Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Lauro Lisboa Garcia

‘Um processo histórico em construção. É este o parecer da maioria dos músicos de São Paulo, que mais uma vez se reuniram anteontem, no Museu da Casa Brasileira, para discutir os critérios de formação de uma entidade representativa dos interesses da categoria. Entre os mais de 70 participantes, estavam os cantores Paulo Ricardo e Jane Duboc e instrumentistas como Arismar do Espírito Santo, e Amilson Godoy. O meio musical se mostra otimista quanto à criação das Câmaras Setoriais de Cultura, anunciadas pelo ministro Gilberto Gil em São Paulo na segunda-feira. Como eles, em menor ou maior escala, artistas plásticos, escritores e profissionais do teatro já vinham participando de encontros e formando grupos com o intuito de ter uma representatividade junto ao governo e estabelecer políticas públicas para cada área.

Mais articulados no Rio, os músicos propuseram anteriormente a criação de uma Agência Nacional da Música, nos moldes da Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual). ‘A Ancinav nos deu idéias mais claras das técnicas de funcionamento e influenciou a demanda de outras áreas. Agora, nem todas vão ser contempladas da mesma maneira. Quem mostrar competência vai ganhar uma agência’, afirmou Gil. ‘As câmaras setoriais atenderão às demandas de cada segmento.’

Segundo o ministro, a cota de investimento na Cultura deve chegar a 0,6% do orçamento até o final deste ano (0,2% a mais que no ano passado). ‘Se o governo não aumentar a cota para cultura vai ser uma luta inglória’, diz o músico Juca Novaes, um dos articuladores do movimento em São Paulo. O número de adesão tem sido significativo e a atitude de desconfiança mudou depois da exposição de Sérgio Sá Leitão, coordenador da assessoria do ministro, sobre o papel das câmaras setoriais. Temia-se que o ministério propusesse mecanismos que deixariam as classes artísticas engessadas ou estabelecesse políticas utópicas. Sem um plano definido, ficou aberto para os artistas e as entidades decidirem os critérios. Já que o governo ‘não governa no vácuo’, como diz Gil, até um site será criado para acompanhar as discussões. Mensagens, sugestões e dúvidas podem ser endereçadas para o email: gm@minc.gov.br.

‘Gil passou a bola totalmente para a classe, mas nossa grande dificuldade é em relação aos critérios de representatividade, já que não temos nenhuma entidade que cumpra esse papel em São Paulo’, apontou Novaes. ‘Nem nós nem o governo temos uma definição do que serão essas câmaras.’ Anteontem, por aclamação, foi criado um Fórum Paulista Permanente de Música, que volta a se reunir hoje para discutir esses critérios. Na próxima quarta-feira, a categoria reúne as propostas de fóruns constituídos em outros Estados para alinhavar um denominador comum entre as questões de várias regiões. A proposta resultante daí será apresentada ao ministro em encontro agendado para quinta-feira. Daí sairá a composição da câmara setorial, que o governo deve anunciar já na próxima semana. Cada câmara terá o prazo de seis meses para concluir seus trabalhos e apresentá-los ao ministro. Só então se terá um panorama da viabilidade dos projetos.

Abrigadas no Conselho Nacional de Políticas Culturais, que está em fase de implantação no governo, essas câmaras ‘poderão constituir subcâmaras, além de fóruns e consultas públicas’, segundo Leitão. Ao governo vai caber o papel de coordenar as propostas, dialogar, estimular, mediar debates e realizar projetos em parceria com a sociedade, entre outras tarefas. Os músicos estabeleceram 11 alvos de ação para uma política nacional para a música, entre eles preservação de memória, pirataria, direito autoral, educação musical e formação profissional.

Em situação de popularidade oposta à da música, os artistas plásticos também reclamam de falta de representatividade. Entre suas reivindicações estão a democratização dos espaços; a acessibilidade da população à produção artística, a partir da utilização de toda a estrutura pública, como escolas e teatros; estímulos para a criação de público; melhor capitalização da produção. Antonio Peticov, que preside a Cooperativa de Artistas Visuais do Brasil, sediada em São Paulo, diz que há muita gente interessante e escolas boas por trás desses artistas, que não têm espaço para mostrar seus trabalhos. ‘Somos fracos porque não temos grana, mas somos fortes porque temos gente maravilhosa’, diz.

