Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Guálter George

‘Professor do curso de Comunicação Social da UFC e jornalista, Gilmar de Carvalho utiliza uma série de adjetivos fortes para exprimir o sentimento que lhe trouxe o artigo assinado pelo jornalista Themístocles de Castro e Silva e publicado no caderno People do domingo passado, dia 31 de outubro. Ali, o articulista faz uma peculiar abordagem do caso Vladimir Herzog, aproveitando sua volta à pauta após a divulgação recente de humilhantes fotos que seriam dele pelo jornal Correio Braziliense. Fotos, aliás, que posteriormente se concluiria não serem do jornalista. Themístocles, um antiesquerdista convicto e pró–militares mais convicto ainda, ataca de forma grosseira duas figuras ainda vivas, o rabino Henri Sobel e o cardeal dom Paulo Evaristo Arns, este último chamado, até, de ‘mentiroso’ no texto. ‘Dom Arns é uma reserva moral desse País, uma referência para todos nós e não pode ser atacado assim, levianamente, por nostálgicos da ditadura, sem embasamento, na base do achismo e em total desrespeito à ética jornalística’, diz o professor, para quem ‘a destilação de rancor atingiu índices altíssimos’. Segundo avalia, se é verdade que ‘todos têm direito de escrever livremente’, é igualmente necessário observar que ‘existe uma responsabilidade sobre o que se escreve’.

Liberdade que a democracia, e só ela, garante

Nos comentários diários internos que encaminho à Redação, é comum apontar excessos nos textos assinados pelo jornalista Themístocles de Castro e Silva, que ocupa espaços na página de Opinião e no caderno People. O que incomoda é a forma como ele defende suas idéias, algumas claramente antidemocráticas e discricionárias, mais do que propriamente o conteúdo das teses que abraça. Várias vezes o vimos chamando as Forças Armadas para agir ‘enquanto é tempo’, fazendo um indisfarçável convite ao golpe militar em meio a críticas contra o governo de esquerda que considera haver tomado de conta do País com a chegada do PT ao poder. Bom, pra ele e pra nós, que o fato de vivenciarmos a plenitude de uma democracia lhe garante espaço para fazer provocações do tipo. A questão é que há regras que precisam ser respeitadas em qualquer circunstância, por democrático que seja o ambiente e por mais que ele garanta as manifestações livres de pensamento. No caso que levou o professor Gilmar de Carvalho à indignação, as regras desprezadas pelo articulista eram jornalísticas, significando que o jornal poderia agir sem a caracterização de qualquer tipo de censura. O direito à opinião não pode ser confundido com o direito de dizer o que quiser, contra quem quiser, da forma que quiser, desrespeitando fundamentos que devem ser aplicados a todo texto que O Povo publica.

A coluna encaminhou, na última quinta–feira, mensagem eletrônica à editoria do People e à Redação informando que trataria do assunto e pedindo uma manifestação de Themístocles de Castro e Silva. Sem retorno positivo. Vale ainda o registro de que, segundo fui informado, o tema Vladimir Herzog volta a ser tratado pelo jornalista no artigo que circula hoje no caderno, edição de 7 de novembro. Espero que com mais equilíbrio, pelo menos.

Há cidadania por trás de cada nome

O advogado Márcio Bessa Nunes gostou de ver novamente discutido na instância do ombudsman do O Povo a necessidade de se encontrar um meio que garanta ao jornal a liberdade de informação sem ferir o direito do cidadão de ver sua imagem preservada. Dizendo–se preocupado com o tema há muito tempo, informou já tê–lo discutido em ocasiões anteriores com a Redação e, até, com a então ombudsman Regina Ribeiro. A tese que ele defende, altamente respeitável, é de que os jornais, tevês e rádios, pela forma como se portam ao noticiar fatos policiais e expor cidadãos à execração pública, ‘perdem a chance de dar lições diárias de cidadania, no sentido do respeito ao semelhante, respeito às leis, respeito à dignidade humana’. O arrazoado de argumentos que Bessa encaminhou compõe, no geral, uma bem elaborada manifestação crítica contra o comportamento dos meios de comunicação. É mais uma contribuição útil ao debate que se tenta estabelecer internamente, um ombudsman após o outro, na busca da maneira ideal de informar sem perder de vista o respeito que todos merecem, inocentes que somos até prova em contrário.

Marta perdeu também no noticiário

Infelizmente, não há um estudo científico disponível capaz de apontar eventuais distorções na cobertura do processo eleitoral de Fortaleza, recém findo. Em São Paulo, ao contrário, o Observatório Brasileiro de Mídia, ligado à Universidade de São Paulo, fez uma medição quantitativa e qualitativa do noticiário relacionado à campanha de cinco jornais, dentre eles os poderosos Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, concluindo que ele foi prejudicial à candidatura da petista Marta Suplicy e favorável à do tucano José Serra, este último o vencedor na disputa. O estudo do Observatório é de grande importância, especialmente como referencial de futuro, porque vai ao encontro do acompanhamento feito na Folha de S. Paulo, por exemplo, pelo ombudsman Marcelo Beraba. Ele também aponta desnível no conjunto do material publicado pelo jornal, embora considerando menos as cobranças insistentes à petista e mais a condescendência do jornal com o governo tucano paulista, que chancelou a candidatura vencedora. O modelo administrativo paulistano, petista, foi impiedosamente discutido na cobertura, segundo atestaram os pesquisadores da USP e o ombudsman da Folha, enquanto a gestão estadual paulista, tucana, era mantida à distância do debate, quase sem cobranças.

Para se ter uma idéia da distorção encontrada na cobertura dos diários impressos paulistanos, 45,4% das notícias envolvendo a candidata Marta Suplicy no período entre 4 e 24 de outubro eram negativas, contra 18,3% favoráveis e 36,4% neutras. Uma realidade que se invertia quando o analisado era o tucano José Serra, que tinha 19,7% de negativas, 43,1% de neutras e 37,12% de positivas. Um registro: há quem tenha sentido, após os ataques do ombudsman à cobertura torta do jornal do processo em São Paulo, uma mudança de comportamento da Folha, com mais críticas ao PSDB e ao governo na reta final.’