Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O ativismo pop do sr. Vazamento

Até a noite de quarta-feira (15/8), eram poucos os policiais que vigiavam a entrada da embaixada equatoriana em Londres. Passavam parte do turno apoiados no balcão da recepção, batendo papo com um simpático equatoriano gorducho que recebe as frequentes visitas. Onde quer que Julian Assange esteja vivendo, sabe-se que haverá um constante entra e sai de amigos, jornalistas, advogados, ciberativistas. Haverá um pequeno grupo de apoiadores segurando cartazes e tocando um mau violão. E, vez ou outra, uma turba de repórteres atrás da última notícia sobre o WikiLeaks e seu fundador.

Naquele sábado de julho, semanas depois de Assange ter pedido asilo na embaixada do Equador fugindo dos olhares dos policiais, o recepcionista respondeu animado minha saudação: “Como está tudo por aqui?” “Muito bom, muito bom!”

Lá dentro, uma jovem morena de braços tatuados me acompanhou. Passando pela recepção, onde uma foto de Rafael Correa com a faixa presidencial recebe os visitantes, há um longo e branco corredor; ao fundo dele, no escritório modesto, espalha-se uma balbúrdia de cartões de congratulações coloridos. A janela está sempre coberta pelas cortinas brancas – afinal, lá dentro vive um dos homens mais vigiados da Grã Bretanha. Que invariavelmente está sentado à mesa de madeira, mergulhado no seu laptop, entretido em uma quantidade inacreditável de dilemas éticos, jornalísticos, jurídicos.

Negócios de empresas europeias com a Síria

Na sua voz forte, Assange quase sempre é categórico: existe o certo, e o errado. “Só havia uma decisão à qual a Corte Suprema Britânica poderia ter chegado”, me disse naquela tarde. A Corte decidira enviá-lo para a Suécia, onde um promotor pede sua extradição para ser interrogado sobre acusações de crimes sexuais. Para Assange e seus advogados, um promotor não pode ser considerado autoridade judicial, segundo as leis britânicas. “Eles então usaram uma convenção que nem foi discutida no julgamento para embasar a decisão. E é mentira.”

Foi com plena convicção de que se tratava de uma mentira, e de que o processo tinha sérias falhas legais, que o alvíssimo australiano tocou a campainha da embaixada equatoriana no dia 19 de junho e não saiu mais. Surpreendeu a Justiça britânica e sueca, toda a população do Equador, a imprensa internacional, a Interpol. E seus amigos mais próximos. “Fiquei impressionado quando soube”, disse o jornalista americano Gavin MacFadyen. “Ele decidiu não avisar ninguém, nem mesmo os que deram dinheiro para sua fiança. Se alguém mais soubesse, poderia ser responsabilizado legalmente.”

Nos dias seguintes, parte da equipe do WikiLeaks já se reunia na embaixada, retomando o ritmo de trabalho – a organização jamais teve uma sede. Ali, continuou produzindo vazamentos saborosos. Em 5 de julho, começou a publicar os Arquivos da Síria, mais de 2 milhões de e-mails internos do governo sírio. A partir deles, jornais do Líbano, Egito, Alemanha e Itália, além da agência americana Associated Press, revelaram negócios de empresas europeias com o regime amplamente criticado pelo massacre de oposicionistas.

“Uma pessoa impossível”

Não deu nem três semanas e a organização realizou uma elaborada ação virtual – uma “pegadinha” – ao colocar no ar um site falso do jornal The New York Times no qual um suposto artigo do editor Bill Keller, crítico voraz de Assange, pedia desculpas pelas rusgas passadas. O estilo era tão convincente que o próprio New York Times tuitou. A farsa gerou confusão, bate-boca virtual e críticas – afinal, afirmou um jornalista, não pega bem para uma organização que publica documentos verdadeiros falsificar um artigo. Assange&Co. – como assinaram no Twitter – nem ligaram. A ação visava a criticar o silêncio do New York Times sobre o bloqueio econômico realizado pelas empresas PayPal, Visa e Mastercard, que suspenderam serviços de doações ao site. “Isso sim não é brincadeira”, tuitaram.

Mesmo com bom humor, a perspectiva é que a saga de Assange se arraste por muitos meses. Na calçada, diante da janela acortinada, segue a postos a turba de fotógrafos e de apoiadores com seus cartazes – muitos deles instalados desde que o Reino Unido decuplicou a quantidade de policiais na vigília após ameaçar, por carta, evocar uma lei de 1987 para suspender o status diplomático da embaixada e prender Assange ali mesmo. “O Reino Unido não reconhece o princípio do asilo diplomático”, declarou depois o ministro do Exterior britânico, William Hague. Em anos recentes, foram poucas as ocasiões em que um chanceler do Reino Unido perdeu as estribeiras dessa maneira. Afinal, contestar um tratado de peso, como a Convenção de Viena, não soa nada britânico.

É essa talvez a principal qualidade do hacker, ativista, jornalista e provocador por excelência. Mesmo enclausurado em um pequeno escritório, em prisão domiciliar há mais de ano e meio, Assange insiste em fazer o que faz melhor: desnudar o cinismo das versões oficiais. “Assange é uma pessoa impossível”, reclamou certa vez um renomado jornalista britânico.

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[Natalia Viana é diretora da Pública – Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo, parceira do WikiLeaks no Brasil]