Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

José Carlos Abrantes

‘Há coisas que (não) se fazem. No filme O Homem Que Matou Liberty Valance, de John Ford (1962), um jornalista que se opõe a um grupo de salteadores vê o seu jornal saqueado e é agredido de forma brutal. O filme gira em torno de um jovem licenciado em Direito que tenta criar hábitos respeitadores de uma vida democrática, numa comunidade do Oeste americano.

Há coisas que se podem fazer de modo diferente. Corre, Lola, Corre, de Tom Tykwer (1998), conta a mesma história três vezes: uma jovem corre para salvar o namorado de apuros financeiros. Pequenos detalhes alteram o desenlace de cada uma das narrações. As coisas da vida podem sempre ser diferentes.

Estas duas memórias cinéfilas surgem a propósito de uma crónica de opinião de António Ribeiro Ferreira, publicada a 26 de Outubro. Este escrevia num post scriptum: ‘Um pide-estalinista vomitou algo na última página do Expresso sobre o autor destas linhas. É assunto para umas bengaladas.’ Um leitor que envia frequentemente observações e críticas, Nelson Henriques, diz num e-mail: ‘Os comentários de ARF de hoje, ‘É assunto para umas bengaladas’, depois de Luís Delgado ter sugerido o internamento de alguns críticos, não deixam dúvidas sobre o clima de caceteiros que hoje se vive a partir do DN.’ O momento delicado que o DN vive e o apelo à justiça directa levam-me a comentar um assunto de opinião, até agora ausente das crónicas. A resposta de António Ribeiro Ferreira ao pedido de explicação foi breve: ‘Solicito que informem o provedor que sou jornalista portador da carteira profissional n.º 231.’

O que quer dizer o conhecido jornalista? Será que pensa que a carteira profissional justifica tudo, até a defesa de uma justiça que se faz pelas próprias mãos? O Código Deontológico a que se referem os que têm carteira insere a seguinte disposição: ‘O jornalista obriga-se, antes de recolher declarações e imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas.’ Ora, se os jornalistas são obrigados a respeitar condições de serenidade, liberdade e responsabilidade nos outros, não deverão também exigi-las a si próprios?

Talvez tenha querido sobretudo sublinhar que o provedor não tem carteira profissional de jornalista. É verdade, mas tal será necessário para exercer esta função? No Estatuto do Provedor apenas consta que o director do jornal ‘indicará e nomeará uma personalidade de reconhecido prestígio, credibilidade e honestidade’. Ora, a função de provedor exige um olhar externo, regulador de conflitos de interesses entre os leitores e os jornalistas, mas também entre os jornalistas e as normas frágeis que regem as suas actividades. A carteira profissional, por mais importante e imprescindível que seja para a actividade jornalística, não é uma garantia imprescindível para esse olhar crítico externo, feito também pela incorporação da perspectiva do leitor e cidadão. Existindo o provedor, mediador entre o leitor e o jornalista, os comentários destes deveriam ser formulados de forma construtiva e aberta ao diálogo, o que em geral tem ocorrido. Mas não acontece neste seco comentário que nada explica. Talvez o post scriptum do texto seja apenas um modo de pôr os comentadores a escrever, incluindo o provedor. Se assim for, um sorriso pode aflorar aos nossos lábios. Mas um sorriso amargo, pois a justiça não deve ser feita pelas próprias mãos, e o DN, se quer desenvolver a imagem de um jornal de referência, não se pode permitir ousadias destas. Profissionais da escrita e do rigor, os jornalistas devem resolver os conflitos, internos e externos, com argumentos lógicos ou utilizando as vias legais. A animosidade excessiva e a má criação são a especialidade de outro tipo de escrita ‘estalinista’ e ‘pidesca’ sem argumentação, especializada no ataque ad hominem, mas que deveria ser banida da imprensa de referência. Pelo menos, do DN.

A ficção cinematográfica por onde comecei, embora longe do jornalismo, dá-nos elementos de outra verdade, estética e social, plena de elementos de reflexão sobre os problemas da vida. Por isso chamei hoje duas obras de referência que também nos podem ajudar a ver melhor e a melhor ponderar. Mesmo o jornalismo, mesmo a opinião.

Bloco-Notas

Palavras de administradores

O mesmo leitor [citado no texto principal] também refere o facto de Luís Delgado e Mário Bettencourt Resendes terem simultaneamente colunas de opinião nas páginas do jornal e serem seus administradores. Não será proibido nem condenável os administradores assinarem artigos de opinião. Mas noutras profissões considera-se que a acumulação de funções arrasta conflitos de interesses. Será o jornalismo excepção?

Falar da crise

É sempre difícil aos media falar da vida interna. O ombudsman da Folha de São Paulo escreveu há alguns meses uma crónica sobre o silenciamento que o seu jornal fez sobre despedimentos de jornalistas da Folha. Também a TVE deu bem pouca cobertura às críticas internas e à greve em curso na estação, durante a guerra do Iraque. Encontra-se agora em ‘remodelação’. Na recente crise do DN, as notícias no próprio jornal foram escassas, mas na quarta-feira, 27 de Outubro, uma página quase inteira foi dedicada ao assunto. Tal não impediu o último O Independente de sublinhar que ‘o Público deu uma página inteira ao assunto, o Diário de Notícias nem uma nota breve’. O título de uma das peças era: Clara Ferreira Alves recusou convite por falta de condições. A colunista, na crónica do Expresso de sábado, diz que todos os jornais, menos o Diário de Notícias, sabiam que havia sido convidada para directora. Será que o rigor é uma qualidade desejável, em Portugal?

As crónicas do provedor

Na saída da direcção chefiada por Fernando Lima, cabe-me informar os leitores:

1) Nunca recebi quaisquer indicações, pressões ou interferências na escrita das crónicas, nem quaisquer manifestações de desagrado, por parte da direcção, antes ou depois da sua publicação.

2) Foram escassas as reclamações dos leitores individuais sobre os conteúdos jornalísticos, como se pode ver pelas crónicas publicadas (a excepção foi o leitor que intervém na crónica de hoje). Partidos políticos, associações e instituições estiveram também quase silenciosos sobre a informação do jornal. Lembro que decorreram dois processos eleitorais neste curto período de provedoria: as eleições europeias e as eleições na Madeira e nos Açores. Só o Bloco de Esquerda enviou um protesto nas europeias mas apenas relativo a uma peça de uma jornalista, entre muitas. Trata-se de um resultado objectivo ligado à actividade do provedor, como mediador entre os leitores e o jornal

Escreva, comente, critique

Os leitores podem manifestar as suas opiniões sobre a informação do DN – enviando e-mail para provedor2004@dn.pt – ou escrevendo para Provedor dos Leitores – Diário de Notícias – Avenida da Liberdade, 266.’