Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Guálter George

O Povo lançou, a partir de domingo último, uma oportuna série de matérias sobre a crise financeira dos clubes do futebol cearense. Do que foi publicado até ontem, faço restrições apenas à abordagem no primeiro dia da série, domingo passado. Reafirmo aqui, em resumo, aquilo que já expus no comentário interno: há, ali, um evidente e injustificável esforço de mostrar ao leitor que a situação do Fortaleza não é assim tão maravilhosa, que o time tem dívidas, que, no frigir dos ovos, não apresenta quadro financeiro assim tão diferente do Ceará, que, conforme a visão de gente que conhece a fundo sua realidade, inclusive na perspectiva histórica, hoje vivendo a maior crise em seus 90 anos de existência. Minha visão crítica acerca do material, especificamente do domingo, respalda apenas parcialmente a irritação demonstrada por dirigentes tricolores – o vice-presidente do Conselho Deliberativo, João Quêvedo Ferreira Lopes, e o presidente da diretoria executiva, Clayton Alcântara – através de nota oficial encaminhada à Redação do jornal e apresentada ao leitor, em reprodução via fac-símile, na edição de quarta-feira passada, dia 10. É evidente que não concordo, nem poderia, com os juízos de valor expostos sobre os autores da matéria, assim como discordo da idéia de existência de interesses escusos por trás da pauta, na minha avaliação, oportuna e necessária. O problema que há, e nesse ponto vejo procedência na manifestação oficial dos representantes do clube, diz respeito à má execução parcial da pauta, ocasionando aquilo que tenho chamado de tratamento igual a desiguais.

A parceria é mais do que apenas um detalhe

Qualquer análise que se faça sobre a realidade de hoje do futebol, independente de paixões, precisa considerar a existência de diferenças no campo administrativo-financeiro, a favor dele, entre o Fortaleza e os demais clubes. O que acontece no campo é reflexo disso, parece evidente. A matéria de domingo, que ocupou duas páginas e, abrindo a série, tratou das dívidas de cada um, deixou no ar outra compreensão, até determinando a observação de uma tendência estranhamente contrária, contemplando todos os clubes locais dentro de uma mesma perspectiva. Falou-se de passagem apenas, naquele dia, do aspecto que é o diferencial que estabelece a larga distância que há entre as situações que apresentam, por exemplo, os dois grandes rivais: a existência de uma parceria consolidada do Fortaleza com a empresa Santana Têxtil. É ela que permite manter as contas praticamente em dia, que permite dispensar e contratar sem deixar heranças malditas para o futuro, ou seja, funciona e estabelece o diferencial que aquele material escondeu. Até tenho uma avaliação própria quanto aos motivos que levaram o jornal a, naquela abordagem, se esforçar para buscar o equilíbrio onde ele não existe, mas, deixarei para expô-la apenas depois de mostrar como a Redação reagiu, e reage, à minha análise.

Saúde financeira, diz o repórter, é ‘mito’

O repórter Felipe Araújo, que assina os textos ao lado de Rafael Luiz, não concorda com a idéia de que a abordagem de domingo tratou de maneira igual dois desiguais. ‘A matéria foi clara, ao tentar traçar um raio-x das finanças dos principais clubes cearenses: o Ceará vive sua pior crise (o que foi amplamente explorado) e o Fortaleza, a despeito da parceria com a Santana Têxtil, esconde de seus torcedores que tem dívidas com ex-dirigentes e com o INSS, que está com a folha salarial atrasada e que continua sendo acionado na Justiça do Trabalho em ações que podem somar mais de um milhão de reais. Não se trata de uma crise como a que vive o Ceará, isso é óbvio e nós não dissemos’. Para ele, portanto, este conjunto de descobertas permite concluir que ‘a propalada saúde financeira do Fortaleza, bradada aos quatro ventos, é um mito’. A editora-chefe Fátima Sudário também defende o material objeto da minha crítica, obedecendo à mesma linha de raciocínio, ou seja, avaliando que ‘as matérias mostraram, sem esforço de puxar mais para um ou outro, uma situação que pode ficar insustentável’. Segundo ela, quando da discussão da pauta havia um entendimento de que a situação do Fortaleza era boa, bem superior à do Ceará. ‘No levantamento é que os dados apareceram, fruto do esforço de investigação dos repórteres’. Fátima sugere, então, um releitura do que foi publicado para eu concluir que ‘aproveitamos sim a chance de mostrar as diferenças entre os clubes locais’.

Mais leio, mais penso como pensava

Após atender a sugestão da editora Fátima Sudário, reli o material de domingo e o contemplei com o que publicamos posteriormente até sexta-feira. Aumentei, com isso, a convicção de que erramos a mão na abertura da série, deixando de posicionar de maneira correta o cenário de evidentes diferenças que há, hoje, entre as situações de Ceará e Fortaleza, sem que tivéssemos de, necessariamente, apontar este último como modelo de gestão de futebol para o Brasil ou o mundo. Não precisávamos esconder os problemas que ele apresenta e que, ao contrário do que indica o repórter Felipe Araújo, são de conhecimento público, seja em relação às ações trabalhistas, todas noticiadas antes pelos veículos de informação, em relação à presença indispensável de um parceiro, esta ainda mais alardeada, e, finalmente, quanto a pendências com ex-dirigentes. Portanto, ao contrário do que indica a nossa diligente editora, praticamente não há novidade na matéria, excetuando-se o fato de as informações virem sistematizadas, dentro de um contexto em que se faz a comparação com o que vive o Ceará e, o que continua me causando estranheza, tentando criar um cenário de comparação entre duas realidades que, neste momento, não se comparam. Não é questão de gostar de um clube ou de torcer contra o outro. Mais do que isso, é a necessidade de fazermos nossas abordagens permanecendo fiéis àquilo que a realidade determinar, a cor que tenham as camisas.

No Ceará, assim como em São Paulo

Cometi, domingo passado, um equívoco que corrijo hoje com prazer. Fui procurado na semana pelos professores Horário Frota e Andréa Luz, do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará (Uece), para esclarecerem que, ao contrário do que aqui informei, há sim um acompanhamento científico da cobertura dos jornais locais na recente campanha eleitoral de Fortaleza. O pior, pra mim, é que os dados relativos ao acompanhamento do que foi publicado nas páginas do O Povo e do Diário do Nordeste no primeiro turno já encontram-se disponíveis no mesmo site onde acessei as informações relacionadas ao comportamento da mídia na disputa paulistana – http://doxa.iuperj.br. O trabalho local será transformado em livro e brevemente, nas suas conclusões mais amplas e profundas, estará à disposição dos internautas no site do Observatório de Políticas Sociais, cujo endereço é www.politicasuece.com.br. Como algumas conclusões sobre o segundo turno em Fortaleza ainda estão sendo objeto de consolidação, pretendo trazer o resultado da análise do grupo de estudos da UECE quanto ao comportamento dos dois jornais locais durante a campanha fortalezense recém encerrada na coluna do próximo domingo, dia 21.’