Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Elio Gaspari

‘Com a sua capacidade de complicar o que é simples e de fugir do que é complicado, o comissariado fabricou um falso problema: o da abertura dos arquivos da ditadura. A questão é falsa porque todos os arquivos são abertos e todos os arquivos são fechados. O grau de sigilo dos documentos públicos está demarcado por lei. Num atentado à história nacional, FFHH dobrou o tempo de segredo dos papéis confidenciais para 20 anos, prorrogáveis por mais 20. Um documento das privatizações de 1999 poderia ser liberado em 2019, ficou para 2039.

Um documento carimbado como ‘secreto’ hoje, só poderá ser liberado, em 2034, quem sabe em 2064. Se ele tem cem páginas, o segredo vale para todas, mesmo que o assunto secreto ocupe dois parágrafos.

Nesse pé, o governo será sempre acusado de usar o sigilo oficial para proteger torturadores, ladrões e privatas. A oposição ficará na posição de pedir a abertura dos arquivos, mesmo que não tenha interesse ou paciência para examiná-los.

A patuléia sustenta um Arquivo Nacional. É lá que devem ser guardados os documentos públicos. Não é necessário congelar documentos. Basta que a autoridade pública assuma a responsabilidade do que libera e do que divulga.

Um exemplo: em maio de 1971 o chefe da Central Intelligence Agency, Richard Helms, foi a uma comissão do Senado americano e depôs durante três horas sobre a ditadura brasileira. Meses depois, o Senado publicou os trabalhos da comissão e era a seguinte a íntegra do depoimento de Helms: ‘Censurado’.

Foi classificado como ‘Top Secret’. Pelo critério de FFHH, o depoimento de Helms só poderia ser conhecido em 2021.

Desde 1987, o Senado liberou cerca de 60 de suas 96 páginas. A CIA sabia que a bomba destinada a explodir o marechal Costa e Silva no Recife, en 1966, tinha saído da AP.

O ministro da Segurança Institucional de Lula, general Jorge Armando Félix, diz que as informações de documentos secretos podem ser usadas para constranger cidadãos. Radicalizando-se a formulação angélica do general, os arquivos podem ser usados para chantagear autoridades da República.

Bingo. Arquivo fechado produz chantagistas. Aquilo que o general enunciou como receio é um produto maligno da política que defende. Ele já viu elefante voar. Faz pouco tempo, soube que uma patrulha de investigação privada de crimes públicos estava mexendo no arquivo da Abin sem credencial, licença formalizada ou registro oficial de seus pedidos. Tirou-a do ar.

Foi com um arquivo blindado que o chefe do FBI, J. Edgar Hoover, intimidou os presidentes John Kennedy, Lyndon Johnson e Richard Nixon. O sujeito adorava detalhes da vida pessoal de artistas e políticos. Logo ele, que passava as férias com um amigo bem-apessoado. Chamava-se Clyde Tolson. Quando Robert Kennedy soube que Tolson passara por uma cirurgia, perguntou: ‘De que se trata, histerectomia?’’



Sílvia Corrêa e Rafael Cariello

‘PT aprova exigência de abertura dos arquivos da ditadura’, copyright Folha de S. Paulo, 21/11/04

‘O Diretório Nacional do PT aprovou ontem uma resolução exigindo do governo Luiz Inácio Lula da Silva, ‘com urgência’, a abertura dos arquivos da ditadura e a revisão do decreto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que prorrogou prazos para a liberação de documentos secretos.

Em texto votado pelo diretório -que será anexado à resolução final- o partido afirma entender ‘que há um consenso na sociedade civil quanto à necessidade de tornar público o teor desses arquivos’.

Diz ainda que ‘o PT se associa a essa exigência’, que ‘a abertura dos arquivos faz parte da agenda democrática do país’ e, portanto, ‘precisa ser tratada com responsabilidade e firmeza’.

A decisão foi tomada, diz a nota, por razões humanitárias e por tratar-se de uma ‘exigência da história’.

‘As famílias dos mortos e desaparecidos durante o regime militar têm o direito irrenunciável de conhecer os destinos ou informações que possam levar à localização dos restos mortais de seus entes queridos’, diz a nota. ‘Restabelecido o Estado Democrático de Direito, é um dever do Estado agir para que esse direito das famílias seja respeitado e efetivado.’

Além disso, continua o texto, ‘não há mais nenhuma razão histórica, jurídica ou política para que os arquivos continuem secretos’.

‘Se há algum impedimento legal para a sua abertura, que ele seja com urgência revisto e contornado por atos legais do governo ou do Congresso’, diz a nota.

O corregedor-geral da União, Waldir Pires, afirmou considerar o decreto de FHC inconstitucional.

