Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Bia Abramo

‘Apesar de ser um apelo razoável, hoje, entre 15h e 16h, dá para prever que não serão muitas as TVs desligadas em sinal de protesto. A idéia, da campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania, de usar o boicote como forma de pressão até que é boa, mas o domingo parece ser o dia menos adequado para uma mobilização desse tipo.

De certa maneira, a programação de domingo é das mais representativas daquilo que se costuma classificar como baixaria, por que é quando a TV regride a seu estágio mais primitivo. A caixa preta a um canto da sala tem que mostrar movimento, som, luzes, cores. Tem que oferecer distração, em seu sentido mais concreto. Mas não é que, então, se reserva o melhor da TV para o domingo.

Parece ser o contrário: é o dia da letargia televisiva mais profunda, em que o imperativo é inventar a ilusão do movimento, de maneira que o telespectador fique o mais quieto possível diante da tela. O que não parece ser fácil. Os executivos da TV arrancam os cabelos para acertar na ilusão mais capaz de iludir o telespectador de que aquilo que ele vê é divertido, interessante etc.

Não é à toa que os principais programas dominicais precisam de animadores. Cabe ao (à) apresentador(a) criar uma atmosfera de histeria que dê a impressão de que está acontecendo ali alguma coisa de fato. Para o tempo escorrer lento do outro lado da tela, o (a) apresentador(a) tem que imprimir sempre um tom de urgência, de exclusividade.

Domingo, apesar de dia do descanso no mundo real, é também o dia da disputa mais acirrada por audiência. A concorrência entre os programas é coisa que se leva a sério, tão a sério que se faz de tudo para ganhá-la. Está aí o Gugu respondendo a processo por ter levado ao ar uma entrevista falsa com um membro do PCC mais falso ainda.

Por mais que a TV no domingo seja realmente o fim da picada e que, portanto, mereça ser calada, talvez seja o dia do telespectador mais passivo. Provavelmente, quem está hoje diante da TV é porque não tem ou não se interessa por outras alternativas de lazer. Em ambos os casos, é difícil renunciar ao barulho e animação, ainda que artificial, da TV para preencher esse vazio.

De qualquer maneira, desligar a TV, seja hoje ou em qualquer outro dia, é dos poucos instrumentos de pressão do telespectador. Esse tipo de campanha tem efeitos mais simbólicos do que efetivos, está claro, mas é nisso, por outro lado, que reside a sua importância. Afinal, é com isso mesmo que a mídia, e a TV, portanto, trabalha, com representações.

Um dos símbolos mais plásticos e essenciais da TV é o telespectador que engole tudo o que lhe é destinado, sem abrir o bico. Se se dissemina a idéia de que o telespectador não deve engolir tudo o que lhe destinam -mesmo que os resultados numéricos não sejam lá muito eloqüentes e ainda que seja aos poucos -, alguma coisa sempre acontece.’



Laura Mattos

‘Personalidades ‘desligam’ Gugu e mundo cão’, copyright Folha de S. Paulo, 17/10/2004

‘Se você tivesse que desligar sua TV por uma hora, qual escolheria? Que programa, em sua opinião, merece o seu ‘apagão’?

Hoje, a campanha Quem Financia a Baixaria É Contra a Cidadania convoca telespectadores a desligar a TV por uma hora, das 15h às 16h. Se esse tipo de iniciativa tivesse algum impacto no Ibope -o que não costuma ocorrer- seriam prejudicados, entre outros, Gugu (SBT), Faustão (Globo) e Márcia Goldschmidt (Band), cujos programas começam a ser exibidos nesse horário.

A intenção da mobilização, ligada à Câmara dos Deputados, é protestar contra conteúdos que ‘desrespeitam os direitos humanos e a cidadania’ e instituir o 17 de outubro como Dia Nacional Contra a Baixaria na Televisão.

Apesar de domingo ser uma espécie de símbolo da guerra por audiência, ‘baixarias’ denunciadas por telespectadores abarcam os outros dias da semana. Por essa razão, a Folha perguntou aos próprios profissionais da TV que programa mereceria um ‘apagão’ sem restringir ao horário e data estipulados pela campanha.

Foi citado o telejornalismo mundo cão, que agoniza mas ainda sobrevive, que tem como seus principais representantes o ‘Cidade Alerta’, da Record, e o ‘Brasil Urgente’, da Band. Os policiais foram escolhidos pelo novelista da Globo Silvio de Abreu e o apresentador da TV Cultura Marcelo Tas, que os chamou de ‘safados’ e ‘urubus da miséria humana’.

Os religiosos também tiveram destaque. Aguinaldo Silva, autor de ‘Senhora do Destino’ (Globo), afirma que o missionário RR Soares, que tem programa diário no horário nobre da Band, seria desligado por ele ‘sem dúvida’.

Autor de novelas e séries, Lauro César Muniz respondeu com humor. ‘Desligaria as novelas mexicanas, sobretudo as produzidas fora do país’, disse, numa alfinetada a tramas brasileiras que têm pinta de produção do México.

