‘No debate que se tem travado no nosso país sobre a independência dos media face ao poder político e económico, o nome do JN foi trazido à baila. Que me tenha apercebido, em nenhum momento foi questionada a orientação editorial deste jornal, nem o seu profissionalismo e independência. A razão do envolvimento deste diário nos comentários ficou a dever-se ao facto de pertencer a uma empresa que faz parte da Lusomundo Media, a qual integra o ‘universo’ PT.
Como é normal, ninguém gosta de se ver metido numa fogueira que não ateou. Mas uma vez lançado o nome na fogueira, a verdade é que alguma dúvida pode ter ficado a pairar. E, como quem não deve não teme, o melhor é clarificar as coisas perante os leitores.Dirigi, assim, uma mensagem sobre esta matéria ao director de Redacção do JN, José Leite Pereira, em que o questionava sobre as garantias que podem ser dadas de independência editorial quer face ao grupo a que o jornal pertence quer face ao poder político.
Para José Leite Pereira, ‘não há muito para reafirmar aos leitores quanto ao exercício da nossa liberdade’. E explica porquê: ‘Não há um único caso em que à direcção do JN tenha sido pedido para fazer isto e não aquilo, ou que tratasse determinado assunto de determinada maneira. E isto é verdade hoje, com Luís Delgado na presidência, como foi anteriormente, no tempo em que por aqui passaram os drs. Luciano Patrão, Maria Cândida Morais e Henrique Granadeiro – os presidentes com quem tive o gosto de trabalhar. É uma coisa óbvia, verificável diariamente no jornal que pomos na rua.’.
O Director de Redacção admite que, no exercício da actividade diária, haja inevitavelmente pressões: ‘de políticos, de autarcas, de dirigentes desportivos, de agentes económicos’. ‘Mas – faz notar – uma coisa é a nossa profissão poder ser sujeita a pressões e outra é os profissionais cederem a pressões’.
Admite que ‘a concentração de jornais pode ser, em si mesma, um problema’. Mas observa que ‘factos recentes permitiram que se desse voz a muitos ataques à Lusomundo, sem se cuidar de saber se algumas dessas vozes não tinham, elas próprias, outros interesses em vista’.
Ou seja, temos aqui uma posição clara sobre a atitude e o comportamento do JN que é tranquilizante registar. Temos, ao mesmo tempo, a advertência para o facto de algumas das posições lidas e ouvidas a propósito do grupo Lusomundo poderem ter por detrás movimentações de grande envergadura que se sabe estarem em curso no sentido de disputar a aquisição do grupo. Entendo que é positiva a clarificação dos vários interesses em presença, especialmente os dissimulados, embora isso não retire pertinência ao debate sobre as incidências da concentração mediática e da nova etapa que pode estar na forja.
O significado de uma ‘carta’
Aquando do recente depoimento na Alta Autoridade para a Comunicação Social, o ex-director do Diário de Notícias Fernando Lima terá afirmado, segundo relato até hoje não desmentido do Diário Económico e do Público do passado dia 5, que existia naquele jornal um ‘contrato de lealdade’. Nesse documento estaria previsto o ‘compromisso de ouvir a versão da PT, se esta assim o entendesse’, nas matérias noticiosas respeitantes ao grupo. Acrescentava ainda que ‘nenhuma notícia deixou de sair, nem nenhum jornalista foi condicionado’.
Pertencendo o JN à mesma empresa e dependendo da mesma Administração, a pergunta lógica era saber se neste jornal também vigorou ou vigora algum ‘contrato’ análogo. Isto na suposição de que seja verdade aquilo que alguns jornais publicaram (não o JN nem o DN).
