Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Leila Reis

‘Talk-show significa show de conversa, que também pode ser conversa fiada, papo furado. Para as emissoras quer dizer economia. Uma maneira de preencher o tempo na TV com eficiência – espiar a conversa alheia é um hábito copiado da vida real – e baixo custo.

Um cenário simples – geralmente imitando uma sala de estar – duas câmeras, iluminação básica, alguns objetos de decoração, um entrevistador e alguns convidados, a TV é capaz de prender a atenção de um grupo e ainda arranjar um bom argumento para buscar dinheiro no mercado publicitário.

Por isso é que, desde a sua origem, a TV recorre a esse tipo de programa. E não só aqui. Os grandes salários da TV americana vão para o bolso de entrevistadores: David Letterman, Jay Leno, Larry King, Oprah Winfrey.

Quando a vida está dura então, o talk-show se alastra pela programação como erva daninha. Parece ser este o quadro agora. Em quase todos os canais, em durante quase todo o dia, há sempre alguém perguntando e alguém respondendo sobre alguma coisa qualquer.

O Programa do Jô, claramente inspirado nos similares americanos, é o exemplar mais bem-sucedido do gênero. O mais antigo programa de entrevistas da TV, ele é o sonho de consumo de qualquer um que queira vender alguma coisa – peças, filmes, espetáculos, livros ou a própria imagem.

Pelo senso comum, aparecer no Jô é ser sinônimo de qualidade. Só se senta no sofá ao lado da bancada que sustenta a caneca do Gordo quem tem valor. Por isso, não é difícil imaginar o tamanho do assédio que sofre a produção do programa. E a glória de quem consegue entrar nesse olimpo eletrônico.

Jô é inteligente, articulado e dono de um humor exercitado como profissão durante décadas. Mas não é só isso que lhe garante a qualidade do show e o prestígio. Até chegar o momento de Jô cumprimentar o entrevistado com um beijo, um enorme volume de trabalho já rolou.

Todo mundo quer ter um Jô em sua grade de programação, mas sem o tour de force que envolve um batalhão de bons profissionais. Os burros dão n´água quando as emissoras contam apenas com o talento do entrevistador para garantir o entretenimento e a audiência.

É o caso do Show do Tom na Record. Tom Cavalcante é engraçado, talentoso, simpático, mas suas entrevistas são melífluas, sem graça. A sensação é que lhe dão um microfone, um entrevistado e mandam-no se virar. Bom exemplo foi a entrevista com Roberto Justus (seu colega de vídeo hoje) na quarta. As perguntas eram as óbvias e a fluência foi zero. Constrangedor foi quando, parecendo falta de assunto, Tom insistiu para o publicitário cantar um hit de Frank Sinatra.

Fazendo de conta que não era o combinado, Justus claro que cantou, mas a desafinada que deu despertou a solidariedade de Tom, que entrou no coro para minimizar o vexame.

Na via inversa vem Adriane Galisteu, que acampou no SBT quando foi despejada da Record. Ao sintonizar o vespertino Charme com Adriane Galisteu, até o telespectador mais desligado percebe a produção por trás do talk-show. A conversa de Galisteu com seus convidados não sai só daquela cabecinha loira. Ela é simpática, descontraída, mas ao que parece está melhor amparada do que o colega que ocupa o horário que já foi seu na Record.’



PROGRAMAS SEM VERBAS
Etienne Jacintho

‘TV vive febre da clonagem tabajara’, copyright O Estado de S. Paulo, 7/11/04

‘Esqueça os orçamentos da TV paga. Em programa de transformação tupiniquim a verba passa longe dos US$ 3 mil para compor um novo guarda-roupa ou dos cerca de US$ 750 para reformar um cômodo de uma casa – valores dos programas Esquadrão da Moda e Minha Casa, Sua Casa, respectivamente, do People + Arts. A realidade da TV aberta é tão diferente que, efetivamente, nem há orçamento. O negócio é feito na base da barganha e do jabá (permuta informal).

