Um redator da revista The New Yorker, Jonah Lehrer, num surto de criatividade, inventou frases que atribuiu ao cantor Bob Dylan e recheou com elas seus artigos e seu livro Imagine – How Creativity Works, o qual saiu em março último pela Houghton Mifflin Harcourt, com grande sucesso. Outro jornalista, Michael Moynihan, desconfiou da origem das frases e pediu detalhes a Lehrer. Este informou que elas lhe tinham sido passadas pela assessoria de Dylan. A assessoria negou e Lehrer, acuado, teve de confessar que era tudo mentira, as frases não existiam.
Constrangido, Lehrer demitiu-se da New Yorker e deixou a David Remnick, editor da revista, a tarefa de defender a integridade da publicação. A Houghton Mifflin também congelou seu livro, suspendendo as novas remessas para as lojas. A mídia impressa precisa reagir rapidamente quando alguém fere o seu maior patrimônio, que é a credibilidade. A mídia eletrônica não tem como fazer isso, ou não quer saber. Sob anonimato, qualquer usuário da internet pode pegar um texto publicado nos jornais (e republicado nos sites), adulterá-lo, reescrevê-lo, enxertá-lo com seus conceitos e preconceitos e distribuí-lo na rede, mantendo o nome do autor original. Pode contar também com a ingenuidade de quem recebe essas contrafações e as repassa aos amigos como um “artigo do fulano”.
Alguém copiar um texto e assiná-lo com seu nome, como se fazia no passado, era compreensível – incapaz de pensar por si, o sujeito se apropriava do brilho alheio e fazia seu brilhareco num círculo restrito. Mas por que intrometer-se em textos de Veríssimo, Millôr, Cony, nos meus e nos de outros, e continuar anônimo? Será um prazer solitário?
É incômodo estrelar fantasias alheias, mesmo que estas estejam se passando num banheiro – ou computador – à distância.
***
[Ruy Castro é jornalista, escritor e colunista da Folha de S.Paulo]