Gustavo Freiberg, escultor, conselheiro municipal de Cultura e integrante da Cooperativa na área social, ressalta o fato de que o artista plástico é o mais individualista de todos. ‘Só agora é que começamos a nos unir e a ter voz. Estamos otimistas não só por isso, mas por uma coisa melhor. Passamos por um processo de democratização no País, que fez com que desabrochasse o que estava hibernado. Isto nos estimula a tomar uma atitude.’’



Aquiles Rique Reis

‘O círculo vicioso do sistema de renúncia fiscal’, copyright O Estado de S. Paulo, 29/10/2004

‘No Brasil, principalmente as artes se sentem carentes a ponto de acreditar merecerem benesses financeiras do poder público. Os artistas que as representam, por se sentirem abandonados na ‘luta’ contra ‘inimigos poderosíssimos’ (que, conforme as especificidades de cada expressão artística, mudam de cara e de origem), têm certeza de que seu trabalho deve ser ‘protegido’ – leia-se subsidiado através da renúncia fiscal, eufemismo que significa dar dinheiro público para um artista fazer sua arte e dela sobreviver.

Acontece que usar dessa forma o dinheiro público, arrecadado junto aos contribuintes, tem quase sempre resultado numa distorção que coloca em risco qualquer possível benefício que tal medida protecionista possa trazer à cultura brasileira. Os governos, buscando mostrar serviço no âmbito da política cultural, ‘convidam’ empresas a patrocinar os artistas que se identificam com a imagem institucional de seus produtos ou serviços. Para tanto, essas utilizam recursos provenientes dos impostos devidos, que lhes são perdoados. Grosso modo, essa é a mecânica que rege cada lei de incentivo à cultura em vigor no Brasil do século 21.

Seria lindo, não fossem os impostos destinados sempre à meia dúzia dos mesmos apaniguados pela sinecura. Seria culturalmente maravilhoso se o dinheiro incentivado cumprisse a função de abranger a grande diversidade que caracteriza a manifestação artística produzida em nosso país, em vez de subsidiar os poucos que já têm projeção suficiente para bem ‘vender’ sua aptidão. Aplausos efusivos a eles, cujos talentos permitem que vivam bem com o resultado obtido por suas atividades artísticas. Bravo!

Mas, seja na música, no cinema ou em qualquer outra expressão cultural, as empresas que se dignam a ‘aceitar’ os apelos governamentais (feitos como quem suplica uma migalha de favor) escolhem, para associar seu nome, ‘nomões’ que praticamente já não necessitam de verbas públicas para mostrar tudo o que sabem. Assim, aquilo que era para ter um cunho de democratização cultural acaba não passando de uma forma de elitização cruel de recurso público, que o distribui entre quem menos dele precisa e em detrimento daqueles que, sem a ajuda oficial, continuarão eternamente no anonimato. Essa obscuridade atinge não só aqueles criadores que, na maioria das vezes, estão longe dos olhares da mídia (e, portanto, do público), como também, e principalmente, este que é quem a tudo financia com seus impostos: o povo trabalhador brasileiro.

Com as políticas de isenção fiscal praticadas atualmente, teremos sempre um grupo de famosos levando a parte do leão que não deveria caber apenas a eles, mas aos que não têm acesso aos meios de produção. Aos que, por isso, são condenados à frustração de viver sem ao menos poder sonhar com um lugar ao sol – que parece não ter nascido para todos, muito menos para eles.

Essa questão, tão antiga quanto importante, mereceria algo como um orçamento cultural participativo. Os que pagam escolhem aquilo que querem ver e ouvir. Nada mais culturalmente correto. Ao menos mais justo do que tudo o que aqui se fez até agora e que só fez aumentar o abismo que separa as belas intenções dos resultados, tão pífios quanto injustos. A experiência de ouvir os cidadãos antes de aplicar os impostos pagos por eles já existe, sabe-se; resta saber se o governo terá a chamada ‘vontade política’ de colocar para valer o dedo na ferida e estancar a sangria que ocorre em forma de desperdício de talentos (e recursos), condenados à sombra por culpa de uma política mesquinha, oportunista, que usa capa para disfarçar o lobo por trás do cordeiro.

