Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Talita Figueiredo e Sérgio Rangel

‘Intelectuais, autoridades e políticos estiveram ontem à noite no velório de Celso Furtado, na sede da ABL (Academia Brasileira de Letras), que se tornou também um ato de solidariedade a Carlos Lessa, demitido na última quinta-feira da presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Depois de Rosa Freire D´Aguiar, viúva de Furtado, ele foi o mais cumprimentado no local.

Durante a tarde, em entrevista à Folha, Lessa disse ter pressentido a morte de Furtado. ‘Você sabe que hoje eu acordei chorando? Isso nunca aconteceu. Depois, minha pressão começou a subir [chegou a 16 por 10]. Parece que estava sentindo’, contou Lessa, 68, ao lamentar a morte do amigo de 42 anos, que apoiou sua indicação para o BNDES.

Com olhos marejados e voz embargada, Lessa afirmou que sua ligação com Furtado é ‘uma ligação de brasileiro’. ‘Você pode imaginar o que esse troço [a morte de Furtado] significa pra mim?’, perguntou.

‘Nós sonhamos sempre com a civilização brasileira. A coisa mais importante é que ele era um homem inteiramente voltado para fazer do Brasil uma nação justa. O fato de ser o economista de maior repercussão brasileiro no mundo, ter sido professor em todos os lugares, ter ajudado a construir teorias novas, tudo isso é acessório. O que é fundamental é que Celso Furtado amava este país.’

Lessa criticou a atual geração de economistas que, segundo ele, é ‘fascinada pela economia de mercado, por carreiras puramente financeiras’. ‘Celso sempre acreditou que o povo brasileiro seria capaz de fazer disto uma nação digna e civilizada. Lutou com todas as armas e foi exilado por isso. Ele sabia da importância do povo brasileiro, tanto que foi o primeiro economista a dizer que sem cultura não há identidade.’

O ex-presidente do BNDES confirmou ainda que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva telefonou para Furtado na quinta-feira, para explicar sua demissão.

Lessa chegou ao velório às 18h, acompanhado da mulher e de um enfermeiro. De muletas por causa de um problema no joelho, foi abraçado longamente pela viúva de Furtado, que chorou. Familiares do economista morto colocaram uma cadeira próxima do caixão para que ele se sentasse. A partir daí, começou a receber manifestações de solidariedade.

O líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante, levou o ex-presidente do BNDES para o jardim contíguo ao Salão dos Poetas Românticos, onde ocorria o velório. Os dois conversaram por quase meia hora. Lessa gesticulava muito e algumas vezes se exaltava.

Questionado, Mercadante disse que a demissão de Lessa não teve relação com o agravamento do estado de saúde de Furtado:

‘Estava conversando com a Rosa [viúva de Furtado]. Ela não vê nenhuma relação entre a saída do Lessa e a morte do Celso. Ele já estava com deficiência de saúde há algum tempo. Além disso, era um homem vivido politicamente, muito experiente. Foi ministro de Estado, atravessou tantos experiências e sabe como é a vida pública. Furtado nunca deixou de acreditar no projeto que o presidente Lula representa e demonstrou isso até o final da sua vida.’

Também conversaram com Lessa a economista Maria da Conceição Tavares, a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy (PT), e o marido, Luis Favre, os ministros Gilberto Gil (Cultura) e Jaques Wagner (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social), o economista e ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, o senador Saturnino Braga (PT-RJ) e o vice-presidente demissionário do BNDES, Darc Costa.

O prefeito eleito de São Paulo, José Serra, foi um dos últimos a chegar, quase às 21h. A viúva de Furtado também chorou ao cumprimentá-lo. Ele e Marta Suplicy se cumprimentaram com um aceno de cabeça e mais tarde, com um aperto de mão.’



Rubens Ricupero

‘Celso, o intelectual do outro Brasil’, copyright Folha de S. Paulo, 21/11/04

‘Quando morreu Bobbio, ‘La Stampa’, o jornal de sua cidade, Turim, encimou sua primeira página com a manchete ‘Morre Bobbio, o intelectual da outra Itália’. Havia no título três sentidos transparentemente ocultos. Bobbio era ‘o’, não ‘um’ intelectual dentre outros; sua Itália era ‘outra’, não só porque deixara de existir, passando a ser história, mas porque era melhor que essa que está aí.