Funciona mais ou menos assim: a emissora recebe os serviços da empresa, ou da loja, e, em troca, coloca em um canto do vídeo – ou no final, junto aos créditos – o telefone de contato da firma colaboradora. Posição bem distante de Enquanto Você Não Vem, atração americana exibida no People+Arts (P+A), que no mês passado se deu ao luxo de gravar um episódio em São Paulo. O valor da reforma? Cerca de R$ 4,5 mil, sem contar os gastos da viagem dada a um dos participantes para que, na sua volta, ele seja surpreendido.

‘Eu queria dar um guarda-roupa completo, mas não temos R$ 1,00 de verba. Fazemos milagres’, diz Drika Oliveira, produtora do quadro Belíssima, do Dia a Dia, da Band, um mix de Antes e Depois, Esquadrão da Moda, ambos do P+A, e Queer Eye For the Straigth Gay, da Sony.

Atualmente, a onda de quadros de transformação é tanta na TV brasileira que só no Dia a Dia, da Band, há dois programas do tipo. A atração investe também no S.O.S. Decoração, que, ao lado do Belíssima, é sucesso de audiência. Apresentado por Aline Alonso, o S.O.S. conta com uma pequena ajuda de R$ 300,00 por programa. ‘Na verdade, usamos o dinheiro para pagar o almoço da equipe e para comprar alguma coisinha de última hora’, explica. Segundo ela, a idéia do programa não é comprar tudo novo, mas mostrar que, com criatividade, é possível transformar um ambiente.

No entanto, a produção se orgulha de ter no currículo parceiros que cederam objetos caros, como um quarto de bebê avaliado em R$ 8 mil, um lustre de R$ 900 e persianas orçadas em R$ 11 mil.

A cada programa, o S.O.S. conta com a ajuda de um profissional. Há cerca de um mês, o Estado acompanhou a empreitada da designer de interiores Sueli Pazete Zapparolli, na casa do professor José Pires, que quis fazer uma surpresa para sua mulher. Sueli queria porque queria trocar o sofá da sala do casal – um modelo bem estampado -, mas não arrumou parceiro. A saída foi pintar de branco a madeira fixada no braço do sofá e jogar sobre ele um xale e almofadas novas.

No entanto, o que Sueli conseguiu – um móvel para a TV, uma mesa de canto, um tapete, um vaso com planta, uma cortina e mais alguns pequenos objetos de decoração – deu cara nova ao ambiente, que agradou muito aos seus proprietários.

Desordem de fatores

‘O nosso objetivo é fazer a pessoa feliz. Acho o Minha Casa, Sua Casa meio ego de arquiteto, uma espécie de showroom do profissional’, diz Aline, que dá duro ao lado de sua equipe. O desgaste é tamanho que eles só gravam o quadro duas vezes por mês. A jornada em dia de gravação vai das 7 da manhã até as 23 horas.

Outro quadro que bebeu na fonte da TV paga foi a Blitz do Reparo, do Bom Dia Mulher, na RedeTV! Não querendo usar o termo Tabajara, mas já usando, a estrutura da Blitz é ainda mais precária que a do S.O.S. A apresentadora Flávia Tuma, arquiteta de interiores, sequer ganha um tostão para fazer o programa. É que ela também é uma parceira, ou seja, mostra seu trabalho na tela para conseguir clientes fora dela.

Outra diferença é que na Blitz não se compra nadinha de nada. ‘A proposta é mudar o ambiente com o que já se tem dentro dele’, diz Flávia, que já transformou colcha em cortina.

É verdade que, com a ajuda de um profissional, é mais fácil achar a disposição ideal dos móveis em um ambiente, mas o resultado não é lá tão surpreendente assim – vide foto acima.

A advogada Daniela Ferreira, de 24 anos, participou do quadro e aprovou, fazendo algumas ressalvas. ‘Gostei de verdade, mas depois tive de chamar um pedreiro para arrumar o fio da TV, que mudou de lugar. O fio saía da outra parede e foi escondido no chão por um tapete’, diz. Segundo Flávia, um dia depois da gravação, sua equipe (um pintor e dois faz-tudo) voltaria ao apartamento para fazer alguns ajustes, mas até hoje Daniela jura que nunca mais eles apareceram.

