[do release da editora]
No início dos anos 1970, quando a ditadura militar brasileira, escancarada, mandava prender, torturar e matar opositores, um jovem escritor de Minas – Luiz Fernando Emediato, pouco mais de 20 anos – escrevia histórias com títulos provocativos, como ‘De como estrangular um general’. Personagens reais, como os generais-ditadores Médici e Geisel, ou o jornalista Wladimir Herzog, torturado até à morte pela ditadura, misturavam-se a demônios, anjos e dragões que se moviam entre tiros e delírios na cidade imaginária de Mondoro, onde mulheres de seios pequenos e o alter-ego do autor, um escritor hesitante e angustiado, envolviam-se em histórias ardentemente eróticas.
Os contos e novelas escritos por Emediato dos 20 aos 26 anos – e publicados em três livros em 1977 e 1978 – voltam agora, num volume único organizado pelo escritor Luiz Ruffato, com o título de Trevas no Paraíso – histórias de amor e guerra nos anos de chumbo. Além dos textos reunidos naqueles três livros – Não passarás o Jordão, Os lábios úmidos de Marilyn Monroe e A rebelião dos mortos, publicados respectivamente pelas editoras Alfa-Ômega, Ática e Codecri – o novo volume traz dois contos publicados esparsamente: o que deu a Emediato o prêmio do Concurso Nacional de Contos do Paraná, em 1971, quando ele tinha apenas 19 anos, e um inédito, uma longa história sobre a guerrilha do Partido Comunista do Brasil na região amazônica do rio Araguaia.
Mas por que o relançamento, agora, dos textos escritos e publicados por Emediato – alguns com cortes determinados pela censura – nos anos 1970? É Luiz Ruffato, o organizador e autor do premiado Eles eram muitos cavalos, quem ‘reapresenta’ o autor e afirma porque vale a pena ler suas histórias:
‘A resposta é simples: propor uma reflexão sobre o momento em que vivemos, de profunda desagregação social e alienação intelectual, tomando como ponto de partida o período que, acredito, se desdobra neste, do Brasil sob a ditadura militar – as ‘trevas no paraíso’ a que se refere o título do livro. Como prosa de qualidade, os contos de Emediato retratam uma época específica, mas superam-na para além do documento de profunda dimensão humana: é pura literatura’.
Emediato acrescenta:
‘Acho que este relançamento vale também porque há toda uma geração que não conhece aquela a trágica história daqueles tempos. Quando terminei uma pequena novela sobre a guerrilha do Araguaia, em setembro, dei para uma mestranda em literatura na USP ler. Ela tem 24 anos e gostou muito do texto, que realmente mexe com emoções. Mas, ao final, ela perguntou: ‘Mas o que foi esta guerrilha do Araguaia?’ Então, há uma história que não foi contada direito. A divulgação das fotos de Herzog sendo humilhado na prisão, pouco antes de seu assassinato, também provoca uma curiosidade muito grande, ao lado da indignação, sobre aquele período. Herzog é personagem de meu livro’.
A volta
Emediato, 53 anos, parou de escrever contos em 1978 e jamais reeditou seus livros. Foi jornalista (premiado com o Esso, o maior da categoria, e o Rei de Espanha de jornalismo internacional) de 1973 a 1990, com passagens pelo Jornal do Brasil (repórter), O Estado de S.Paulo (repórter e editor) e SBT (diretor-executivo de jornalismo). Atualmente, ao lado de Jiro Takahashi – editor na Ática quando aquela editora publicou o primeiro livro de Emediato – ele é sócio e editor da Geração Editorial, de São Paulo. Desde 1979, quando saiu a última edição de um de seus livros de contos, havia no mercado, dele, apenas dois livros infanto-juvenis e a coletânea ‘Verdes Anos’, histórias sobre a juventude que, ou se alienava na música, na droga e na omissão, no Brasil do milagre econômico, ou enfrentava a ditadura ingenuamente, pelas armas.
Por que parou de escrever?
‘Muito simples’, explica Emediato. ‘Acho que aconteceu comigo mais ou menos o que aconteceu com o Carlos Heitor Cony, que também ficou um quarto de século sem escrever. Em primeiro lugar, perdi a necessidade, digamos assim, de escrever ficção. Dediquei-me ao jornalismo, exclusivamente, até 1990, quando abandonei a profissão, meio desiludido com ela. Passei alguns anos fazendo consultoria política, admito que cinicamente. Me senti meio vazio com isso e abri uma editora de livros, a Geração, e passei então a publicar livros dos outros. Vivia dizendo para mim mesmo que escrever ficção não fazia sentido, mas, contraditoriamente, continuei lendo ficção e publicando. Aí me vem o Luiz Ruffato e durante mais de um ano ficou martelando em minha cabeça que eu devia voltar. Então, voltei. Autorizei a edição dos textos antigos e, por incrível que pareça, voltei a escrever também. Simples, assim. Por quê? Para quê? Francamente, não sei. Simplesmente voltei.’
Retomou um romance – Memórias falsas de um canalha, iniciado em 1978 –, dá os últimos retoques numa novela concluída há 20 anos e jamais publicada – A terra era vaga e vazia – e projeta um novo romance, sobre sua geração, aquela que sonhou com o socialismo nos anos 1970, viu ruir o muro de Berlim e surgir a internet.
‘Este novo romance, do qual só tenho por enquanto a sinopse, começa nos anos 1960, com a infância do herói, passa pelos 70, com os anseios de liberação sexual e individual, a luta armada e os sonhos de vida comunitária, envereda pelos 80, com a exacerbação do individualismo e a morte dos sonhos libertários, passa pelos 90, com o completo desencanto e termina no início do século 21, com uma grande interrogação. Para onde vamos, afinal? É isso. Não sei ainda até onde isso vai dar, de repente a história muda no meio do caminho.’