Gugu Liberato, o sábado à noite -cujas atrações de maior audiência são ‘Zorra Total’ (Globo) e ‘A Praça É Nossa’ (SBT)- e o horário político também foram ‘vítimas’ do ‘apagão’ dos entrevistados.

Apagão mundial

A idéia é boicotar a TV não é inédita. Há pelo menos quatro anos, existe a campanha ‘TV Turnoff Week’ (no Brasil, batizada de ‘Semana sem TV’), organizada por sites de vários países, sempre no fim de abril (ver www.adbusters.org e www.whitedot.org).

Mais do que protestar contra conteúdos ‘pobres’, os idealizadores têm a intenção de mostrar o tempo que ‘se perde’ em frente à TV e como esse período poderia ser preenchido com atividades ‘mais úteis’, como ler, ouvir música e conversar.

É mais um dos exemplares de campanhas e boicotes surgidos com o avanço da internet. Em 2001, a campanha ganhou uma vertente brasileira que pregava, via corrente de e-mails, o ‘apagão’ da TV por 15 minutos.

À época, o estudante paulistano Bruno Tozzini, então com 17 anos, contou à Folha que difundiu a ‘Semana sem TV’ entre amigos e familiares. Só conseguiu desligar o televisor de seu quarto -a mãe, por exemplo, adorava o ‘Show do Milhão’, do SBT.

Hoje com 21 anos, ele não desistiu do protesto e se ‘profissionalizou’ no ramo. ‘Tenho um núcleo de ativismo há dois anos, que, além da TV, também aderiu ao ‘Dia de Não Comprar Nada’, em 28 de novembro.’

Seu grupo também esteve em eventos como o Fórum Social Mundial, a Parada AME São Paulo e uma ocupação num prédio com integrantes do MSTC (Movimento Sem-Teto do Centro).

Nesses últimos quatro anos, Tozzini ‘apagou’ a TV em abril. Ainda não tinha ouvido falar da campanha de hoje, mas, como era de esperar, apóia a proposta.

Mais novato no boicote televisivo, o estudante de publicidade Dante Augusto Cabral, 20, aderiu à ‘Semana sem TV’ neste ano. Em sua casa, em Natal (RN), ele também só pôde desligar o aparelho do seu quarto, já que não contou com a adesão da irmã, de 16 anos, e dos pais.

‘Tentei convencê-los, mas não teve jeito. Só um amigo topou ficar sem TV por uma semana.’

O televisor, segundo ele, foi trocado por livros e CDs. ‘A TV traz poucos benefícios para mim e não quero sofrer lavagem cerebral.’

A TV na TV

Além da proposta de boicote, este domingo terá uma série de atividades para discutir a televisão. A principal delas será um programa transmitido das 14h às 15h pela TV Cultura de São Paulo, TVE do Rio, além de outras educativas, comunitárias, legislativas, universitárias etc.

Produzido em parceria pela Radiobrás (estatal de comunicação do governo) e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o debate contará com a participação do deputado Orlando Fantazzini (PT-SP), coordenador da campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania, do jornalista Daniel Herz, um dos fundadores do FNDC, do sociólogo Laurindo Lalo Leal Filho, da ONG TVer, e da psicanalista Maria Rita Kehl, co-autora do livro ‘Videologias – Ensaios sobre a Televisão’.’



Leila Reis

‘Dia de desligar a TV’, copyright O Estado de S. Paulo, 17/10/2004

‘Essa palavra de ordem é da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal que capitaneia a campanha ‘Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania’ e que mantém um site (www.eticanatv.org.br) para receber reclamações dos contribuintes e montar um ranking dos piores (João Kléber, da Rede TV!, lidera o ranking pela terceira vez).

Em alguns sites que publicaram a notícia foram registrados protestos por parte de internautas. Alguns detectaram ‘manipulação’ por parte da campanha que, a seu ver, seria uma caça às bruxas e que tem o dedo da Globo. Outro acusou-a de ineficaz pois, a seu ver, é fácil para qualquer um desligar a TV na modorrenta tarde de domingo. E desafiou a campanha a pedir silêncio na hora da novela das 9.

Teorias conspiratórias à parte, os internautas não deixam de ter uma certa razão quanto ao dia e hora da manifestação. Não se sabe como o pessoal da campanha vai medir a adesão à luta, mas o fato é que audiência da rede aberta na tarde do domingão é rala e até casual, se comparada à da noite. Portanto, o impacto (se houver) poderá não ser sentido.

Mas o pessoal da campanha também tem razão em ser cauteloso. Por mais que tenha se tornado lugar-comum dizer que a TV não presta, a idéia de protestar contra a baixaria ainda não pegou. A campanha é até simpática para a maioria dos brasileiros que tomaram conhecimento dela. Mas, para abandonar a ração de cada dia, é preciso um pouco mais de incentivo. Uma pequena certeza de que o sacrifício valerá a pena. Um chamamento sem resposta é munição para o inimigo ou o enterro de uma bandeira por muito tempo.

