O ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Eduardo Seabra Fagundes, que presidiu a entidade de 1º de abril de 1979 a 31 de março de 1981, defendeu hoje (8/11) a reabertura dos arquivos do período da ditadura militar, incluindo o caso do jornalista Vladimir Herzog. Para ele, a população ainda necessita de respostas e afirmou que, mais cedo ou mais tarde, a sociedade terá que conviver com o reexame de toda essa documentação.
Seabra Fagundes defende que essa reabertura seja feita sem grande exploração e que não seja conduzida de forma indiscriminada, por pessoas que estejam em busca apenas de notoriedade. ‘Não há vantagem em abrir feridas. Esse reexame deve ser feito por pessoas sérias, que examinem tudo com o único propósito de escrever a história daquele período.’ O advogado, que mora no Rio de Janeiro, está em Brasília, onde participa da sessão plenária do Conselho Federal da OAB.
A gestão de Eduardo Fagundes deu-se há exatamente 24 anos, quando conviveu de perto com as perseguições e atentados típicos do período da ditadura militar. Na tarde de 27 de agosto de 1980, uma bomba enviada dentro de uma carta para a sede da OAB, à época no Rio de Janeiro, explodiu e matou sua secretária, Lida Monteiro da Silva, então com 60 anos. A mesa de trabalho de Lida, local onde ela abriu a carta e veio a falecer, está guardada no museu do Conselho Federal em Brasília.
A seguir, a íntegra da entrevista concedida por Eduardo Seabra Fagundes, sobre a reabertura dos arquivos do regime militar
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O senhor presidiu a OAB em um período muito conturbado da história, na época da ditadura. Qual a sua opinião quanto à reabertura dos arquivos daquele período?
Eduardo Seabra Fagundes – Eu acho que o Brasil ainda terá que purgar os seus pecados durante algum tempo. E eu entendo que os pecados do Brasil não foram cometidos apenas pelos militares, mas também por muitos civis que deram respaldo àquela situação e muitos políticos, que hoje até estão bem situados na vida nacional. Então, acho que a anistia não há mais que ser discutida, mas a memória da nação precisa ainda encontrar algumas verdades para que nos sirva de lição para a história. Em função até dos padecimentos que muitos sofreram, o Brasil está num bom caminho. A nossa democracia está vigorosa, temos motivos para nos orgulhar do caminho que foi percorrido e do resultado que foi alcançado.
Como o senhor vê esse caso específico da divulgação das fotos relativas ao período da ditadura e que acabaram trazendo esse debate de volta à atualidade?
E.S.F. – Esse episódio específico da divulgação de fotos atribuídas ao jornalista Herzog nos trouxe alguns temores. Isso porque mostra, como disse o próprio ministro demissionário (José Viegas), que ainda há um núcleo que não se converteu à democracia. É um núcleo que não se justifica em um governo democrático como o atual. Eu acho que foi um episódio que até conforta, de certa forma, uma vez que houve uma reação imediata da sociedade, do presidente da República, embora tenha se chegado a um final que talvez não tenha sido o ideal. O ideal teria sido o afastamento de algumas pessoas que demonstraram não estar afinadas com o pensamento atual da sociedade brasileira. Mas eu acho que se superou uma etapa significativa do processo político nacional.
Na sua opinião, então o caso Herzog e os documentos daquela época deveriam ser reabertos para que a população pudesse saber o que, de fato, aconteceu?
E.S.F. – Eu acho que a população ainda precisa de algumas respostas. As famílias dos desaparecidos e dos mortos precisam de dados porque o mínimo que o Brasil pode dar a essas famílias são explicações, conhecimento do que aconteceu, até para que essas pessoas se tranqüilizem intimamente. Mais cedo ou mais tarde vamos ter que conviver com o exame dessa documentação. Naturalmente, acho que isso deve ser feito sem grande exploração porque não há vantagem em abrir feridas. Mas acho que o esclarecimento é algo que realmente tem que estar na nossa pauta, no nosso horizonte. Tudo tem que ser feito com a cautela que o presidente da República está recomendando e o ministro da Justiça também. Mas eu acredito que a sociedade, como um todo, pede que isso seja bem esclarecido e bem examinado. Não deve ser feito indiscriminadamente por pessoas que queiram notoriedade, mas por pessoas sérias, que examinem tudo com o único propósito de escrever a história daquele período.
Como o senhor recebeu o teor da nota divulgada pelo Exército?
E.S.F. – Fiquei muito chocado. Fiquei pensando que nós tínhamos voltado ao passado. Parece que eu tinha ido dormir num dia e acordado alguns anos atrás. Mas depois eu acho que a coisa se encaminhou razoavelmente e vivemos essa experiência que terminou sendo útil porque vimos que ainda temos de lidar com esse problema. Parece que vinte, trinta anos é muita coisa, mas, agora, percebemos que não é. Vimos que há feridas abertas e que, na minha opinião, ainda têm que ser mais cicatrizadas, cuidadas.
E qual deve ser o papel da OAB em todo esse episódio?
E.S.F. – Eu acho que a OAB deve continuar vigilante porque os advogados têm a vocação do bem público e da vigilância das instituições. Eu acredito que a OAB está fazendo o seu papel. Naturalmente que a Ordem dos Advogados do Brasil de hoje é diferente daquela que eu presidi porque naquela época não havia outras instituições. Os partidos políticos estavam amordaçados e a imprensa, oprimida. Havia muita gente sendo perseguida e muitos políticos tinham medo. Hoje, vivemos em um período de franca normalidade constitucional e há outras entidades ocupando o cenário brasileiro. Então, a OAB fluiu um pouco para as suas preocupações de natureza profissional, mas continua vigilante, dando a sua palavra e atuando no cenário nacional.