Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Outra lógica

Embora seja filha de um entusiasta da computação dos anos 90 e tenha me aventurado na tela preta do DOS durante parte da minha infância, meu ambiente de conforto sempre foi mesmo o Windows da Microsoft, como a maioria das pessoas. Fui criada e educada com as janelas, ícones, comandos, atalhos de teclado, além dos já clássicos programas do sistema operacional mais popular do mundo – Word, Power Point, Paintbrush, Internet Explorer. Mas veio a internet – e, com ela, o horizonte da computação pessoal ampliou-se.

Até o começo da década passada, minha fuga mais dramática dos domínios de Bill Gates havia sido impulsionada por aquela campanha que roubou comunidades do Orkut, quando descobri, quase de forma inocente, o Firefox – e, mais tarde, o Chrome e os softwares online em geral. Desde que passei a usar mais programas online do que os que precisavam ser instalados no computador, o Windows tornou-se quase um acessório – e símbolo do tempo desperdiçado toda a vez em que o computador do trabalho demorava mais de três minutos para iniciar.

(Um parênteses: os domínios digitais da Apple nunca me atraíram embora reconheça a beleza do design dos seus aparelhos e a maneira como seus usuários os amam e tornam o uso do computador mais simples e fluido. Uso Mac eventualmente, acho que ele traz inovações incríveis para os usuários, mas não sou entusiasta).

Dito isso, ao comprar um computador novo, decidi que não usaria mais Windows. Também não seria um Mac. Partiria para o Linux – no caso, direto para o Ubuntu, uma distribuição do sistema operacional bastante completa e adaptada para os usuários novatos como eu.

Liguei o computador, que veio com Windows 7, e procurei direto na web a última versão do Ubuntu. Optei pelo KDE, uma interface gráfica semelhante ao Windows (com janelas, uma versão do menu iniciar, ícones na tela e outras funções equivalentes), que roda sobre o Ubuntu. O sistema operacional é chamado de Kubuntu.
A instalação foi simples. Como em qualquer computador novo, é possível configurar o papel de parede e a aparência das aplicações. O Kubuntu também permite colocar widgets na tela inicial, por exemplo, um bloco de notas ou um relógio. A melhor parte é a velocidade: ele demora menos de cinco segundos para “acordar”, enquanto o Windows leva pelo menos 30.

E então chegou a hora de baixar os programas que eu costumo usar – como o navegador Chrome. Foi quando percebi o que é que tinha mudado. O browser padrão do Kubuntu é o Konqueror. Quando você entra em um site para fazer o download de algum programa, normalmente o browser pergunta se você quer baixar o arquivo de instalação – pelo menos era assim que eu estava acostumada. Desta vez isso não aconteceu. Ninguém perguntou nada. O botão “download” fazia o computador baixar um arquivo com nome indecifrável, que não abria e eu não conseguia rodar em nenhum lugar. Primeira missão: falhei.

Decidi começar a fuçar. Descobri que, para baixar e instalar um programa, é preciso ir a um “gerenciador de pacotes” – algo inimaginável para uma cabeça formatada pelo Windows – e procurar o pacote que se deseja baixar. Encontrei o Chrome (ainda como um arquivo com nome indecifrável, com “chrome” escrito em alguma parte dele). Você marca o programa desejado para instalação e o computador obedece. E assim a primeira barreira foi vencida.

Depois entendi a lógica: no Windows, cada programa tem o seu instalador. No Linux, você baixa os pedaços do programa e o instalador do próprio sistema realiza a instalação do programa para você.

O gerenciador de pacotes me abriu um mundo novo. É possível acessar um repositório gigante de extensões e programas direto na base do sistema. Baixei um editor de imagens. Um programa para gerenciar a webcam. O Skype. Descobri um acervo imenso de programas, extensões e versões diferentes, uma espécie de App Store menos organizada e com nomes mais estranhos.

Uma das graças do Linux é justamente essa quantidade imensa de programas. E essa maneira de baixar e instalar pacotes foi, de certa forma, uma prévia dos modelos de lojas de aplicativos que são tão comuns hoje nos sistemas da Apple e no Google, com o Chrome e Play.

Diferente

No Windows, os programas são armazenados na pasta “Arquivos de programa”. Você baixa o programa, seu instalador e alguns outros arquivos. Todos eles ficam dentro de uma mesma pasta, do próprio programa.

No Linux a lógica é diferente. Ele tem uma pasta só de programas executáveis, outra só de bibliotecas (que reúnem os conjuntos de arquivos utilizados pelos programas), e outra com os arquivos dos usuários. Ao baixar um aplicativo, seus arquivos são divididos por tipo e distribuídos na pasta correspondente no sistema – executáveis na pasta Bin, bibliotecas na pasta Lib. Assim, os arquivos ficam organizados por tipo e função, e não separados por programa. Todos os aplicativos feitos para Linux seguem essa mesma organização e se comportam de uma maneira padrão – e é isso que dá a simplicidade e a estabilidade ao sistema.

Aos usuários acostumados à organização padrão do Windows, tudo isso parece muito estranho – os programas são quebrados em arquivos de nomes e formatos aparentemente pouco amigáveis.

Por exemplo: fui gravar um CD – o programa para copiar o disco já veio instalado. Só que não conseguia de jeito nenhum converter o formato para gerar um CD de áudio. Problema, problema. Tentei, forcei, mexi. Sem sucesso. Acostumada ao padrão Windows, que dá ao usuário os recursos, mas restringe a resolução de problemas à patética Ajuda, quase desisti. Então fui procurar na web. Encontrei diversos fóruns em que os usuários davam várias resoluções para o problema – havia desde quem tivesse apenas contornado a questão até programadores que desenvolveram independentemente o conserto para aquilo. Baixei um pacote com um plugin para fazer a conversão e, em menos de cinco minutos, havia não só terminado de cumprir a tarefa, mas entendido um pouco mais sobre como o sistema funciona.

Para o usuário final o open source ainda parece algo misterioso. Nada contra os programas e sistemas que facilitam a vida das pessoas, popularizando o uso do computador e adaptando recursos a todas as idades e níveis educacionais. Mas, ao partir para um sistema de código aberto, o usuário ganha mais poder sobre o próprio computador – com uma variedade enorme de programas para instalar, de uma comunidade de pessoas dispostas a ajudá-lo com problemas, e com seu próprio entendimento de como o sistema funciona.

A mesma lógica open source que estimula programadores a escrever programas e a construir conhecimento colaborativo desde os anos 50 também chega aos usuários que resolvem experimentar esse sistema. A maior vantagem do Linux é que ele deixa os usuários menos preguiçosos – e para quem tem interesse em aprender e entender como as coisas funcionam, isso é ótimo. É só questão de prática e de hábito. Como tudo na vida.

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[Tatiana de Mello Dias, do Estado de S.Paulo]