Por mais incipiente que possa ser o resultado, o fato é que um grupo, em alguma instância, está fazendo algo concreto em relação ao que entra em 98% dos lares brasileiros.

Não vamos ser maniqueístas. Existem coisas muito boas na TV brasileira. Somos excelentes em ficção – séries, novelas, programas de humor -, no jornalismo, em programação infantil. E temos também nosso reinado da baixaria. Mas não poderíamos ser piores no chamado segmento popular.

Os programas de auditório atropelam o vernáculo, ridicularizam o cidadão incauto que comparece aos shows, disseminam o preconceito e a intolerância. Os shows policialescos pintam com cores mais fortes ainda o mundo-cão e a violência urbana para garantir o ibope de cada dia. Clones de repórteres metem-se dentro de barracos para arrancar depoimentos sobre tragédias cotidianas sem a menor cerimônia. Helicópteros caçam acidentes de trânsito para mostrar, em close, sangue e dor.

O fato é que dos gabinetes que sai a programação de todos os dias prevalece a premissa de que pobre só se interessa pelo feio, sujo, malfeito. Os que fazem TV neste país imenso confundem popular com mau gosto.

Essa visão está tão sacramentada que, quando se reclama da qualidade, a resposta vem pronta: a responsabilidade é do telespectador, senhor do controle remoto e da programação que escolhe. Se dá ibope é bom. O que não se diz é que quando todos canais fazem igual, a opção não é mais do público.

Na falta de mecanismos de avaliação do conteúdo da programação e na falta de disposição do poder concedente da radiodifusão (governo) para levar o assunto adiante, a iniciativa da comissão da Câmara Federal faz todo sentido.’



Keila Jimenez

‘Domingo: Dia contra a Baixaria na TV’, copyright O Estado de S. Paulo, 13/10/2004

‘Mobilização de canais de TVs, protestos em praças, uma hora de TV desligada. É assim que a campanha Quem Financia a Baixaria É contra a Cidadania, que quer melhorar a qualidade da programação, pretende fazer-se notar no dia 17, domingo, data escolhida como Dia Nacional contra a Baixaria na TV.

A campanha, organizada pelo deputado Orlando Fantazzini (PT/SP), propõe uma série de atos de protesto, entre eles que a população desligue a TV entre 15 e 16 horas do domingo. Vale lembrar que esse é um horário importante na programação dominical nas emisoras abertas, quando o ibope realmente começa a subir, logo após o almoço da família brasileira.

Entidades ligadas à campanha prometem fazer manifestações em praças públicas no domingo, distribuindo folhetos informativos sobre a importância do dia.

Em São Paulo, ONGs como a TVer estão organizando uma série de manifestações.

Uma delas será na Praça da Sé.

Responsáveis pela campanha esperam o protesto de algumas emissoras contra a iniciativa, mas já contam com o apoio de outras.

A TV Nacional de Brasília, por exemplo, exibirá um debate ao vivo no dia às 14 horas, antes do protesto para desligar os aparelhos de TV. Nele, Fantazzini e convidados – representantes da Abert, da sociedade civil – vão discutir a qualidade da programação da TV. A idéia é que o debate seja retransmitido – o sinal estará à disposição – para emissoras públicas, estatais, comunitárias, legislativas, todas as redes que estiverem interessadas na mobilização.

Segundo líderes da campanha, a TV Cultura mostrou interesse em transmitir o debate e até em exibir uma tarja em sua programação do dia apoiando o ato. A emissora ainda não deu a resposta final sobre o assunto.

A TV Câmara exibirá também no domingo uma manifestação de estudantes de comunicação em Brasília, que estarão nas ruas fazendo enquetes com população sobre a baixaria na TV.’



Folha de S. Paulo

‘Audiência da TV cai em dia antibaixaria ‘, copyright Folha de S. Paulo, 18/10/2004

‘O total de televisores ligados na Grande São Paulo foi 14% menor ontem, entre 15h e 16h, do que no domingo anterior. Esse foi o horário sugerido pela campanha Quem Financia a Baixaria É contra a Cidadania para que os televisores fossem desligados em protesto contra a qualidade da programação.

Entre 15h e 16h de ontem, segundo dados preliminares do Ibope, 46,9% dos televisores da Grande SP estavam ligados. No dia 10, esse índice foi de 54,5% e no dia 3, de 57,5%. A Globo perdeu quase oito pontos.

Não houve queda brusca de audiência das TVs às 15h, início do protesto. As redes mantiveram o patamar de audiência registrado entre 14h e 15h.

A Cultura exibiu debate sobre a qualidade da TV. O programa chegou a ser interrompido, por problemas técnicos, e deu só 0,7 ponto (cada ponto equivale a 49,5 mil domicílios).’