Sob o choque de que perdemos Celso Furtado, imediatamente lembrei-me desse exemplo. Do mesmo modo que Bobbio em relação à frustrada esperança de vida política melhor para a Itália, Celso representou para nós, brasileiros, ‘a’ consciência moral e intelectual de um ‘outro’ Brasil, que acreditava na ‘fantasia organizada’ de construir, com autonomia, um desenvolvimento autêntico e justo. Sua morte põe simbolicamente fim aos 60 anos mais marcantes da história do Brasil desde a Segunda Guerra -não por acaso, ele foi um dos últimos pracinhas da FEB ainda ativos na vida pública.

Desse período, ele encarnou o melhor. Identificou-se com os governos Vargas, Kubitschek, Goulart, no que tiveram de mais nobre: o desenvolvimento como responsabilidade central do Estado, o planejamento como método racional para imprimir sentido e coerência ao trabalho dos milhões de atores anônimos da economia, a redução e a eliminação das disparidades regionais e sociais como condição de garantia de oportunidades iguais para a auto-realização de todos os brasileiros.

Nordestino de Pombal, no árido sertão paraibano, Celso se autodefinia pela paisagem natal -’eu sou como um cacto’-, mas era, na realidade, um homem de coração afetuoso e tocado pela poesia debaixo da áspera casca externa do sertanejo. Era também o mais universal, o mais ‘globalizado’ e traduzido dos brasileiros.

Nenhum outro deu contribuição comparável à ‘desconstrução’ do subdesenvolvimento, de início no Brasil, depois na América Latina e no mundo, como fenômeno histórico e estrutural de complexidade irredutível à caricatura simplificadora do neoliberalismo triunfante.

Primeiro na Cepal com Prebisch, mais tarde na Universidade de Paris como professor, construiu uma das obras intelectuais mais ricas e sutis no domínio do desenvolvimento. Bem antes da escola institucionalista, a ele deve-se muito da valorização original da cultura como essência do processo de desenvolvimento.

Em junho, quisemos homenageá-lo na inauguração da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) em São Paulo, na presença de Lula e Kofi Annan. Devido à saúde, Celso não pôde ir, mas enviou-nos algumas linhas que, segundo me disse ao telefone, eram sua (última) mensagem ao povo brasileiro, a condensação, no mais alto grau de pureza e essencialidade, de tudo em que creu.

Afirmava que ‘a dimensão política do processo de desenvolvimento é incontornável’ e que ‘o avanço social dos países que lideram esse processo não foi fruto de uma evolução automática e inercial, mas de pressões políticas da população’. São essas, lembrou, ‘que definem o perfil de uma sociedade, e não o valor mercantil da soma de bens e serviços por ela consumidos ou acumulados’.

‘O verdadeiro desenvolvimento -não o ‘crescimento econômico’ que resulta da mera modernização das elites- só pode existir ali onde houver um projeto social subjacente.’ E conclui: ‘É só quando prevalecem as forças que lutam pela efetiva melhoria das condições de vida da população que o crescimento se transforma em desenvolvimento.’

Se não quisermos que a história brasileira se converta em fantasia para sempre desfeita, construção definitivamente interrompida, temos de escutar a lição que nos deixa ao partir esse grande brasileiro, amigo querido, mestre incomparável, que não poderemos nunca mais, em seu pequeno e acolhedor apartamento parisiense, escutar, ao lado de Rosa, a quem abraçamos, Marisa e eu, com afeto comovido e inconsolável.

Rubens Ricupero foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco).’



Francisco de Oliveira

‘O maior economista foi um servidor da República’, copyright Folha de S. Paulo, 21/11/04

‘Celso Furtado nos deixou na manhã de ontem, sábado, 20 de novembro. A República ficou mais escura, menor, e nós todos órfãos, humilhados e ofendidos. Privados de sua lucidez incansável, de sua visão ampla e generosa, de sua fidelidade republicana e democrática sem paralelo na vida pública brasileira.

Furtado não foi apenas o maior economista brasileiro e latino-americano de todos os tempos e um dos grandes cientistas sociais de nosso tempo.