Em resposta ao provedor, Leite Pereira confirma que existe, de facto, uma carta que ‘foi entregue por Henrique Granadeiro [ex-presidente executivo da Lusomundo, recentemente substituído] a todos os directores do grupo’. De resto, ‘ainda há dias, na Alta Autoridade, o presidente do grupo PT, Miguel Horta e Costa, se lhe referiu precisamente para atestar a sua não interferência em matérias editoriais’. Adianta que a carta ‘é, do ponto de vista legal, redundante, pois faz o sublinhado do que a lei estipula’. E explica, a seguir: ‘Entendo-a como uma atitude de cortesia de uma pessoa que, ao entrar na empresa, se afirmou publicamente como pertencendo a um partido – o PSD – mas que isso não significava vir servir o partido. O essencial da carta reafirma a prevalência dos critérios editoriais sobre qualquer outro, mesmo nos casos que digam respeito a assuntos do grupo PT. Quanto às afirmações de Fernando Lima, julgo que resultaram de alguma confusão. A carta formula o desejo de o signatário – Henrique Granadeiro – ser informado de assuntos que envolvam a PT. Nada de mais. Uma cortesia que se nos pede’.
Por sua vez, Alfredo Maia, do Conselho de Redacção (CR) do JN, órgão igualmente consultado pelo provedor, diz desconhecer que exista algo do género do que foi noticiado para o DN: ‘se existe, desconheço os seus termos. E se existe deveria ter sido explicado e discutido com a Redacção, através do respectivo CR’. E observa, a este propósito: ‘Se porventura o aludido ‘tratado’ representa a obrigação de a Direcção comunicar previamente à Empresa a eventualidade de publicação de notícias a esta relativas, não vislumbro a sua utilidade. Com efeito, está naturalmente prejudicada por uma das obrigações deontológicas essenciais em jornalismo – a audição das partes com interesses atendíveis. O cumprimento escrupuloso do Código Deontológico e a observância de outras regras essenciais dispensam pactos adicionais. Em todo o caso, esta é uma posição de princípio; não uma fuga à discussão, em concreto e à apreciação dos efeitos práticos daquele ou de outros instrumentos’.
Um código de ética da empresa?
Se bem interpreto, pois, o que se passou e se passa, temos assim, que:
. existe, de facto, uma carta, tipo declaração de intenções, de um ex-dirigente da empresa, Henrique Granadeiro, que terá pretendido explicitar o compromisso de não interferência na esfera editorial dos órgãos de comunicação do grupo;
. que, apesar de Henrique Granadeiro ter, entretanto, sido substituído, o teor do afirmado nessa carta continua a vigorar, uma vez que o presidente do grupo PT a invocou em declarações aquando da sua ida à Alta Autoridade;
. que, nas palavras do director de Redacção do JN, ‘não há nessa carta, nem nas linhas nem nas entrelinhas, nada que vise favorecer a posição da PT, nem tão pouco, a criação de um exame prévio’. (E, ‘para que não restem dúvidas’, Leite Pereira cita a parte final da carta: ‘Assumo formalmente o compromisso de nos casos em que porventura se verifique divergência de posição entre a Administração e a Direcção, respeitar a posição editorial que prevalecerá. A credibilidade dos órgãos de informação é um bem inestimável e insubordinável a quaisquer interesses e é sobre esta plataforma que a Administração conduzirá as suas relações com os responsáveis editoriais.’).
Como provedor dos leitores deste jornal, gostaria de sublinhar dois aspectos. Um deles é que com os elementos agora divulgados a situação se torna mais clara e se reforça o compromisso da independência editorial do JN. O outro aspecto é que a tal carta, agora evocada pelo presidente da PT, pode criar alguma entropia. Se, nas palavras de Leite Pereira, ‘faz o sublinhado do que a lei estipula’ e não é mais do que a exercitação do princípio do contraditório, não é apenas redundante, uma vez que discrimina positivamente a PT, um zelo que é susceptível de más interpretações.
Reconhecendo a valorização que, na Direcção deste jornal e na empresa a que pertence, se procura fazer da independência editorial – ‘um bem inestimável e insubordinável a quaisquer interesses’, como refere a tal carta – a sugestão que dou é que se elabore uma código de ética da empresa que torne públicos e assumidos esses e outros compromissos entendidos por relevantes.
Uma coisa é haver pressões, outra é ceder a essas pressões’