‘Além de agitar o setor cultural, a polêmica sobre o anteprojeto de lei que cria a Agência Nacional de Cinema e Audiovisual (Ancinav) atingiu em cheio também setores do próprio governo federal. O Ministério das Relações Exteriores e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), do Ministério da Fazenda, manifestaram oficialmente divergências ao texto elaborado pelo Ministério da Cultura.
Secretaria quer opinar sobre questões de mercado
Durante a consulta pública ao projeto, a Seae pediu por escrito que a Ancinav não fique com a competência exclusiva sobre assuntos de mercado e de defesa da concorrência no setor cultural. Esse tema é de competência do Ministério da Fazenda, o que já está previsto no projeto das agências reguladoras. Mas o anteprojeto da Ancinav dá todo poder à própria agência nos assuntos de defesa da concorrência.
Diante disso, a Seae aconselhou o Ministério da Cultura a incluir no texto previsão para que a secretaria seja consultada antes de qualquer ato da Ancinav a respeito de problemas de concorrência e mercado.
O Ministério das Relações Exteriores também fez reparos ao texto. Enviou à Cultura uma sugestão de que a atuação da Ancinav na área internacional não fique limitada ao órgão a ser criado. O Itamaraty pediu para ser ouvido antes de serem tomadas decisões sobre ‘aspectos externos’ ligados ao setor.
O subchefe de Análise de Políticas Governamentais da Casa Civil da Presidência, Luiz Alberto dos Santos, disse que todos os pontos serão discutidos com os ministérios.
Ontem, durante seminário ‘A Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav) e o fortalecimento da produção audiovisual brasileira’, realizado na Câmara, Manoel Rangel, assessor especial da Secretaria de Audiovisual do Ministério da Cultura, explicou a proposta do governo e admitiu que em alguns pontos houve polêmica entre representantes da sociedade civil que debateram o texto.
– O Comitê da Sociedade Civil trabalhou na revisão da minuta durante os últimos três meses. Foi um amplo processo de aprimoramento que, mesmo sem superar divergências, resulta num novo texto aperfeiçoado, que será submetido ao crivo do plenário do Conselho Superior do Cinema – disse Rangel.
Gil: marcos regulatórios devem ser consensuais
Ele apontou quatro questões que ainda deverão ser analisadas pelo Conselho Superior de Cinema (CSC), que reúne nove ministros, na reunião marcada para o dia 9 de dezembro. A primeira é sobre a criação de mecanismos de regulação da produção e distribuição de conteúdos audiovisuais. Outra questão refere-se à abrangência da Ancinav: se terá poderes para regular desde o cinema até os novos serviços de distribuição de conteúdos oferecidos pelas operadoras de telecomunicações.
Ainda terá que ser decidido pelo conselho como será o financiamento do setor. Algumas taxas foram reduzidas e outras eliminadas, como os 10% que seriam cobrados sobre os ingressos de cinema. Rangel disse que também há polêmica sobre a ênfase no apoio à empresa e à obra audiovisual brasileiras.
O ministro da Cultura, Gilberto Gil, que encerrou o seminário, reafirmou o desejo de debater o marco regulatório do setor e a criação da Ancinav. Ele destacou a participação de todos os setores.
– A adoção de instrumento regulatório não deve ser objeto puro e simples de voluntarismo governamental, ainda que os governos estejam incumbidos desta tarefa. Dada a complexidade, é de bom alvitre que a adoção de marcos regulatórios seja um consenso – disse Gil.’
Daniel Castro
‘‘Ancinav é ruim e feia’, diz dono da Band’, copyright Folha de S. Paulo, 22/11/04
‘Presidente da Abra (Associação Brasileira de Radiodifusores), entidade formada há um mês pelo SBT, Record, Band e Rede TV!, o empresário João Carlos Saad, 53, afirma que o setor de radiodifusão está sendo ‘extremamente atacado’ e que o projeto do governo de criar uma agência do audiovisual, a Ancinav, que engloba cinema e TV, é ‘ruim e feio’.
Saad é presidente do Grupo Bandeirantes de Comunicação. A Abra foi criada para defender os interesses de empresas que não se sentem representadas pela Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão).
A seguir, trechos de entrevista concedida por Saad à Folha.