Para além disso, foi um servidor da República, um servidor do povo brasileiro, sem alardes, sem farisaísmos, sem declarações grandiloquentes. Se sua obra teórica faz parte da própria construção nacional, sem o que não nos reconhecemos, sua obra de servidor público, talvez com menor visibilidade, é um patrimônio da nação, que convida a nos debruçarmos sobre sua figura austera, numa república plagada de vícios patrimonialistas.

Nos últimos 50 anos, a discussão sobre o Brasil, seus problemas, suas potencialidades, seus impasses e dilemas passou necessariamente pela obra de Furtado, desde que empreendeu sua cruzada oferecendo uma alternativa de interpretação e de ação contra os liberais-autoritários de sua geração e, mais recentemente, contra os novos e falsos liberais. No fundo, os liberais brasileiros foram e continuam sendo disfarces de autoritários.

Nos anos 50, forneceu as bases para um programa nacional de desenvolvimento econômico, que plasmou o Plano de Metas de Kubistchek, com seu trabalho à frente do Grupo Mixto BNDE-Cepal, de que foi o arquiteto e líder insubstituível.

Ainda na mesma década, qual novo Quixote, montado no Rocinante da Razão, enfrentou os ‘industriais da seca’ e o latifúndio, tentando trazer o Nordeste para o século 20, engatando-o no desenvolvimento nacional, que então mostrava capacidade de resgatar todas nossas pesadas dívidas. Sua obra na Sudene é de uma revolução federativa de que a ciência social no Brasil ainda não avaliou sua profundidade.

Sua dignidade, que prescindia, e mais, se horrorizava com os procedimentos da auto-heroicização, é tão contundente frente aos padrões predominantes no Brasil que mal se pode acreditar.

Testemunhei de perto, nos fecundos cinco anos em que trabalhei sob sua liderança na Sudene, desde o gesto aparentemente insignificante de partilhar o mesmo quarto num hotel na Bahia, para não estimular gastos perdulários com o dinheiro público, até sua firme e decidida reprimenda ao golpista general Justino Alves Bastos.

Na tensa calma da tarde de 1º de abril, aquele obtuso soldado comandante do 4º Exército se queixou de que Furtado não havia colaborado no transe da tomada do poder pelos militares.

Ele respondeu sem bravatas que era um servidor público, e que o Exército não solicitasse sua colaboração, logo ele que foi oficial voluntário da FEB, para um golpe de Estado que havia destituído o governo legitimamente eleito, que repugnava às suas convicções republicanas.

Dali, seu nome saiu para a primeira e nefanda lista de cassações de direitos políticos.

Poucos cientistas sociais podem se orgulhar de terem visto suas idéias transformarem-se em força social e política; a obra de Furtado passou por essa dura prova da História. Contra ou a favor, ela exige que se tome posição a seu respeito.

Na sua hora final, que permanecerá indecifrável para todo o sempre, o paraibano de Pombal talvez tenha pensado com amargura no destino da nação à qual dedicou o melhor de suas forças e de seu talento. Nós, seus discípulos, continuaremos com nossa teimosia a dizer que nada foi em vão, que suas idéias continuarão a fecundar a inteligência brasileira e a ajudar nosso povo a conquistar os seus direitos. O futuro não será um amontoado de ruínas.’



Gilson Schwartz

‘Economista encarnou desenvolvimentismo’, copyright Folha de S. Paulo, 21/11/04

‘O bacharel em direito e doutor em economia pela Sorbonne Celso Furtado foi para as ciências sociais no Brasil uma espécie de contraponto acadêmico ao espírito da bossa nova: aplicação de conceitos avançados no exterior a temas essencialmente brasileiros, sobre um pano de fundo otimista e de aparente simplicidade. Furtado, como um Tom Jobim, viveu numa época em que ainda era lícito e confortável pensar e agir nos quadros de um Estado Nacional progressista.

O instrumental teórico importado, no caso de Furtado, era o keynesianismo ativista típico do pós-guerra (Furtado foi condecorado pela Força Expedicionária Brasileira, na qual lutou na Itália).

