O debate sobre o papel da mídia na última eleição presidencial tem destacado o avanço da importância da internet, sobretudo dos sites de jornalismo online e dos blogs, vis-à-vis os veículos tradicionais.
Diferentes aspectos têm sido lembrados, como a ruptura da unidirecionalidade característica da velha comunicação de massa; a pluralidade e a diversidade de informações e pontos de vista que a web conseguiria oferecer; e as novas possibilidades que um número cada vez maior de brasileiros – leitores/ouvintes/telespectadores – teria de verificar, direta ou indiretamente, a veracidade da informação que está recebendo e, portanto, de tomar independentemente sua própria decisão.
O controle da internet é um dos temas do novo livro de Eric Klinenberg, Fighting for Air: The Battle to Control America’s Media, que acaba de sair pela Metropolitan Books (Nova York, 2006). Trecho inédito oportunamente publicado neste Observatório [‘Novas táticas dos monopólios da informação‘] revela como, embora pesquisado e escrito levando em conta a realidade dos Estados Unidos, o livro certamente interessa também aos observadores da mídia no Brasil e em qualquer outra parte.
Voz e poder
Klinenberg é um jovem pesquisador da New York University, ativista do Movimento pela Reforma da Mídia, conhecido no Brasil pelos leitores da edição em língua portuguesa do Le Monde Diplomatique onde ele publicou pelo menos três excelentes artigos sobre a economia política da mídia.
O principal argumento do capítulo publicado no OI talvez esteja melhor sintetizado na seguinte frase:
‘A idéia segundo a qual as novas tecnologias da informação teriam tornado obsoletos os riscos da concentração [da mídia] constitui o principal e mais perigoso mito da era digital’.
Os grandes conglomerados de mídia e seus aliados no Congresso americano têm argumentado que a diversidade de informação hoje existente na internet teria tornado inúteis as leis que regulamentam a grande mídia tradicional nos Estados Unidos.
Klinenberg, ao contrário, apoiado em pesquisas recentes de diferentes instituições – Projeto de Excelência em Jornalismo do Centro Pew de Pesquisas, Centro para o Futuro Digital da Universidade da Califórnia do Sul, Nielsen/Net, União dos Consumidores – demonstra a falácia do argumento.
Primeiro porque a internet não é tão onipresente como parece; segundo, porque o conteúdo da internet é, em grande parte, produzido pelos mesmos grandes conglomerados de mídia; e, terceiro, porque boa parte desse conteúdo carece de credibilidade.
Nos EUA, 21% da população não utilizaram a internet uma única vez em 2005 e 33% não dispõem de conexão em suas residências. Além disso, as camadas da população com maior nível educacional e maior renda estão ‘mais aptas’ a encontrar a informação ou a diversão que procuram na internet. Já as camadas com baixo nível educacional e baixa renda tendem a limitar sua navegação aos sites comerciais e dos grandes conglomerados.
Por outro lado, afirma Klinenberg…
‘…os discursos artificiais sobre o crescimento revolucionário de um jornalismo ao vivo, praticados por uma infinidade de blogueiros, ameaçam dissimular que as multinacionais da comunicação convergem na direção da internet para ali ampliar sua voz e seu poder’.
Advertência necessária
Pesquisas recentes mostram que entre os 20 sites mais visitados, 17 eram vinculados aos grupos tradicionais de informação. Ademais, os ‘novos gigantes’ – Yahoo!, AOL e IBS – dependem quase exclusivamente das informações produzidas pela grande mídia tradicional. Cerca de 60% de 1.903 artigos publicados por 9 dos principais sites eram despachos das grandes agências de notícias colocados online. Cai, portanto, o argumento da pluralidade e da diversidade.
E, finalmente, com relação à credibilidade, Klinenberg mostra que os leitores desconfiam da informação…
‘…exceto quando [ela] provém de uma fonte considerada fidedigna – em geral, uma empresa jornalística tradicional’.
Claro que a questão da credibilidade não se restringe às informações da web e, nos EUA, são inúmeros os casos recentes de erros, falsificações e violações grosseiras da ética profissional do jornalismo também na grande mídia. De qualquer maneira, Klinenberg relata alguns casos grotescos de informações inverídicas divulgadas pela internet e por longo tempo aceitas como verdadeiras.
Diante desse quadro, a advertência final de Klinenberg se aplica igualmente aos EUA e a sociedades onde a expansão da internet está ocorrendo. Diz ele que as novas tecnologias de comunicação não eliminam a necessidade de elaborar normas legais que impeçam que um pequeno número de empresas gigantes domine o mercado. Sem dúvida.
Em países como o nosso, onde historicamente a ‘velha’ mídia é controlada por uns poucos grupos privados – alguns já associados a megagrupos globais – essa advertência é mais do que necessária. Neste caso, certamente o que é bom para os EUA também pode ser bom para o Brasil.
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: crise política e poder no Brasil (Editora Fundação Perseu Abramo, 2006)