Estão em jogo lobbies fortíssimos. Se, num sentido, entram em cena as estrelas das pequenas mas poderosas constelações teatrais, musicais, cinematográficas etc., do outro, emerge a astúcia gerencial de empresas que só entram no jogo proposto pelos governos das esferas estadual, municipal e federal se for para sempre levar vantagem em tudo – certo? Para elas, uns poucos talentos geniais, ao que parece. Mas para todas as outras, a maioria, não. E essa situação não é exatamente eqüitativa.

Empobrecido é o país onde seus ídolos não se renovam, pois sempre os mesmos venerados são subvencionados com o dinheiro vindo do imposto de quem os adora. A esses, entretanto, não é dado o direito de conhecer mais profundamente a arte feita por outros inúmeros possíveis ídolos – que existem, mas é como se não, já que ninguém pode admirá-los.

Devo dizer que já tive pensamento diferente desse que agora manifestei. Mudei e espero tê-lo feito para melhor. Reformulei algumas ‘verdades’ que carreguei ao longo da vida e assim o fiz por considerar que nada é para sempre, nem mesmo nossas melhores convicções. *Aquiles Rique Reis é músico e integrante do MPB4′



Pedro Alexandre Sanches

‘A música se levanta’, copyright Folha de S. Paulo, 1/11/2004

‘A voz grave de locutor de rádio ou cinemão à moda antiga se abre ao microfone, anuncia que vai começar o espetáculo. Poderia ser um auditório de fãzocas da dourada Rádio Nacional, uma assembléia estudantil tipo anos 60 ou um culto religioso em qualquer época e lugar -mas nada disso. O ‘locutor’ se chama Ivan Lins e está no palco da casa carioca de jazz Mistura Fina para anunciar um levante na música brasileira. É dia 28 de outubro de 2004.

As tentativas de reorganização da classe musical, no Rio, vêm se acelerando desde o ano passado, no âmbito do Fórum Carioca de Música. Em São Paulo, partem de fóruns e cooperativas ainda pequenas e isoladas. Agora todas se afunilam por causa da proposição, pelo Ministério da Cultura (MinC) do também músico Gilberto Gil, da criação de uma série de câmaras setoriais para a cultura -entre elas a de música.

A idéia foi importada do Ministério da Indústria e Comércio, que costuma manter grupos de discussão e trabalho abrangendo todos os elos de cadeias produtivas de diversos setores -’para soja, para porco, para suíno’, exemplifica o violonista Dalmo Mota, representante do Sindicato de Músicos do Rio de Janeiro no concerto e um dos condutores da nova mobilização.

A platéia de cerca de cem pessoas do Mistura Fina está em polvorosa. Divide-se acaloradamente entre aplausos e vaias remetidos ao governo federal, ao ministro-cantor, ao representante do sindicato (‘Não conheço você, nunca ouvi falar, conheço líder estudantil de longe, você não me representa’, brada o compositor Abel Silva, encarnando o contra-tudo-e-contra-todos).

Vários se colocam contra a participação de outros elos da cadeia musical na câmara setorial. Tibério Gaspar, veterano co-autor do hino vencedor de festival ‘BR-3’ (70), cunha o termo ‘hidra’ (que virará moda e mania ao longo da reunião-show) para definir os inimigos em comum -além do governo, um monstro à parte.

O bicho de cinco cabeças, segundo ele, solda gravadoras, editoras, TVs, rádios e empresários musicais. Esquece-se de que os próprios músicos, compositores, intérpretes e letristas formam a sexta cabeçorra do monstro. ‘Somos muito fortes, somos milhares, mas não temos consciência de classe. Esse é que é o perigo’, (auto)critica Tibério, quase encontrando a sexta cabeça.

Em meio à balbúrdia de bichos diversos numa arca de Noé, discursos dos chefes de chapa vão tentando clarear o panorama. A plenária aos poucos absorve a retórica de que é preciso forjar a impressão de uma classe unida e apresentar propostas concretas no próximo encontro com o ministro, marcado para esta quinta-feira, no Rio.

O comissariado, em forma de quinteto sem cordas, é constituído por Dalmo Mota, pelos históricos Francis Hime e Ivan Lins (‘Dalmo é um grande violonista’, ele tenta salvar mais tarde), por Cristina Saraiva (que se autodefine ‘letrista e artista desconhecida’) e por Ana Terra, co-autora, com Angela Ro Ro, de ‘Amor, Meu Grande Amor’ (79).

