Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

“O meu diploma é maior que o seu”

Quantos países do mundo – fora o Brasil – não apenas exigem diploma para o exercício da profissão de jornalista, mas ainda incluem a regra na Constituição? Em outras palavras, quantos países tornam constitucional o corporativismo de uma casta que se considera iluminada? Respondo: nenhum. Posso parecer duro em meu questionamento, mas não há como não se revoltar ao saber que o Brasil caminha para proibir que pessoas que não sejam o Ricardo Noblat, o Paulo Henrique Amorim ou o Leandro Narloch possam escrever em jornais, “apurar” e serem “iluminados” que falam pelo povo, pelo país… Enfim, apenas quem tem um diploma poderá escrever em jornais como jornalistas. Os demais reles mortais terão um espacinho cedido de má vontade em coluna de opinião no fim da página ou na imensa seção de cartas.

O que leva um jornalista a ter a capacidade – e a exclusividade – para falar sobre medicina, política, economia, política internacional e médicos, diplomados em relações internacionais e ciência política, economistas e afins não terem esta “capacidade”? Aliás, não se trata de capacidade, pois se há reserva de mercado o problema é mais embaixo. Trata-se de dar exclusividade aos jornalistas para escrever sobre as áreas de todos, mas ninguém poder se meter na sua.

Perdi a conta de quantas notícias falsas, mal contadas ou mesmo análises terríveis li em matérias e análises jornalísticas apenas na minha área, as relações internacionais. Um exemplo? Vejam neste Observatório meu artigo “O nacionalismo basco visto pela mídia” sobre a larga pesquisa (sic) que os jornalistas brasileiros fazem sobre, por exemplo, o País Basco. Mas apenas eles podem escrever sobre. Aos demais, cabe reclamar na seção de cartas. Quando muito!

Seleção  duríssima

Não dá sequer para explicar ao resto do mundo tal reserva de mercado. Não entendem. Não conseguem entender como algo tão estúpido possa ser lei, possa estar na Constituição. Cheguei a ouvir de jornalistas que a profissão se aprendia não na faculdade, mas na ativa, na redação. Onde estes caras foram parar? O que torna o jornalista este ser especial, dono da informação, da verdade? Qual o objetivo da defesa do diploma? Qualidade? É falso. Leia os jornais.

Enquanto a profissão do jornalista é cotidianamente precarizada, a luta não é por melhorias de condições de trabalho, mas para garantir que a miséria fique restrita a uma casta. Vale lembrar que a exigência do diploma de Jornalismo data da ditadura. Que melhor forma de controlar as notícias senão criar um grupo restrito que era “dono” delas? Aliás, a quantas anda a qualidade do jornalismo brasileiro? O diploma resolveu?

Fico abismado com gente de esquerda que defenda tal coisa, ao invés de lutar por direitos, luta para separar, para criar classe/casta superior, diferenciada. Ainda cabe acrescentar, ainda numa crítica à esquerda que, para se conseguir o diploma não basta querer. É preciso passar por uma seleção duríssima, que é o vestibular/Enem, algo tão criticado por setores da esquerda como uma exigência que impede a maior parte da população de chegar à faculdade.

Jornalismo-cidadão

Mas nesta hora, na do corporativismo, alguns se esquecem este “detalhe”. Jornalismo apenas para os diplomados, para aquela minoria da minoria. Os iluminados que falam pelo povo, mas jamais o povo fala por ele, ou fala, na seção de cartas. Quando deparamos ainda com o fenômeno do jornalismo-cidadão, a coisa complica. Como trabalhar com este conceito quando o jornalismo-cidadão passa a ser marginal, indevido, intruso e, até, proibido?

Comunidades, grupos, minorias que denunciam situações, exclusão e afins, que estão escrevendo, terão de ser tutelados, relidos, “patrocinados” por “jornalistas graduados” para serem ouvidos? Morre o jornalismo-cidadão e voltamos a ser todos meras “fontes” para os escolhidos.

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[Raphael Tsavkko Garcia é blogueiro e jornalista, formado em Relações Internacionais pela PUC-SP, e atualmente mestrando em Comunicação]