Ele disse considerar ‘natural’ que alguns setores das Forças Armadas, segundo ele ‘não democráticos’, se contraponham à liberação, o que, no entanto, não deve impedi-la.

O ministro Ricardo Berzoini (Trabalho), ao ser questionado sobre possíveis resistências dos militares, declarou: ‘O comando é do presidente. Como cidadão, acredito que essa abertura é positiva’.’



Folha de S. Paulo

‘Arquivo será aberto na hora certa, diz Alencar’, copyright Folha de S. Paulo, 19/11/04

‘O vice-presidente da República e ministro da Defesa, José Alencar, disse ontem que, ‘no momento certo’, o governo federal vai dar condições aos familiares das vítimas da ditadura militar (1964-1985) para que conheçam os arquivos e registros sobre os acontecimentos da época.

‘As famílias têm o direito de conhecer que fim tiveram seus descendentes ou ancestrais, num momento de um regime de exceção’, disse Alencar, rapidamente, antes da abertura da 6ª Conferência de ministros da Defesa das três Américas, em Quito (Equador).

Na opinião de Alencar, que assumiu o cargo há apenas dez dias, ‘o Exército não tem nenhuma preocupação com isso [a abertura de documentos], porque se trata de um período da história que todo mundo conhece’. Ele, porém, ressalvou que a questão não é ‘necessariamente um assunto do Ministério da Defesa, é uma questão nacional, de governo’.

Acrescentou: ‘Não estamos aqui para criar crises, estamos aqui para resolver problemas, especialmente problemas sociais’.

Alencar não quis se manifestar sobre a revisão do valor das indenizações concedidas às vítimas e às suas famílias por perdas do passado: ‘Não conheço os números e, portanto, não posso ficar contra nem a favor’.

O vice tinha encontro marcado ontem com o presidente do Equador, Lucio Gutierrez. Sua volta ao Brasil está prevista para hoje, com saída de Quito às 17h (20h de Brasília), em avião da FAB (Força Aérea Brasileira).

Em entrevista à Folha, publicada no domingo passado, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Armando Félix, havia se manifestado contra a divulgação de dados sob o argumento de que exporiam principalmente os presos e os perseguidos da ditadura: ‘Não tem nada bonito ali’. Segundo Félix, ‘há dossiês que nos preocupam, porque tratam de pessoas em situações extremamente constrangedoras… Isso não é história, não vai fazer bem a ninguém. Se aparecer, só vai fazer mal à reputação das pessoas… Tem gente que naquela época estava na clandestinidade, tinha outra mulher e hoje não tem, está com a antiga. Se isso aparecer, você pode destruir uma família. Tem os companheiros que entregaram, está escrito ali’, declarou o general.

Comissão

Anteontem, o advogado Augustino Pedro Veit, 48, que vai assumir a presidência da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos na vaga deixada por João Luiz Duboc Pinaud, 74, afirmou que o fato de as vidas privadas de perseguidos e torturados virem a ser expostas não justifica a tese da não abertura dos documentos da ditadura militar. Esse tipo de papel, segundo ele, deve ser incinerado assim que aberto.

‘Eu acho, sim, que as vidas deles [perseguidos e torturados] estão documentadas. Isso, porém, não significa que os arquivos devam permanecer fechados’, afirma Veit, que deve ter a sua designação para o cargo publicada ainda nesta semana no ‘Diário Oficial’ da União.’



O Globo

‘Coronel: Lei da Anistia implica esquecimento’, copyright O Globo, 19/11/04

‘Embora tenha franqueado as unidades do Exército para visitas da comissão, o coronel João Fagundes deixou claro que não vê com bons olhos a abertura geral dos arquivos militares. Segundo ele, a Lei da Anistia implica em esquecimento. O coronel entende também que remexer o passado poderá ser desagradável também para setores da esquerda e não apenas para alguns militares.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Mário Heringer (PDT-MG), gostou de saber que as unidades do Exército estão franqueadas à Comissão de Desaparecidos.

Posição do Exército é um avanço, diz Heringer

Embora tenha dúvidas sobre a utilidade de eventuais documentos que estejam guardados, Heringer entende que posição do comando do Exército é um avanço, principalmente agora em meio à discussão sobre a abertura dos arquivos da ditadura.

– Vou conversar com o Augustino amanhã (hoje). Mas, desde já, isso é um excelente sinal – disse Heringer.

O deputado recebeu um relatório do Instituto Médico-Legal de Brasília sobre oito ossadas retiradas do cemitério de Xambioá, área da guerrilha do Araguaia, em 2001. Os peritos fizeram análises sobre a idade das ossadas, mas o laudo não diz se eram ou não de guerrilheiros.

– Esse laudo foi frustrante. Vamos pedir outro – disse o deputado.’