Já se falou aqui, em outras ocasiões, sobre a pobreza da agenda pública brasileira, comumente tratada de agenda política. Nas boas escolas de jornalismo sempre se aprendeu que o interesse público deve predominar sobre as preferências pessoais do profissional ou os interesses específicos dos entrevistados. Trata-se, na verdade, de um ponto de equilíbrio muito difícil de alcançar, mas há bons exemplos na imprensa brasileira, especialmente no jornalismo de economia e negócios.
Dessa capacidade de gerar ou alimentar temas importantes para a reflexão da sociedade depende basicamente a qualidade do jornalismo. Por exemplo, na recente questão que envolve um jovem milionário e sua namorada pin-up – misto de modelo, apresentadora de televisão e exibicionista profissional – a imprensa, de modo geral, soube descolar-se das armadilhas da banalidade que costumam cercar os chamados socialites e agregados. Soube destacar alguns aspectos interessantes do episódio, como a controvérsia sobre os limites da privacidade, o despreparo do Judiciário para lidar com novas linguagens e novas tecnologias de comunicação e a natureza dos novos meios digitais.
Evolução do processo de acasalamento
Corretamente, a imprensa em geral conduziu o noticiário por onde melhor homenagear o bom gosto e o interesse da sociedade. Não perdeu tempo em descrever o que já era de conhecimento de milhões de usuários da internet, relatou a dificuldade das autoridades em lidar com a mídia que nasce da convergência entre tecnologia da informação e telecomunicações, e não estigmatizou os personagens. Depois, deu espaço para a repercussão da trapalhada judicial na mídia internacional e fim de caso.
Como pano de fundo, é da essência do jornalismo que se mantenha o contexto da liberdade de expressão. No caso, a expressão da sexualidade do casal, feita espontaneamente em local público, foi respeitada e homenageada por protagonistas dos meios digitais, que registraram e colocaram à disposição da comunidade planetária a evolução de um processo de acasalamento entre indivíduos que habitam o topo da pirâmide social de renda. Ficamos sabendo, por exemplo, que o espécime do sexo masculino, diante de manifestação explícita de desejo da fêmea, é capaz de ter uma ereção mesmo com estranhos em volta. E que pode ser rapidamente satisfeito, mesmo em ambiente salinizado e com o risco de danos físicos pela presença de areia no intercurso.
Um período de grandes mudanças
Constatamos, pelo episódio, que a imprensa brasileira, quando quer, sabe e pode tratar com seriedade um assunto, digamos, pegajoso, como esse. Saberia, da mesma forma, abordar com melhor proveito os temas mais relevantes do nosso contrato social, como as mais adequadas políticas de desenvolvimento – contemplando, evidentemente, estratégias sustentáveis –, a reforma das instituições públicas, a educação?
O que parece faltar, no caso dos grandes temas que compõem a chamada agenda política, é certo desprendimento por parte dos meios de comunicação. Como cada qual tem suas próprias crenças e seu círculo de interesses, assim como a cada cabeça corresponde um modelo de Brasil, fica difícil encontrar em qualquer veículo uma proposta aberta ao contraditório. Tratando-se, então, de um período de grandes mudanças – como o que vivemos neste começo de século – e quando surge uma questão para a qual a imprensa não tem posição fechada, a primeira escolha é quase sempre a mais conservadora.
A defesa da liberdade de expressão
O conservadorismo nem sempre aparece explicitamente. No geral, ele se expressa por meio de platitudes, dos truísmos que dizem tudo e nada ao mesmo tempo. É a forma de expressão da covardia intelectual, presente em todos os processos de manipulação pela palavra. Aliás, o arquiteto alemão Albert Speer, quando interrogado durante o julgamento dos nazistas em Nuremberg sobre a razão pela qual, sendo um homem inteligente e urbanista consagrado, se havia deixado seduzir pela retórica de Hitler, respondeu que o führer era um mestre em platitudes. ‘As platitudes têm a qualidade de não expor a pessoa a contradições. Diante de uma platitude, o interlocutor escolhe o que quiser, e não precisa confrontar suas premissas’, declarou.
Quando assume corajosamente a defesa da liberdade de expressão, mesmo no caso de um par de exibicionistas em exercício de sexo precário na praia, a imprensa se eleva das platitudes para uma afirmação de valor. Bom seria se topasse assumir a dianteira dos debates sobre o desenvolvimento sustentável do Brasil, ajudando a conduzir nossa agenda pública para um nível mais aceitável.
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Jornalista