‘A Cartilha recentemente distribuída pela Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, e logo recolhida diante da gargalhada homérica que sacudiu a nação, era indubitavelmente um documento judicioso e oportuno. Ela visava a escoimar da linguagem falada ou escrita quaisquer expressões inconvenientes quer por politicamente incorretas, quer por ofensivas a determinadas espécies ou categorias profissionais.
Assim caiu sob a interdição governamental a palavra ‘veado’, quando se referindo a homossexuais. Estes devem ser qualificados presumivelmente como ‘pederastas’, para não ofender a respeitável família dos cervídeos, na qual não ocorre normalmente qualquer perversão sexual. Do mesmo modo ficaria proibido, nas dificuldades do trânsito urbano, gritar a palavra ‘barbeiro’ a um motorista culpado de uma manobra desastrada. As autoridades competentes preferem, aparentemente, que esse motorista infeliz seja apostrofado com expressões mais fortes, inclusive alusões a sua progenitora.
Seriam igualmente proscritas pelo Index Lulensis todas as referências à cor negra. A Cartilha citava, como exemplo, a expressão ‘as coisas estão ficando pretas’. Assim, nos manuais escolares de geografia, o Mar Negro passaria a figurar como ‘Mar Escuro’, e no conhecido samba ‘Negra do cabelo duro’ a primeira palavra da letra seria substituída por ‘Afro-brasileira’. O mesmo ukase fulminava a expressão ‘cabeça chata’ para designar nossos compatriotas nordestinos, que passariam a ser conhecidos simplesmente como ‘platicéfalos’.
Era proscrita igualmente a palavra ‘palhaço’, quando usada figurativamente para ridicularizar alguém. Foi felizmente poupada, porém, a palavra ‘palhaçada’, o que permite qualificar adequadamente eventos como a Reunião de Cúpula da América Latina com os Países Árabes, ou o desopilante projeto da criação de um Eixo Sul-Sul, frutos de uma espécie de ingênua megalomania, um tanto pueril, que parece tomar raízes em Brasília.
O próximo passo, na defesa da castidade e da pureza de nosso idioma, e da moral pública e dos bons costumes deve, logicamente, ser uma segunda Cartilha, a ser aplicada sob a vigilância da Agência Nacional competente, com uma lista dos vocábulos que não devem ser publicados. O primeiro deles, bem entendido, deve ser a palavra ‘censura’, altamente incorreta politicamente.
Já tivemos, no passado, um governo algo severo que resolveu confiar à polícia o exame prévio dos textos destinados a publicação pela Imprensa. A isso chamava-se então, despudoradamente, ‘censura’, e sobrecarregou de trabalho as autoridades policiais, levando-as a convocar para o exercício da tarefa até os servidores menos graduados e menos instruídos, muitos deles claramente ultrapassados em seus conhecimentos pelas exigências da missão. Assim ocorreu o episódio, perfeitamente autêntico, da consulta de um investigador de polícia, erigido em censor, ao delegado seu superior hierárquico: ‘Doutor, pudibunda é palavrão?’ M. PIO CORRÊA é embaixador aposentado.’
TODA MÍDIA
Nelson de Sá
‘Em dupla’, copyright Folha de S. Paulo, 2/06/05
‘Foi uma tarde coreografada para o presidente e seu ministro da Fazenda.
Lula surgiu antes nos canais de notícias, rádios e sites, para ‘responder ao pessimismo’. Na passagem destacada mais tarde pelo ‘Jornal Nacional’:
– Não espere de mim nenhuma medida populista porque vai ter eleição em um ano e meio. Não estou querendo construir base sólida de crescimento para um ano. Este país vai ter que ter juízo e ter um ciclo de crescimento de 10, 15 anos.
Outros, como Folha Online e Jovem Pan, sublinharam a declaração de Lula de que, como no ano passado, a economia vai ‘surpreender outra vez’, apesar do primeiro trimestre.
Lula, pelo que se viu, carregou outra vez nas alegorias. E entrou em cena, no final da tarde, ao vivo na Band News e na Globo News, Antônio Palocci.
Calmo, sempre sorridente, até fazendo piadas sem a menor graça, como cabe a um ministro de finanças, foi perguntado sobre as declarações de Lula e corroborou uma a uma.
Dividiu as manchetes com o presidente, lado a lado, a partir de então. No ‘Jornal da Record’, por exemplo:
– Palocci afirma que nada muda na política econômica, mesmo com retração. Otimista, Lula prevê crescimento surpreendente este ano.
Em contraste, o ministro José Dirceu surgiu à tarde nos canais de notícias, dizendo:
– A política monetária é atribuição do Banco Central.
Ou ainda, segundo a Folha Online, que ‘a autoridade monetária vai adotar o comportamento de reduzir juros quando a inflação arrefecer’. O vice José Alencar foi além:
– Temos que romper com o regime de juros no país.
O PIB do primeiro trimestre correu mundo, a começar do ‘New York Times’, em reportagem do correspondente Todd Benson, sob o título:
– O crescimento brasileiro desacelera, reprimido por taxas de juros de 19%.
E o ‘Washington Post’:
– Brasil: o crescimento econômico desacelera.
O ABISMO
Desde a manhã, na Globo e demais:
– O Brasil continua um dos países mais desiguais do mundo. Em lista com 130, só ganha de Serra Leoa. O abismo entre ricos e pobres é tão grande que o 1% mais rico tem renda igual à dos 50% mais pobres.
