‘Não são questões novas nesta coluna e fazem parte da rotina do jornalismo: as fontes e a sua identificação, a distinção entre opinião e informação.
Neste caso, o objecto da reclamação do leitor é uma peça das jornalistas Helena Pereira e Eunice Lourenço, publicada na edição de 24 de Outubro sob o título ‘Governo considera que relação com Presidente pode ser` agitada´ mas não de ruptura’. A propósito dos 100 dias do Governo, pretende-se retratar a relação institucional entre o Executivo e o Presidente da República. O texto transmite uma ideia geral, resumida na sua entrada: ‘Eventual demissão de Santana é cenário afastado. Membros do Executivo garantem que coligação não ganha com abertura de uma crise’. Para apresentarem estas informações, as autoras invocam diversas fontes que não identificam. Exactamente por essa razão, Rogério Santos pergunta em ‘e-mail’ dirigido ao provedor: ‘Trata-se de informação? Ou não seria melhor colocar, no topo da página, que é um artigo de opinião?’
O leitor (que é professor de jornalismo e escreveu sobre o assunto no seu blogue) cita a primeira das regras de autoregulação da cadeia televisiva espanhola Telecinco (os programas e os seus apresentadores diferenciam entre opinião e informação, oferecendo a todo o momento informações verdadeiras e opiniões livres) e afirma depois: ‘A cruzada contra o telelixo em Espanha precisa de se estender a Portugal, mas não só à televisão. É que também há muito telelixo na imprensa- e mesmo na de qualidade.’ Acrescenta que não o ‘deixou contente’ o que leu no Público e cita, a propósito, o texto de Helena Pereira e Eunice Lourenço: ‘Não nomeiam uma só fonte de informação na peça por si assinada. A base do seu trabalho assenta em` um responsável da coligação´,` colaboradores do primeiro-ministro´,` alguns sociais-democratas críticos de Santana´,` um membro do gabinete do primeiro-ministro´. Isto é jornalismo? Retiro do` Livro de Estilo´ do Público:` Formulações do tipo ‘o Governo está a pensar’ não são admissíveis nas páginas do Público. ‘O gabinete do primeiro-ministro declarou’ é também uma expressão a evitar: só as pessoas podem fazer declarações.´ Será que o` Livro de Estilo´ do jornal já foi substituído por nova edição? Admitem-se tantas fontes não identificadas (logo: anónimas) na peça que ocupa quase uma página inteira? Trata-se de informação? Ou não seria melhor colocar, no topo da página, que é um artigo de opinião? Ou, então, na senda da Telecinco, trata-se de uma opinião livre escrita por duas jornalistas da editoria de Política Nacional ?’
Na sua resposta a estas observações, as jornalistas fazem uma distinção quanto à não identificação das fontes: ‘A pergunta do leitor fala em duas coisas. Uma são as duas fontes anónimas citadas pelo Público (´um responsável da coligação´ e` um elemento do gabinete do primeiro-ministro´ e não` o gabinete do primeiro-ministro´, expressão essa sim que não é permitida pelo` Livro de Estilo´), que, na impossibilidade de serem citadas pelo seu nome, foram descritas de forma mais concreta possível. Os jornalistas têm que procurar sempre o equilíbrio entre o uso de fontes anónimas para noticiarem o que de outra forma não se poderia escrever sem se deixarem ao mesmo tempo instrumentalizar por essas fontes anónimas. Outra são informações não actuais, mas de` background´ que foram incluídas no texto; é nessa qualidade que se mencionam o que` os colaboradores do ex-primeiro-ministro, Durão Barroso´ diziam no anterior Governo sobre a relação com o Presidente da República e que, no interior do PSD,` alguns sociais-democratas críticos de Santana´ dizem sobre uma eventual guerra institucional.’
Quanto à distinção entre opinião e informação, as autoras do texto argumentam: ‘É precisamente por ser informação o que foi publicado que se atribuiu o mais possível todas as informações relacionadas com o assunto que se pretendia abordar: a relação Governo/Presidente.’
Antes da análise ao caso concreto, algumas notas de ordem geral já expostas nesta coluna em outras ocasiões.
Desde logo, reafirmar que a regra do bom jornalismo é a de identificar as fontes. Mas acrescentar que também bom jornalismo se faz recorrendo a fontes não identificadas ou confidenciais.
O que está em causa é a banalização do uso de fontes confidenciais, designadamente em algumas áreas do jornalismo. É uma prática que, se não for justificada pela relevância da informação que se transmite ou pelas consequências negativas que a notícia pode implicar para a própria fonte, não só é ilegítima face à ética, como acaba por reflectir-se na credibilidade do órgão de informação.
Informação política baseada apenas em fontes identificadas é, fatalmente (também para o jornalismo…), oficial; baseada apenas em fontes oficiais não identificadas é, forçosamente, oficiosa. Podendo mesmo sê-lo no que a palavra significa de ‘prestável’, ainda que sem o contributo voluntário do jornalista: prestar-se a veicular aquilo que interessa às fontes. E, como nota o Livro de Estilo do Público, ‘uma fonte é quase sempre parte interessada e o jornalista tem de ter o cuidado de não se deixar instrumentalizar’).
É dentro deste enquadramento que se observa o caso em apreço, começando por perguntar-se se o conteúdo informativo da peça justificaria o recurso que foi feito às tais fontes não nomeadas.
Será que faz sentido alguém esconder-se atrás do biombo ‘um membro do gabinete do primeiro-ministro’ para dizer ao jornalista que ‘a relação institucional entre Santana e Sampaio` é completamente normal´ e que, em termos pessoais, é` cordial’?!
Helena Pereira e Eunice Lourenço argumentam que, neste caso, não foi usada a expressão ‘gabinete do primeiro-ministro’ (que o Livro de Estilo não permite) mas sim a frase ‘um membro do gabinete do primeiro-ministro’. Ora, se a primeira expressão vincula o próprio gabinete – o que é, portanto, uma forma de atribuir uma declaração – já a segunda dilui totalmente a autoria, desresponsabilizando todos os elementos desse gabinete. Neste caso, teria sido preferível desrespeitar o Livro…
Aqui, o princípio – correcto – invocado pelas jornalistas de descrever as fontes da ‘forma mais concreta possível’, não foi observado. Tal como quando se atribui a afirmação que faria para título da peça, a ‘um responsável da coligação’. ‘Coligação’ é o lugar mais vago deste universo.
Ao apresentar a peça como o faz, o jornal convida os leitores a olhá-la como uma notícia. Mas não deveria este trabalho ter surgido como análise e dessa forma assinalado? Não como artigo de opinião, mas como texto de análise. De acordo, aliás, com o recomendado pelas normas do jornal (1). Não se pondo nos mesmos termos, a credibilidade da peça seria apreciada segundo outros padrões. Sem equívocos.
(1) No documento ‘Alguns conceitos essenciais do novo Público’, defende-se a adopção da análise como um género que permitirá distinguir textos ‘que não se limitam a descrever uma situação, antes fornecem elementos de enquadramento’ de modo a evitar que ‘aquilo que parece uma notícia’ seja, afinal, ‘uma análise disfarçada’.’