Se, em reunião anterior, na casa de Hime, compareceram espectadores-atores mais ou menos jovens, como Frejat, Zélia Duncan e Pedro Luís, desta vez o predomínio é da velha guarda da combalida MPB, no meio da qual bóiam meio perdidos militantes egressos da música erudita ou do pop dos anos 90 (como o radiofônico Jorge Vercilo) e 80 (Fernanda Abreu). A ex-backing vocal da Blitz provoca: ‘Chamei um monte de gente, DJ Marlboro, MV Bill, Paula Toller, não vieram. Cadê os ‘conscientes’? Cadê MV Bill, Paralamas, Titãs, Kid Abelha? Cadê o Lobão?’.

Lobão, notório rebelde com várias causas, estava viajando, mas promete que vai aparecer nas próximas reuniões.

Entre emepebistas históricos como Marcos Valle, João Bosco e Carlos Lyra e uma pequena legião de operários da música, nota-se a ausência quase total de figurões da dita linha de frente da música nacional. Cristina Saraiva tomou a iniciativa de manter informado por fax o outrora participante Chico Buarque, colega dela nos jogos de futebol. Maria Bethânia mandou avisar que não tem muita paciência para essas coisas, Caetano Veloso está cantando no Primeiro Mundo.

Até o momento ainda não deram as caras bichos tão diversificados quanto militantes de samba de raiz, movimento hip hop, funk carioca, axé music, canção sertaneja (afora Sérgio Reis, atuante no grupo paulistano, que tenta seguir de perto o carioca com intensas e intensivas reuniões).

Quem organiza o movimento e orienta o Carnaval, por enquanto, são artistas com quem o grande público não tem familiaridade, como Cristina e Dalmo no Rio e Carlinhos Antunes e Juca Novaes em São Paulo.

Mas, nas duas cidades, a voz mais forte tem sido a de Ivan Lins, que freqüentemente adota um discurso de tomada de responsabilidade, mais proposta e menos reclamação.

Quando o maestro Antonio Adolfo, o outro co-autor de ‘BR-3’, reclama do que virou o Ecad (Escritório Central de Arrecadação de Direitos), Ana Terra retruca: ‘Virou por quê? Porque nós deixamos’. E Ivan carimba: ‘A culpa é nossa’.

Ele toma gosto pela coisa e adquire ares de chefe popular, às vezes quase messiânico/populista. Eis algumas de suas palavras de ordem: ‘O governo considera a cultura um subproduto’, ‘a classe política não é confiável’, ‘sou privilegiado, podia estar em casa assistindo vocês fazerem, mas quero colocar todo meu prestígio, me jogar de cabeça nisso’, ‘quero sentar frente a frente com o pessoal do jabá, ouvir eles dizerem na minha cara que não pagam jabá’, enfim ‘talvez esta seja a grande missão da minha vida’.

Mas Ivan acaba por expor também sua própria classe, comumente associada a fama, glamour, riqueza e futilidade: ‘Precisamos discutir a céu aberto, para que a comunidade saiba que viver de música não é tão fácil assim. A comunidade não sabe nada sobre jabá, sobre direitos autorais, sobre pirataria’.

Adiante, se refere à desunião de seus pares: ‘Às vezes um tenta chutar o balde, mas outros dois dão para trás, com a desculpa de que ‘ah, eu estava lá tocando bem no rádio, ia me prejudicar’ ‘. Como Ivan bem sabe, os que tocam bem no rádio por enquanto continuam guardados em casa contando o vil metal.

Hime, parceiro histórico do politizado Chico Buarque, admite que a classe se inspira no burburinho propagado a partir da fauna cinematográfica e da polêmica proposta de criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav).

Sublinha discurso propositivo, mas também independente. ‘Os músicos são sempre acusados de não se mobilizarem, esta é uma oportunidade histórica dada pela presença de Gil no governo’ mas também, ‘se for o caso de criar uma agência lá na frente, que seja de preferência independente do governo; quem vai criar políticas somos nós, é a classe musical’.

