encontrada por Zuckerberg. O Facebook se diferencia de outras redes sociais e de toda internet ao proporcionar ao usuário o poder de limitar o conteúdo compartilhado a um grupo específico de pessoas, de forma a criar um minipúblico – tolerante e acrítico – de simpatizantes do próprio usuário. Desta forma, é garantida a sensação de fama à maneira que Andy Warhol, numa exposição feita em Estocolmo em 1968, afirmou: “In the future, everyone will be world-famous for 15 minutes”.
A profecia não só se tornou realidade, mas foi readaptada e redimensionada, pois no Facebook todos podemos ser famosos por mais de 15 minutos dentro do mundo “selecionado” por nós mesmos. Podemos compartilhar nossas visões com uma grande margem de segurança de não sermos reprimidos, pois estaremos lidando com um meio confiavelmente amigável, ainda que aliene e distorça nossa capacidade de desconstrução crítica.
Desta forma, Zuckerberg cria uma massa de toxicômanos lacanianos, dependentes não mais do objetivo do exercer, mas do gozo da compulsão produtiva do capitalismo, e que encontram no Facebook uma droga rotineira ideal para perdurar o mais prolongadamente possível seu orgasmo. Uma droga que tem como princípio ativo o mal-estar sintomático gerado pela crise da modernidade. O ópio de Zuckerberg é viciosamente satisfatório, por oferecer tudo aquilo que nós queremos consumir/sentir.
Referências:
BAUDRILLARD, J. (1981). The Precession of Simulacra. In Baudrillard, J. (1981). Simulacra and Simulation.
BAUMAN, Z. (2010). Consumismo é mais que consumo. In 44 Cartas do Mundo Líquido Moderno, Zygmunt Bauman; tradução Vera Pereira. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
DERRIDA, J. (1979). Scribble (Writing-Power). In Yale French Studies, Nº 58, 117-147.
PETER, M. (2001). Toxicomanias e pós-modernidade. Crônica do I Encontro Latino-Americano dos Estados Gerais da Psicanálise, módulo Medicina e Psicanálise, outubro, 2001
Charlie Rose. (2011). Charlie Rose – Exclusive Interview with Facebook Leadership: Mark Zuckerberg/Sheryl Sandberg
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[Túlio de Avena Braga é estudante de Graduação em Relações Internacionais]