Outro detalhe curioso é que na casa de Daniela foram usados, ao menos para a filmagem, alguns objetos que não eram da proprietária. ‘Colocaram um aparador atrás do sofá que não era meu, falaram que iam buscar, mas até agora nada. O pior é que a mesa estava quebrada!’, conta, rindo. Daniela também suspeita de outro intruso: um abajur, que entrou e saiu de sua casa no mesmo dia da filmagem.

Para deixar o ambiente mais agradável, Flávia também usou algumas revistas de decoração de sua coleção e plantas, retiradas com o aval do zelador, do jardim do prédio de Daniela.

Paula Buarque, diretora do Missão MTV, programa da modelo e neo-apresentadora Fernanda Tavares que ora mostra transformação de ambiente, ora de figurino, diz que não há como negar que o Missão é uma adaptação do que se vê na TV paga. A diferença básica, para ela, é que enquanto Trinny e Susanah, do Esquadrão da Moda, dão dicas fundamentadas de como se vestir e têm como parceiro aquele terrível espelho 360º, Fernanda e sua equipe dão toques baseados no ‘olhômetro’. Ela tem, sim, uma ajuda prévia de profissionais experientes, mas, na hora do vamos ver, os comentários não são lá tão instrutivos assim. ‘A gente colocou esta luminária no canto para dar mais amplitude, ou seja, para o ambiente parecer maior’, disse Fernanda em um dos últimos programas exibidos.

‘Fazemos mais na brincadeira, somos mais liberais porque temos de puxar a conversa para um universo mais jovem’, justifica Paula. Por isso, quando o programa é de decoração, a produção nem sonha com um sofá de centenas de reais. ‘Tem de ficar na realidade de quem está assistindo. Não dá para mostrar um sofá de R$ 1,5 mil para um adolescente. A saída é comprar um colchão, mandar fazer uma capa bacana…’, explica.

O Missão também está na lista dos programas verba zero, mas, em contrapartida, é o único que consegue roupas nas lojas de grife da cidade. O circuito Fernanda Tavares se estende pela Rua Oscar Freire e adjacentes. Mas quem já viu o programa e cresceu o olho naqueles vários modelitos provados pelo participante pode ficar frustrado. Apesar de a convidada vestir sete ou oito looks, ela ganha apenas unzinho. ‘Muita gente acha que a menina sai com sacolas de roupas, quisera eu. Assim, até eu me candidatava’, brinca Paula.’



ENTREVISTA / FRANCISCO MILANI
Keila Jimenez

‘Francisco Milani : ‘Minha relação com a TV é conflituosa’’, copyright O Estado de S. Paulo, 7/11/04

‘Um dia depois de conceder essa entrevista, o ator Francisco Milani liga para cancelar a sessão de fotos e chega a pedir que a matéria não seja publicada. A voz animada não mais é a mesma da véspera. Milani está chateado. Diz que não se conforma com o resultado da eleição nos Estados Unidos, vencida por George W. Bush. Não acha justo aparecer em um jornal como um contestador, pois isso não adianta nada no mundo em que vivemos. Enfim, concorda com a publicação da entrevista, mas pede que a repórter retire os auto-elogios que julga ter feito. Idealista. É a melhor palavra para definir esse ator e locutor de 68 anos que, diferentemente dos personagens que faz na TV, é muito bem-humorado. Nesse bate-papo, Milani fala sobre sua carreira e contestações, que quase o afastaram para sempre da TV. Quase… O destino se encarregou de evitar essa tragédia.

Você viveu vários personagens mal-humorados na TV. Você é mal-humorado?

Não, muito pelo contrário. Agora, eu acho que mau humor é muito engraçado. Você ficar na fila do banco olhando o comportamento do mal-humorado é muito divertido. Ele acaba cometendo exageros sem perceber. É o caso do Saraiva.

Você não tem saudades da época que foi diretor de programas?

