Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Maus fados para o jornalismo na Venezuela

Uma delegação conjunta do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) e do Instituto Prensa y Sociedad (IPYS) manifestou hoje [12/1/2007] sua preocupação sobre a falta de transparência na decisão tomada pelo presidente venezuelano Hugo Chávez Frías de não renovar a concessão da televisão privada RCTV.

Esta semana, durante a qual o presidente Chávez tomou posse de seu terceiro mandato, a delegação avaliou as extremamente polarizadas condições para o exercício do jornalismo na Venezuela. Os funcionários do governo afirmaram que se orgulhavam de fomentar a liberdade de expressão no contexto do que eles denominam ‘socialismo do século XXI’. No entanto, alguns jornalistas disseram à delegação que o governo castiga os meios de comunicação críticos, impedindo seu acesso aos atos e às fontes do governo, limitando a publicidade oficial e impondo restrições aos conteúdos.

A disputa relativa à concessão televisiva da RCTV passou para o primeiro plano. Em declarações públicas feitas antes e depois de sua posse, na quarta-feira passada, o presidente Chávez assegurou que seu governo não renovaria a concessão da RCTV que, segundo o governo, vence em 28 de maio. Os funcionários do governo, que alegam que o Estado tem o direito de outorgar as freqüências de transmissão de rádio e televisão da forma que considere necessária, indicaram, de modo geral, que a rede televisiva violou a legislação vigente. A RCTV nega as acusações e argumenta que o governo está simplesmente suprimindo um meio de comunicação crítico. A RCTV, fundada em 1953, é conhecida por sua linha editorial de férrea oposição ao governo.

Normas e procedimentos ambíguos

A delegação conjunta do CPJ-IPYS se reuniu com membros dos meios de comunicação privados e estatais, funcionários governamentais, executivos de mídia, defensores da liberdade de imprensa, advogados e acadêmicos durante a semana. O CPJ é uma organização não governamental, com sede em Nova York, que se dedica a defender a liberdade de imprensa em todo o mundo, enquanto o IPYS é uma organização de liberdade de imprensa regional com sede em Lima, no Peru. A delegação foi composta por Victor Navasky, membro da diretoria do CPJ, destacado jornalista norte-americano e diretor emérito da revista The Nation, Carlos Lauría, coordenador do Programa das Américas do CPJ, Sauro González Rodríguez, consultor do CPJ, Ricardo Uceda, diretor-executivo do IPYS e Ewald Scharfenberg, diretor do IPYS-Venezuela.

‘Apesar de nossas reuniões com altos escalões do governo, as normas e procedimentos para a renovação das concessões se caracterizam pela ambigüidade’, disse Lauría. ‘Exortamos o governo a explicar com clareza os critérios seguidos, a realizar revisões imparciais tendo como base tais critérios, e a outorgar às emissoras de rádio e televisão a oportunidade de defender-se em um espaço neutro.’

Uceda acrescentou: ‘Compreendemos que o governo tem o direito de outorgar as freqüências de transmissão de rádio e televisão, mas esta função deve ser exercida com base em regras claras e transparentes’.

Violações da legislação

Em um encontro com a delegação, o ministro de Comunicação e Informação, Willian Lara, declarou que a decisão de renovar a concessão da RCTV não foi um ato de represália política. Lara disse que o governo não tinha que proporcionar fundamentação jurídica detalhada porque não estavam revogando a concessão, e sim, apenas aplicando um decreto de 1987 que determina um prazo de 20 anos para a exploração das concessões.

Lara mencionou que a RCTV havia infringido a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão ao transmitir, entre outras coisas, programação de conteúdo sexual durante o horário diurno. A Lei de Responsabilidade Social, aprovada em 2004, recebeu numerosas críticas por parte de defensores da liberdade de imprensa por conter restrições vagas e gerais à livre expressão. O artigo 29, por exemplo, proíbe a difusão por emissoras de rádio e televisão de mensagens que ‘promovam, façam apologia ou incitem alterações da ordem pública’ ou ‘sejam contrárias à segurança da Nação’.

Outros funcionários do governo ofereceram uma série de acusações gerais: que a RCTV tentou desestabilizar o governo venezuelano, que violou a ética jornalística e que participou no golpe de Estado de abril de 2002. José Vicente Rangel, que ocupou a vice-presidência até esta semana, declarou que a Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel), o órgão encarregado de outorgar as concessões para a exploração de serviços de rádio e televisão, havia reunido um expediente detalhado das violações da RCTV e havia seguido um processo prévio à tomada de decisão.

Ausência de critérios explícitos

A delegação procurou examinar o expediente da Conatel, mas os funcionários do órgão não responderam de imediato à solicitação. ‘Temos tentado obter provas de que o governo seguiu um procedimento administrativo claro, mas não pudemos corroborar a afirmação do governo de que a decisão está fundamentada na aplicação estrita da lei’ disse Uceda.

A RCTV invocou vários argumentos a favor da renovação de sua concessão. O presidente do canal, Marcel Granier, assinalou que a Conatel não havia respondido à solicitação formal de renovação da RCTV, conforme requer a legislação vigente, e que o silêncio administrativo implicava a prorrogação da concessão. A RCTV explicou que não teve a oportunidade de defender-se das acusações do governo ou oferecer seus argumentos para a renovação. O canal argumenta que, segundo sua interpretação da lei, a concessão continuaria vigente até 2022.

A delegação do CPJ-IPYS considera que a ausência de critérios explícitos para a renovação das concessões pode ter implicações para outras emissoras de televisão e rádio.

‘Limitação ao trabalho da imprensa’

‘Encaro muito seriamente os argumentos do governo a respeito da necessidade de existir diversidade na propriedade dos meios de comunicação e o desejo de alentar cooperativas, pequenas emissoras comunitárias e experimentais, com regime de propriedade mista pública-privada. Ao mesmo tempo, considero que não se pode obter isso e evitar a aparência de politização indevida sem que exista um processo transparente’, comentou Navasky, membro da diretoria do CPJ. ‘Ainda que não subestimemos as frustrações em lidar com meios de comunicação hostis, com todo o respeito exortamos o governo a mostrar um maior compromisso com as exigências da liberdade de expressão.’

As investigações do CPJ e do IPYS demonstram que o governo venezuelano tentou limitar o trabalho da imprensa nos últimos anos. Em janeiro de 2005, a Assembléia Nacional incrementou de maneira drástica as sanções penais por delitos de difamação, calúnia e injúria, enquanto ampliava as categorias de funcionários do governo protegidos pelas disposições referentes a desacato, que sancionam penalmente expressões consideradas ofensivas a funcionários públicos e instituições do Estado. A Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão, promulgada em 2004, entrou em vigor no ano seguinte.

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O CPJ é uma organização independente, sem fins lucrativos, sediada em Nova York, que se dedica a defender a liberdade de imprensa em todo o mundo