Para azar do ‘JN’, as cifras sobre pobres saíram no mesmo dia em que o telejornal programou uma defesa de outra classe social. Daí, na escalada:
– Os novos números da pobreza no Brasil. E o peso dos impostos para a classe média.
Dias atrás, em editorial sobre a desigualdade no Brasil e América Latina, o ‘New York Times’ sublinhou que um dos problemas é que por aqui ‘as nações tomam muito pouco em impostos’. Daí o abismo.
O jogo
Depois de mais um dia de frases retumbantes e insignificantes, nos canais de notícias e legislativos, o noticiário sobre a CPI achou alguma coisa.
O senador Renan Calheiros ‘garantiu’ que arquiva a comissão se a Câmara considerar o requerimento inconstitucional. Foi um dia depois de o ‘JN’ afirmar que ‘o presidente do Senado mostrou que não vai fazer o jogo do governo’.
Entra Ciro
Nada de José Genoino.
Quem apareceu ontem para o ataque a FHC e oposição foi o ministro Ciro Gomes, que nem é petista, mas saiu dizendo à Globo Online e demais:
– Querem provar que o PT é igual a eles, que o governo é igual a eles. Não é. Este é um governo nacional contra um governo entreguista. Um governo ético, contra um governo contemporizador com a ladroeira.
Itens básicos
TV e rádio mostraram mais soldados a caminho do Haiti. Já o site da BBC Brasil foi ouvir o general Augusto Heleno:
– Ou os atores envolvidos no Haiti se convencem de que a mudança passa pelos itens básicos de infra-estrutura, ou vamos ter outra missão fracassada, como todas as anteriores.
Novas batalhas
O ‘Miami Herald’ abordou em três textos, ontem, a disputa pelas Américas -entre EUA, Brasil, Espanha e China.
No meio, quatro entidades multilaterais: a Organização dos Estados Americanos, antes ligada aos EUA; a Comunidade Sul-Americana, bancada pelo Brasil; a futura Comunidade Ibero-Americana, criação da Espanha; e o Banco Inter-americano de Desenvolvimento, ao qual a China quer se filiar.’
FSP
CONTESTADAPainel do Leitor, FSP
‘PT ‘, copyright Folha de S. Paulo, 2/06/05
‘‘Diferentemente do que afirmaram a nota ‘Tão longe, tão perto’ e a seção ‘Tiroteio’ da coluna ‘Painel’ de ontem (Brasil, pág. A4), não há desentendimento entre o presidente nacional do PT, José Genoino, e o secretário-geral do partido, Sílvio Pereira. A opinião de ambos coincide com nota pública do PT divulgada amplamente à imprensa na segunda-feira passada, dia 30, que dizia o seguinte: ‘O PT nunca decidiu sobre a nomeação de cargos públicos. Nas várias negociações de que alguns dirigentes do PT participaram no processo de montagem do governo, apenas se postularam os legítimos interesses do PT, seja junto a representantes do governo, seja junto aos outros partidos. Na montagem de governos de coalizão, esses processos de negociação entre representantes de partidos e destes com representantes de governo são fatos normais em qualquer país, fazem parte do processo democrático e são inerentes a qualquer governo ou a quaisquer partidos’.’ Marcelo Sereno, secretário nacional de Comunicação do PT (São Paulo, SP)
Resposta da jornalista Vera Magalhães, repórter do ‘Painel’ em Brasília – A nota mencionada pelo missivista foi emitida na segunda-feira justamente para se contrapor à seguinte declaração dada por Silvio Pereira à Folha: ‘Participei com o Genoino e o Delúbio da nomeação de cargos para o governo até o dia 16 de dezembro de 2003’.
PPS
‘Há um enorme equívoco na informação atribuída ao deputado Arnaldo Jardim (PPS) na nota ‘Ninguém quer’ (‘Painel FC’, Esporte, 28/5) de que ‘não há ninguém ligado ao partido disposto a assumir (a Secretaria Municipal de Esportes)’. O PPS, aliado de primeira hora da coligação que elegeu José Serra para a prefeitura, reitera o seu apoio irrestrito ao prefeito. Ao indicar um representante do PPS para ocupar a Secretaria Municipal de Esportes, o nosso objetivo é pôr em prática o programa de governo do prefeito, expandindo e democratizando as atividades esportivas e de lazer, principalmente em torno dos centros educacionais e dos clubes de bairros populares. O Diretório Municipal do PPS já indicou ao governo o nosso presidente, Carlos Eduardo Fernandes, como nome de consenso para essa secretaria -indicação que tem o apoio irrestrito dos nossos vereadores, dos nossos deputados e do presidente nacional do partido, deputado Roberto Freire. Além de Fernandes, há vários outros nomes ‘ligados’ ao partido que poderiam assumir a secretaria e desempenhar um trabalho exemplar, incluindo a própria Paula, que ocupa interinamente o cargo, e o economista Luiz Gonzaga Belluzzo. Poderia citar ainda o presidente da Federação Paulista de Handball, Fábio Lazzari, o jornalista e ex-secretário de Esportes Fausto Camunha e o nosso vice-presidente, Joca Martins, entre vários outros nomes.’ Maurício Rudner Huertas, secretário de Comunicação do PPS-SP (São Paulo, SP)
Resposta do repórter Eduardo Ohata – A informação de que não havia nenhum nome do PPS disposto a assumir a Secretaria Municipal de Esportes foi dada na sexta-feira (27/5) por Arnaldo Jardim, líder do partido na Assembléia Legislativa de São Paulo.’