Não. Odeeiio dirigir… Dirigi o Viva o Gordo muitos anos, dirigi os programa do Chico Anysio… Você passa mais tempo na sala, atendendo quem está procurando emprego, do que no estúdio. Como não sou o todo-poderoso, não podia dar emprego para todo mundo, acabava indo para casa, sofrendo como um desgraçado.

Por que você não aceitou o convite para a primeira versão da ‘Grande Família’?

Probleminhas ideológicos (risos). Naquela época eu era meio ortodoxo, achava que os colegas que estavam indo para a TV estavam se submetendo ao capital do Time Life (grupo americano na época associado à Globo). Anos depois o próprio Vianinha (Oduvaldo Vianna Filho, criador do seriado) acabou me convencendo a ir para TV.

Como ele conseguiu?

Com um bom argumento. Disse: ‘Milani, para você poder mudar alguma coisa, você tem que estar dentro dela (risos).’ Ele era bom nisso… Mas minha relação com a TV sempre foi muito conflituosa.

Por quê?

Perdi muitos anos da minha vida fazendo coisas que não deram em nada. Quem é Milani? Ah, o Milani largou a novela das 8. E daí? Ninguém nem ficava sabendo. Fazia isso por ideologia. Na época eu pensava: ‘Vou fechar a TV Globo (risos).’ Movi vários processos contra a Globo por direito de imagem.

Você processou a Globo?

Foi. O primeiro foi no programa Sítio do Picapau Amarelo. Não concordava com cláusulas contratuais para cessão de direitos de imagem. Então, processei. Perdi. Depois, quando eu não concordava, saía do programa no meio. Fiz isso várias vezes.

Quem amoleceu, você ou a Globo?

Eu casei e tive três filhos, isso responde?

Que ironia você fazer a segunda versão da ‘Grande Família’ como Tio Juvenal…

É mesmo. Me diverti muito naquelas gravações, a gente se conhece há anos. Fiz teatro com a Marieta Severo em 1963. Ela era uma gracinha, e ainda é, era solteira, não tinha o Chico (Buarque) ainda na história, todos achavam ela linda, era um mosqueiro em cima do doce.

Você ainda faz muitas locuções?

Fiz locução minha vida toda. Fui o locutor do Casseta & Planeta por muitos anos, faço muitas chamadas na Globo, offs do Fantástico, dublagens…

Quais foram as dublagens mais interessantes?

Dublei o Paul Newman, o Robert Redford, aquele feioso (pausa), o Charles Bronson. O Magnum, dublei inteiro. Adorava dublar o Tom Selleck, ele é muito engraçado, eu já achava que ele tinha uns comentários de bicha (risos).

Você circula por muitos meios sem fazer parte de nenhuma panelinha. Como consegue?

Não fumo maconha, não cheiro cocaína, não posso ter panela. Meu negócio é o trabalho. Tenho um problema seriíssimo que é ter consciência política. Como dizia o Prestes (Luís Carlos): Você nasce político, ao nascer, você já nasce protestando, ou porque tomou um tapa na bunda ou porque não queria nascer… Você já nasce querendo ocupar espaço, então, ter consciência política é uma cruz. Não consigo ficar quieto…

Tem alguma coisa que você gostaria de ter feito na TV e não fez?

Na TV não, no teatro, sim. Eu continuo com aquela opinião sobre a televisão (risos). O Millôr é que tem uma visão interessante, ele diz: ‘Quando você não tiver nada para falar, dê uma entrevista na televisão (risos).

Drops

Volta à TV

‘Em 1964, larguei tudo e fui trabalhar de carreteiro. Em 1980, o Jô (Soares) insistiu para eu fazer programa com ele. Falei dos meus problemas na Globo e ele disse: ‘Você agora é problema meu.’ Fui ficando, ficando e , há 44 anos estou ficando na TV.’

Comunista

‘As portas da Globo não se fecharam para mim por causa do meu comportamento profissional. Sabe, comunista é muito caxias… Chega no horário, decora o texto, não brinca em cena. Sempre me respeitaram muito lá.’’