Cristina Saraiva toca no mesmo assunto: ‘Quando rolou a história da Ancinav, me perguntei por que a gente também não tem uma agência. O cinema está organizado, na música não temos política nenhuma. Precisamos dar finalmente uma mostra de maturidade política, que vai depender da nossa capacidade de construção coletiva’.

E ela completa, ecoando o medo e a desconfiança subjacentes em muitos dos discursos: ‘O mais importante é que a gente se organize, se estamos organizados e unidos não há como o governo passar rasteira’.’

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‘Jabá e direito autoral mobilizam classe’, copyright Folha de S. Paulo, 1/11/2004

‘Embora a incerteza e a hesitação ainda dominem as discussões da classe musical recém-reagrupada, parece consensual a proposta de que se criem diversos grupos de trabalho para levantar os principais problemas atuais do setor no Brasil e levá-los ao Ministério da Cultura.

A proposta inicial dos organizadores elenca dez grupos: de educação musical, capacitação profissional, meios de comunicação, difusão de música brasileira no exterior, preservação de memória, pirataria, direitos autorais, mapeamento, criação e formação de platéia e questões trabalhistas.

A dinâmica se acelera, Fernanda Abreu pede inscrição no grupo de direitos autorais. Jorge Vercilo reivindica a inclusão de grupo para a atividade dos músicos da noite (‘em que sobrevivi muitos anos e ainda sobrevivo’); convencido, acaba inscrito no grupo trabalhista. Ivan Lins se autofilia ao dos meios de comunicação, em que a vedete será o famigerado jabaculê (pagamento de dinheiro por gravadoras para determinadas músicas estourarem em rádio e TV).

A compositora Joyce, da platéia, discursa pedindo especial atenção a três questões: a luta contra o jabá, a inclusão do ensino de música na formação escolar básica e a necessidade de extinguir a maioria das sociedades de arrecadação de direitos autorais no país.

Sobre esse último ponto, ela e outros participantes atacam a proliferação de sociedades subordinadas ao Escritório Central de Arrecadação de Direitos (Ecad) nas últimas décadas, enquanto países mais desenvolvidos possuem uma ou duas organizações.

Sobre o jabá, Joyce pede que a classe pressione firmemente o governo e o Ministério da Cultura: ‘É questão de corrupção, se neguinho está detonando briga de galo por que não encarar o jabá?’.

Os direitos autorais também dominam a pauta, como na intervenção do compositor e guitarrista Cláudio Guimarães: ‘O Ecad é um entulho autoritário, quando lutamos por sua criação era a única luz no fim do túnel. Era bandidagem, Jards Macalé tomava tiro na rua por falar do assunto’.

Lembrando a movimentação dos anos 70 que culminou na criação do Ecad, ele arranca gargalhadas da platéia: ‘Quando precisamos ter um representante no Conselho Nacional de Direitos Autorais (CNDA), o presidente Ernesto Geisel nomeou Roberto Carlos, o que é um drama’.

Joyce lembra quando esteve no CNDA, entre os substitutos do Rei, ‘que era nosso representante e nunca foi lá’: ‘Havia os advogados do ‘bem’ e os da ‘hidra’. O conselho tinha sua função, conquistou várias coisas para nós’.

Guimarães comenta o presente, entre otimista e pessimista: ‘Para mim é gratificante, 30 anos depois, ver a classe tocando na ferida, apesar de ver também como estamos desorganizados’.

Eis outra senha: a desarticulação entre os diversos ambientes da música nacional está na boca de todos os participantes. Aparece quando Abel Silva chama o sindicato de ‘defunto morto, que fede’ e quando Dalmo Mota retruca que ele nunca foi ao sindicato. Aparece nas várias referências à desacreditada Ordem dos Músicos do Brasil, que tem um mesmo dirigente há quase 40 anos.

Aparece no resmungo de Tibério Gaspar, de que ‘o MinC traçou o plano por nós’, e no truco de Fernanda Abreu, de que ‘a gente não traça nada’. É ela também quem se irrita com os reclames de Abel Silva contra o sindicato: ‘Se você quiser acabar com o sindicato, a hora é agora’.