No mundo inteiro acreditava-se na viabilidade de políticas econômicas capazes de não só corrigir desequilíbrios ou evitar catástrofes mas, principalmente, aptas a moldar o futuro. Era a política de desenvolvimento econômico.

Furtado reinterpretou a história econômica brasileira como uma série de oportunidades de desenvolvimento catalisadas por um Estado em formação. A sua ‘Formação Econômica do Brasil’ (1959) -um dos mais importantes livros da história econômica do país- pode ser lida como uma história das possibilidades de intervenção racional do Estado no processo de desenvolvimento.

Mas o pano de fundo mais longínquo das fantasias históricas de Furtado tem origens mais remotas e que ultrapassam o registro do pensamento econômico. Furtado mostra, em seu ‘A Fantasia Organizada’ (1985), por exemplo, como se inspirou para a vida sobretudo na reconstrução européia, mistura de razão ressuscitada e existencialismo esperançoso. A história, dessa perspectiva, é sempre em primeiro lugar as séries de oportunidades para a realização de um projeto. Fundem-se numa mesma dimensão aspectos políticos e fantasiosos.

Seria tudo retórica e delírio, não fosse o fato nu e cru de a própria vida de Celso Furtado tornar-se emblemática da realização concreta dessas possibilidades políticas e emocionais. Furtado trabalhou com Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart. Materializou a Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), da qual foi o primeiro superintendente em 59.

Furtado se tornou afinal vítima de uma fúria ideológica nada amorosa, deslanchada pelo golpe de 1964. Foi cassado e exilado (viveu primeiro no Chile, depois nos EUA, onde foi professor).

Ainda assim, Furtado jamais conseguiria libertar-se da hipótese de uma razão de Estado, capaz de sobreviver e impor-se apesar dos inquilinos da máquina.

Assim, depois de tornar-se ministro da Cultura de José Sarney, Furtado ainda iria confessar-se surpreso com a degradação do Estado. Bateu-se também pela moratória da dívida nos anos 80. Foi duro crítico da era FHC. Embora apoiador de Lula, em 2003, recusou convite do governo para reformular a Sudene. Mas se Furtado sempre projetou no Estado sua paixão por uma sociedade mais arrazoada, a matriz da racionalidade vinha sempre de uma análise econômica ampliada ao ponto de tornar-se economia política e mesmo geopolítica.

Furtado condenou politicamente o marxismo-leninismo, mas acalentando na alma uma esperança tipicamente marxista de arrancar da sociedade os parâmetros de uma razão capaz de se encarnar no Estado. Mais hegeliano que marxista, Furtado denunciaria o distanciamento progressivo entre Estado e sociedade como fonte maior do turvamento histórico brasileiro. Em ‘Formação Econômica do Brasil’, volta repetidas vezes ao tema da socialização dos custos da expansão capitalista, reconstruindo a história econômica como uma épica ampliação de mercados que, como tendência, vão praticamente engendrando o Estado Nacional. Ao final, tem-se ao mesmo tempo o retrato de uma economia que se desenvolve por meio de ciclos mas que, ciclo após ciclo, acumula não só riqueza como também superestrutura institucional. Diante dessa arquitetura lógico-histórica fica pequeno, senão caricato, o debate chão e corriqueiro entre estatizantes e liberais.

O dilema que faz mais sentido na obra de Furtado não é entre Estado e sociedade, mas entre autonomia e dependência. Desenvolvimento é quase sinônimo de viver com menos apoio externo, encontrando no mercado interno o fôlego para avançar, seja qual for o grau de ‘estatização’ da economia. As possibilidades de intervenção do Estado não seriam portanto fruto de um mero voluntarismo mas sim desdobramentos sincrônicos de uma estrutura social capaz de acumular riqueza material e autonomia política.

Assim, o vazio não está no Estado, nem na sociedade, mas na incapacidade de uma economia encontrar em si o dínamo da acumulação. Esse sentimento de que a sociedade pode encontrar em si mesma a força e o espírito da construção e do progresso torna compreensível sua crença irredutível na possibilidade de reformar-se a sociedade, encontrando-se o seu projeto, a sua razão de ser. Para Furtado, uma sociedade em crise é quase sinônimo de oportunidade para a reconstrução da unidade. Uma unidade hoje tão perdida quanto a tranqüila simpatia intimista da bossa nova.’