Folha – Qual será a diferença da Abra para a Abert?
João Carlos Saad – A Abra nasce com o objetivo de ser uma organização muito mais aberta, mais democrática. Nós tentamos que houvesse um processo democrático na Abert, que hoje representa uma só televisão [a Globo].
Os objetivos são, primeiro, defender o setor, porque eu acho que a radiodifusão está sendo extremamente atacada. Não é um movimento isolado. Não vem de um setor, vem de vários setores. Vem de diversos ministérios.
Folha – Vem de ministérios e do Congresso Nacional?
Saad – Vem de ministérios, vem de projetos no Congresso, vem do Ministério da Justiça, que tem um projeto horroroso contra a radiodifusão [um termo de compromisso em que as TVs assumiriam limites na programação].
A Ancinav é negócio ruim e feio. Agora nós temos problemas com a Anatel, problemas com o Ministério das Comunicações. Querem enfraquecer o setor.
Folha – Por que?
Saad – Tem outros interesses que talvez a vã filosofia não alcance. Por que canais são transferidos para São Paulo? Será que tem alguém tendo vantagem? Será que tem alguém auferindo algum tipo de recompensa? É esquisito isso.
Nós deixamos rádio pirata e enchemos as empresas [legais] de impostos. Enfiamos goela abaixo horários eleitorais, campanhas políticas, tudo de graça. Depois não pode [propaganda de] cigarro, de advogado. Então, no fundo, nós estamos querendo o quê? Destruir? Destruir o único setor que dá entretenimento e informação grátis para a população?
Folha – A Ancinav é prioridade?
Saad – A Abra também vai se posicionar contra esse projeto ruim que o Ministério da Cultura fez. Aliás, eu queria saber o que o Ministério da Cultura está fazendo. Um bom jeito de disfarçar que a gente não está fazendo nada é atirar pedra na janela da casa do vizinho. É fazendo arruaça.
Porque com isso a gente não pergunta o que é que está sendo feito no Ministério da Cultura.
Folha – Por que o projeto da Ancinav é ruim e feio?
Saad – Primeiro, porque ele quer controlar os veículos todos. Por que vão controlar? Quem são essas pessoas que são melhores do que as outras? Acho que a sociedade se controla e o que a sociedade quer é pluralidade. Eu também quero como indivíduo. Não quero ficar escravo de uma única opinião ou de censores estáveis.
Folha – O que está por trás disso?
Saad – Eu sinto que as pessoas fazem discursos maravilhosos sobre a democracia, mas, na verdade, não gostam dela. É um sistema muito chato mesmo, mas é o menos ruim que a gente conhece. Mas tem gente que não gosta dele e por isso quer controlar tudo.
Folha – O sr. acha que não deveria haver classificação indicativa?
Saad – Não, eu acho que deve ter. Temos que tomar cuidado com criança. Precisamos definir o que é um horário até onde a criança deveria estar exposta e tomarmos todos os cuidados, dentro de uma auto-regulamentação. Depois desse horário, a culpa é dos pais.
Folha – Qual é o limite de horário ideal para crianças verem TV?
Saad – Até 21h, por aí.
Folha – De zero a dez que nota o sr. dá para o atual governo em relação aos meios de comunicação?
Saad – Acho que até aqui ele [o governo] não deu importância estratégica que deveria ter dado. Tanto é que já estamos no segundo ministro das Comunicações, e ele não é do PT. O ministério entrou numa negociação política.
Folha – Há omissão?
Saad – Eu acho. Nunca mais se discutiu TV digital. O governo tem que começar a organizar o setor. Nós temos que buscar um equilíbrio econômico. Temos distorções graves. A fusão da Sky com a DirecTV caminha para um monopólio no céu.
Folha – Por que a Globo tem 50% da audiência nacional e por volta de 80% do bolo publicitário da TV?
Saad – Essa é uma realidade de mercado. Temos distorções graves também na área publicitária. Acho que isso precisa ser enfrentado, porque existem dois lados que estão sendo lesados: os anunciantes, que estão pagando mais e levando menos, e os veículos, que teriam direito tecnicamente a essas verbas e não estão tendo.
Então, temos um problema na intermediação [nas agências de publicidade], que precisa ser estudado, analisado, questionado.
