Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Medalhas que a imprensa não ganhou

 

Em tempo de Jogos Olímpicos somos tentados a pensar nosso ofício sob outros ângulos. E se, ao invés de jogos, alguns milenares como a maratona e o arremesso de martelo, e outros modernos como o basquete e o nado sincronizado, tivéssemos modalidades relacionadas com… a busca da verdade, com o fazer jornalístico?

Qual meio de comunicação teria a expertise do jamaicano Usain Bolt para, com sua imbatível velocidade, investigar um caso de corrupção, do começo ao fim, e encontrar o proprietário paulista daquela conta nas Ilhas Jersey? Não seria o meio impresso, porque este leva 24 horas, na melhor das hipóteses, para estar acessível ao público leitor. Poderia ser o rádio ou a televisão, mas antes de ser irradiado ou televisado haveria de passar por algumas instâncias burocráticas: encontrar a notícia, checar os fatos que lhe oferecem certa aura de credibilidade, receber análise de um editor, abrir espaço na programação e, finalmente, transmiti-la.

O Usain Bolt dos meios de comunicação seria a nossa cada vez mais imprescindível internet. O assunto nem bem chega ao palco da existência e já começa a circular em brevíssimas mensagens no Twitter, rápidas atualizações nas redes sociais e imediata postagem de um telefone celular para o YouTube ou um portal noticioso. Imbatível. Medalha de ouro no quesito velocidade.

Manhas e artimanhas

Qual meio de comunicação teria o talento único do Michael Phelps para, com sua rara intimidade com o meio líquido, bater sucessivos recordes nas piscinas que transformam candidatos em autoridades eleitas? Não seria o meio impresso. Nem jornais nem revistas auscultam a opinião pública, limitam-se tão somente a alardear em suas primeiras páginas e capas os números que favoreçam suas preferências eleitorais. Se os números das pesquisas de intenção de votos referendam o “candidato da casa”, espaço nobre lhe será assegurado; caso contrário, estarão nas páginas internas emolduradas por aspectos negativos colhidos na mesma pesquisa, como índice de rejeição. Emissoras de rádio tiveram seu tempo áureo nos anos 1950/1960, e seu protagonismo existiu nos primórdios das campanhas eleitorais após a descoberta do uso intensivo dos meios de comunicação de massa para alavancar candidaturas.

A medalha de ouro desse quesito, qual Michael Phelps, 22 vezes alçado ao pódio máximo, é a televisão. E o pódio são os debates e suas edições. As várias modalidades de esportes aquáticos representam boa mistura de telejornais direcionando seu esforço jornalístico para enaltecer este ou aquele candidato, ilhas de edição funcionando a todo vapor para ganhar na edição o que foi perdido no debate. A eleição de Fernando Collor de Mello (1989) e a caixinha de surpresas em que se transformaram os últimos debates promovidos pela TV Globo entre os candidatos do PRN e do PT cabem à perfeição nesta modalidade.

Qual meio de comunicação teria a impressionante pontaria no tiro com arco individual do sul-coreano Im Dong Hyun, legalmente considerado cego, e ainda assim capaz de desvendar interesses políticos e financeiros existentes nas colunas quase sempre passionais de nossos especialistas em política e economia? Este ramo alcança jornais, revistas, emissoras de rádio, emissoras de televisão. Em todos esses veículos temos os autoincensados colunistas: nos impressos utilizam linguagem desabrida, a um passo de briga de botequim; no rádio abusam das ironias para massacrar desafetos em evidência e na televisão insistem em ser um misto de Paulo Francis com Glauber Rocha, resultando sempre em pastiche de péssima qualidade.

Quem merece a medalha de ouro do tiro com arco é a blogosfera, também conhecida por sua maior vertente, os tais “blogues sujos”. Estão sempre subindo ao pódio, desmascarando uns e outros, descobrindo manhas e artimanhas dos eternamente protegidos pela complacência da chamada grande imprensa. Grande, explique-se, apenas no número de seus exemplares diários, no número de sua audiência radiofônica/televisiva; mas pequena, irritantemente diminuta, no número de suas famílias proprietárias.

Realidade editorial

Qual meio de comunicação se igualaria a Robert Scheidt, nosso maior medalhista olímpico da história, que já conquistou duas de ouro, duas de prata e uma de bronze na classe Star da vela, se a modalidade incluísse respeito à diversidade de opinião, ao pluralismo de ideias? Aqui temos uma das competições mais difíceis de disputar. E isso ocorre devido ao extremo grau de monopólio de nossos meios de comunicação: os donos de um grande jornal também são donos de rede de televisão com avassaladora audiência em relação aos poucos concorrentes; e também são donos de rede de emissoras de rádio, revista semanal de informação, portais na internet e tevê a cabo.

E este é apenas um dos casos de propriedade cruzada. Outros detêm a propriedade de meios impressos e emissoras de rádio; meios impressos e tevê a cabo. E todos se fazem representar na web com portais que utilizam o melhor que existe em tecnologia digital, com imenso espaço para armazenar informações e o estado da arte em interatividade e familiaridade com o mundo virtual.

Esse monopólio escancarado, sempre a postos para colocar o dedo em riste nas questões mais lídimas da cidadania, tem sua própria agenda e, obviamente, reza seu próprio credo – defesa intransigente de um Estado mínimo, compromissos com o mercado financeiro (de onde saem os nutrientes para bancar seu funcionamento regular, além dos polpudos lucros), compromisso com políticas excludentes (aquelas que não aprovam cotas raciais ou programas como o bolsa-família), liberdade de pressão e apoio substancial à opinião publicada por seus pares, formando um corporativismo cada vez mais lesivo aos interesses de uma sociedade livre, democrática, plural e inclusiva. Exemplo gritante é que mesmo os saturados boxes “Entenda o caso”, tão corriqueiros em nossos jornais de maior circulação, refletiriam bem mais a realidade editorial se fossem nomeados corretamente como “Entenda o caso assim como nós o entendemos”.

Nesse quesito não teríamos ninguém no pódio – como, aliás, não temos na vasta maioria de esportes em que nem mesmo chegamos a disputar um honroso 4º lugar.

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[Washington Araújo é jornalista e escritor; mantém o blog http://www.cidadaodomundo.org]