Toni Marques, Vagner Ricardo, Flávio Freire e Ricardo Galhardo

‘O adeus ao pensador Celso Furtado’, copyright O Globo, 21/11/04

‘RIO e SÃO PAULO. O economista Celso Furtado morreu ontem em sua casa, aos 84 anos, vítima de colapso cardíaco. Ele conversava com a mulher, a jornalista Rosa Freire d’Aguiar Furtado, quando faleceu, pouco depois de ter falado ao telefone, entre 11h e 11h30m. Furtado foi o mais importante economista brasileiro e chegou a ter seu nome indicado ao Prêmio Nobel. Esteve entre os principais teóricos do desenvolvimento econômico no Brasil e na América Latina.

— Ele era um apaixonado pelo Brasil. Eu sempre brincava com ele, dizendo que, se eu tivesse de sentir ciúmes não seria de uma mulher, mas sim do país — disse a viúva.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva virá ao Rio esta manhã para se despedir do amigo. O economista será enterrado, às 11h, no mausoléu dos imortais da Academia Brasileira de Letras (ABL), para a qual fora eleito em 1997. O corpo começou a ser velado ontem mesmo na sede da ABL. À tarde e à noite, foi grande o movimento de familiares, amigos e personalidades do mundo político, econômico e cultural brasileiros, entre os quais a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy e o ministro Gilberto Gil.

Nascido em 1920 em Pombal, na Paraíba, Furtado formou-se em direito no Rio e tornou-se doutor em economia na Universidade de Paris, em 1948, com uma tese sobre o colonialismo brasileiro. Foi um dos fundadores da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em 1959, e ministro de Estado duas vezes. Em 1962, esteve à frente do Planejamento, no governo de João Goulart. Na redemocratização, foi ministro da Cultura de José Sarney.

Ideólogo de diferentes gerações de economistas brasileiros, Celso Furtado trabalhou até o fim da vida. Na sexta-feira, concluíra o prefácio do livro de um professor português. A economista Maria da Conceição Tavares foi uma das primeiras pessoas a chegar ao velório, acompanhada do senador Aloizio Mercadante (PT-SP). Muito emocionada, ela se desculpou por não conseguir falar sobre Furtado, a quem carinhosamente chamava de mestre.

Mercadante interrompeu reunião do PT para anunciar a morte

Em São Paulo, a tristeza se abateu sobre as 150 pessoas que participavam da reunião do diretório nacional do PT, quando Mercadante anunciou o falecimento do economista. A reunião mal começara, quando o senador foi avisado, por celular, sobre a morte de Celso Furtado. Imediatamente, os petistas fizeram um minuto de silêncio. Foi Mercadante quem deu a notícia a Lula, por telefone.

— Celso Furtado é um brasileiro marcado pela coerência, pelo compromisso com o desenvolvimentismo, de espírito público, gentileza no trato e também compromisso com a democracia — disse Mercadante.

Para o presidente nacional do PT, José Genoino, a vida de Furtado se confunde com a História do Brasil:

— Era uma referência para a nossa e as futuras gerações que lutam por um país desenvolvido, integrado e com soberania. O trabalho dele foi importante porque pregou a integração e a diminuição da disparidade entre as diferentes regiões do país.

Além da tristeza pela perda de um dos principais ideólogos do partido — amigo de Lula e companheiro de petistas que viveram no exílio em Paris durante a ditadura — a notícia provocou um certo constrangimento. Pouco antes de morrer, Furtado enviara um e-mail de solidariedade, tornado público ontem, ao ex-presidente do BNDES Carlos Lessa, dizendo ter tomado conhecimento da pressão ‘para levá-lo a abandonar os ideais que unem as nossas gerações’.

No Rio, Lessa disse que o país perdeu um brasileiro com B maiúsculo. Ele esteve no velório e lembrou que o amigo, mesmo obtendo sucesso internacional, nunca deixou de ser um sertanejo ou de sonhar com um Brasil mais justo. A morte de Celso Furtado foi lamentada por Gustavo Franco e Armínio Fraga, ex-presidentes do Banco Central. A governadora do Rio, Rosinha Matheus, decretou luto de três dias no estado.’