Folha – Nos últimos quatro anos a direção artística da Band mudou três vezes. Por que nada é muito duradouro nessa área na Band?
Saad – Eu não sinto isso não, apesar de ter tido mudanças. Tem mudanças com pessoas, mas as linhas mestras, estratégicas de programação, são as mesmas.
A Band tinha um erro no passado, que foi um exagero no esporte. Aí cometemos um segundo erro: fomos radicais demais e não tínhamos nenhum esporte. Aí a Band se propôs a se popularizar, se feminilizar, e vem dando passos nesse sentido. Às vezes acerta.’
O Estado de S. Paulo
‘Ancinav: secretaria apresenta proposta para coibir abusos’, copyright O Estado de S. Paulo, 19/11/04
‘A Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda quer que a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), cuja criação está sendo discutida pelo governo, incentive a elaboração de códigos de auto-regulamentação pelas associações de empresas das áreas cinematográfica e audiovisual. A auto-regulamentação para disciplinar abusos na liberdade de expressão, segundo a Seae, é a melhor forma de evitar censura. Uma das maiores críticas à proposta da Ancinav é que ela favorece o cerceamento à liberdade de expressão.’
Folha de S. Paulo
‘Governo federal decide investir R$ 200 mil em campanha para Ancinav’, copyright Folha de S. Paulo, 20/11/04
‘O governo federal decidiu investir R$ 200 mil numa campanha publicitária para promover a Ancinav, a polêmica nova agência do audiovisual, cuja criação encontra resistência em diversos setores da sociedade.
A campanha será desenvolvida majoritariamente no ano que vem, quando o projeto de criação da agência estará tramitando no Congresso Nacional.
A Secom (Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica) pretende ‘explicar’ e ‘divulgar’ o projeto elaborado pelo Ministério da Cultura, que dá lugar à atual Ancine (Agência do Cinema Nacional).
De acordo com o termo de cooperação técnica firmado entre o Ministério da Cultura e a Secom, publicado na edição de ontem do ‘Diário Oficial’ da União, serão realizadas ‘ações de publicidade de utilidade pública, compreendendo o estudo, a concepção, a execução e a distribuição de campanhas e peças avulsas e o desenvolvimento e a execução de ações promocionais e eventos, orientados para a explicação e divulgação do anteprojeto’.
As ações para divulgar a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual devem ter duração de um ano e serão constituídas, principalmente, pela distribuição de folhetos explicativos sobre o objetivo de criar a agência.
O texto inicial feito pela Cultura para a criação da agência foi tachado de autoritário por propor, em alguns de seus pontos, o controle da exibição do conteúdo cultural produzido.
O governo considera que tratou mal do tema, e a questão acabou sendo considerada da mesma forma que outras ações que foram classificadas de autoritárias. O exemplo de maior repercussão foi a proposta de criação do Conselho de Federal de Jornalismo.
Daí a necessidade de se ampliar o debate antes de enviar um texto final para o Congresso, o que, de acordo com o ministro Gilberto Gil (Cultura) e o secretário-executivo da pasta, Juca Ferreira, deverá ocorrer até o final deste ano.
O dinheiro da campanha virá de recursos do Ministério da Cultura reservados para ações de publicidade. O projeto ainda está na fase de debate com a sociedade e o Conselho Superior do Cinema.’
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‘Agência põe Brasil no século 21, diz ministério’, copyright Folha de S. Paulo, 22/11/04
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O secretário de Audiovisual, Orlando Senna, disse que a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual ‘atende a uma reiterada reivindicação dos profissionais da área e responde à necessidade de adequação da nossa legislação e da ação pública diante de novas e poderosas matrizes econômicas’. ‘Ao propor a criação da Ancinav, a intenção do governo é fazer com que o Brasil seja contemporâneo do século 21.’A Globo afirmou que fatura mais por ter audiência e qualidade. ‘Elas [as agências de publicidade] trabalham voltadas a um público-alvo específico e, neste aspecto, nossa participação é ainda maior em todos os segmentos. Vale registrar que, além da questão numérica, os anunciantes também levam em conta a qualidade da programação’, disse Luís Erlanger, diretor de comunicação.’