Quem tenta afinar todos os instrumentos é Egeu Laus, atuante no Fórum Carioca de Música, que brinca que é designer, e não músico. Ele ataca a resistência de vários dos presentes em aceitar a presença da hidra de cinco cabeças na câmara setorial: ‘Interesses classistas não vêm ao caso. Todo mundo tem que ser obrigado a sentar na mesma mesa e se encarar. Se não for assim o mais poderoso faz seu lobby e vence tudo’.

Pois um novo e grande lobby tenta se formar; São Paulo segue de perto a aceleração dos acontecimentos no Rio. ‘É igual a um estopim, já há mobilizações importantes aqui, em Brasília, no Pará. Não me lembro de ter presenciado algo assim em meus 45 anos’, avalia o músico Juca Novaes.

O panorama soma hesitações, desconfianças, descobertas, mas, como diria Vinicius de Moraes, abriu-se a porta da arca de Noé.’



O Globo

‘‘Billboard’ terá parada de música usada em celular’, copyright O Globo, 31/10/2004

‘Em breve os usuários da telefonia móvel poderão saber se seus toques polifônicos são populares: a revista ‘Billboard’, o maior guia da indústria musical americana, vai passar a apresentar a parada das músicas usadas em aparelhos celulares. A parada de sucessos dos toques polifônicos começa a ser publicada na próxima edição da revista, que chega às bancas dos Estados Unidos dia 6 de novembro, informou na sexta-feira o site CNN/Money.

A revista, que registra as vendas de discos há mais de 50 anos, vai apresentar a ‘Billboard Hot Ringtones Chart’ como parte de uma nova seção sobre entretenimento digital. Estima-se que a venda de músicas para toques de celular movimente cerca de US$ 3 bilhões por ano em todo o mundo.

Da mesma forma que as paradas de CDs, a nova compilação da ‘Billboard’ vai informar os 20 toques polifônicos mais vendidos cada semana, incluindo título da canção, artista, posição na semana anterior e número de semanas no ‘Top 20’, informou a revista.

Primeiro lugar da primeira parada ficou com Alicia Keys

A ‘Billboard’ disse que os dados sobre as vendas serão apurados junto aos distribuidores dos toques e às operadoras que respondam por mais de 90% do mercado. A revista acrescentou que a parada tem o patrocínio da Associação de Celulares e do Fórum de Entretenimento Móvel.

O mercado de entretenimento móvel, cuja maior parte diz respeito aos toques de celular, está estimado em US$ 300 milhões por ano nos Estados Unidos, segundo Geoff Mayfield, diretor das Paradas da ‘Billboard’, com base em dados da consultoria Consect.

Para Mayfield, essa indústria pode gerar receitas vultosas para as gravadoras, graças ao número cada vez maior de usuários que baixam músicas da internet para usar em seus celulares.

A parada dos ‘Hot Ringtones’ será semanal. Mayfield disse à CNN/Money que o primeiro número um ficou com ‘My Boo’, de Alicia Keys e Usher. O dueto também ficou no topo da parada de singles da ‘Billboard’. Segundo Mayfield, a canção foi baixada 97 mil vezes por usuários de celular.’

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‘Sony permitirá cópia de faixas pela internet’, copyright O Globo / Los Angeles Times, 31/10/2004

‘Diferentemente do restante da indústria do entretenimento, a gravadora gigante Sony BMG está cooperando com a rede de troca de arquivos pela internet Grokster. A joint-venture entre as duas companhias oferece download gratuito de arquivos de música, como amostra dos trabalhos disponíveis, e a venda de arquivos.

Chamada Mashboxx, a joint-venture representa uma aliança inesperada entre uma grande gravadora e uma rede online, que vem sendo acusada pelo setor de entretenimento de favorecer a pirataria. A iniciativa reflete o crescente interesse entre as gravadoras e estúdios cinematográficos em aproveitar – mais do que combater – a popularidade da troca de arquivos pela internet.

Mas a iniciativa não convenceu muitos dos defensores do sistema, chamado peer to peer (de pessoa para pessoa). Para eles, a Sony BMG não está realmente adotando a nova tecnologia que milhões de pessoas usam diariamente para copiar música gratuitamente.

Embora os detalhes ainda não tenham sido totalmente revelados, especialistas acreditam que a Mashboxx funcionaria da seguinte forma: quando o usuário procurasse por uma faixa da Sony BMG, o sistema permitiria apenas o download de versões autorizadas da canção, que funcionariam como faixa promocional.’