‘Resumo do capítulo anterior: O Jesus Cristo de Mel Gibson pode vir a enfrentar o Che Guevara de Walter Salles numa temporada de prêmios repleta de idiossincrasias e possibilidades inesperadas.
As características únicas desta temporada de Oscars, Globos e afins vão muito além da estranha disputa entre o Profeta da Galiléia e o Andarilho de Atacama. Removidas todas as peculiaridades arquivais que fazem a alegria dos oscarófilos de plantão, o realmente interessante destes rituais é o que eles revelam não apenas sobre as entranhas, a auto imagem (e a auto-estima) da mais poderosa indústria cultural do planeta, mas também sobre o imaginário coletivo que ela ao mesmo tempo nutre e bebe.
E eis o resumo da ópera este ano: mais até do que em outros momentos recentes de tensão (a primeira Guerra do Golfo, 11 de setembro) esta será uma temporada intensamente politizada. Algo que Hollywood de-tes-ta. Apesar de todas as provas em contrário, apesar da intensa mobilização partidária que envolve a comunidade especialmente em ano eleitoral, Hollywood acredita-se acima e além de paixões e convicções políticas, uma praticante isenta da diversão mais pura.
Mas na hora h das escolhas deste ano, na hora em que ela tem que mostrar ao mundo o que considera o creme de sua produção, Hollywood terá que lidar, por exemplo, com Fahrenheit 11 de setembro, que estará concorrendo não na reservada e discreta categoria ‘longa documentário’, mas nas ultra-visíveis categorias ‘principais’ (filme, diretor, etc).
A simples presença do filme de Michael Moore – e de Michael Moore, uma figura muito além do simples ‘controvertido’ para o establishment cinematográfico americano – deverá ser sentida como a de um elefante num salão repleto de bibelôs caros. Ele e seu filme são a antítese do que Oscars e companhia representam. Como Hollywood vai se comportar? Reconhecerá seu próprio mal-estar? Suas cores ideológcas e opções partidárias ficarão mais aparentes? Que tensões se acumularão pelos subterräneos das campanhas, que tensões acabarão sendo expressas diante das câmeras? (E lembrem-se de que o apresentador dos Oscars este ano é o desinibido Chris Rock…)
Somem a isso Che, Jesus, um Almodovar anti-clerical, a presença cada vez maior de filmes em outras línguas fora o inglês, a crise na Miramax, o arranca-toco entre a Pixar (que deve levar os prêmios de animação) e a combalida Disney, o endurecimento de uma complicada relação com a Casa Branca…
Eu, se fosse um editor de cultura organizando minhas edições dessa época em geral modorrenta (Festas! Férias! Carnaval!), prestaria bastante atenção à escalada dos prêmios desta temporada, olhando além do horizonte do quem-vai-ganhar e procurando sinais do desconforto de uma América dividida nas escolhas de seus oráculos hollywoodianos.
Sempre tive a impressão de que os melhores momentos do bom jornalismo de cultura são aqueles que conseguem perfurar a bolha dourada da banalidade para perceber, em seu interior, o pulsar vivo da história. Este pode ser um deles.’
UM FILME POR DIA
‘Um filme por dia’, copyright Folha de S. Paulo, 20/11/04
‘RIO DE JANEIRO – Antônio Augusto Moniz Vianna, ou mais simplesmente Moniz Vianna, foi mestre, guru e, como hoje se diz, ícone de toda uma geração, não apenas em matéria de cinema mas de cultura em geral.
Médico e baiano, durante anos foi o crítico de cinema mais influente e antológico, dividindo o pódio com Paulo Emílio, aí em São Paulo. Com a saída de Luiz Alberto Bahia, foi redator-chefe do ‘Correio da Manhã’, promoveu dois festivais internacionais de cinema aqui no Rio, trazendo Fritz Lang, Vincent Minelli, Roman Polanski, Marco Bellochio e outros cobras para os eventos.
Após resistências pessoais, acaba de lançar ‘Um Filme por Dia’, coletânea de artigos organizada por Ruy Castro, um de seus dois maiores devotos -o outro sou eu.
Entrevistou os cineastas que adorava, René Clair e John Ford, sendo que este último era o seu ‘nec plus ultra’ em matéria de cinema. Também adorava Murnau, Carné, Fellini e Buñuel. E era adorado por um grupo de jovens que viviam em torno dele, que se realizariam no cinema ou na crítica: Maurício Gomes Leite, Sergio Augusto, Walter Lima Júnior, José Lino Grünewald, Paulo Perdigão, Jorge Illeli, Walter Hugo Khouri, Ely Azeredo, Valério Andrade, José Sanz, Décio Vieira Ottoni, Salvyano Cavalcanti de Paiva -um batalhão.
Escreve bem. Gosto de citar o final do artigo sobre ‘Sete Mulheres’, talvez o único filme de Ford de que ele não gostou muito. Após as restrições feitas, Moniz descreve as últimas cenas daquele filme, com os cortes clássicos do seu mestre preferido. E termina com uma tirada de gênio: ‘A câmara se afasta. Não importa. Atrás dela está John Ford’.
A única mancada que deu foi, com a cumplicidade de Fuad Attala, ter promovido a cronista um obscuro redator daquele jornal, um cara que até hoje entope a paciência e atenta contra o bom gosto dos leitores aqui na Folha. Ninguém é perfeito.
ANITA NA TELONA
‘Minissérie ‘Presença de Anita’ vira filme’, copyright Folha de S. Paulo, 18/11/04
‘Sucesso de audiência e repercussão em 2001, a minissérie ‘Presença de Anita’ (Globo) vai ser transformada em longa-metragem. Será a estréia no cinema de Manoel Carlos, 71, do time VIP de teledramaturgia da emissora.
O autor elabora a adaptação do roteiro e, na semana passada, convidou Daniel Filho (‘A Partilha’ e ‘A Dona da História’) para a direção e produção. Ouviu um ‘sim’, o que alavanca o início da pré-produção. A previsão é de filmar no próximo ano e lançar no início da 2006. Segundo Maneco, a principal diferença em relação à série é que o longa será de época.
A história foi adaptada do romance homônimo escrito por Mário Donato em 1948. Com tom ‘caliente’, o livro criou tanta polêmica -a Igreja Católica chegou a proibir que fiéis o lessem-, que acabou virando um best-seller.
‘Para a televisão, achei melhor trazer para os tempos atuais. No cinema, usarei praticamente o mesmo período do original, o final da Segunda Guerra Mundial, ou, no máximo, início dos anos 50’, disse à Folha o escritor, que também irá lançar uma peça de teatro, um livro de poesia e tem planos para uma nova novela e minissérie.
Anterior ao clássico contemporâneo ‘Lolita’ (1955), de Vladimir Nabokov, ‘Presença de Anita’ narra o envolvimento de uma ninfeta com um homem mais velho e casado. Na TV, não faltaram cenas picantes do casal, protagonizado pela estreante Mel Lisboa e pelo galã noveleiro José Mayer.
À época, Maneco fez questão de que a intérprete de Anita fosse iniciante. Queria que levasse apenas a marca da personagem. Para o cinema, repetirá a experiência. ‘Eu gostaria muito que o José Mayer pudesse fazer no filme o mesmo papel. Mas, para a Anita, quero novamente uma atriz absolutamente desconhecida’, afirma.
Bissexualismo
Contratado da Globo até 2008, Maneco (‘Laços de Família’, ‘Mulheres Apaixonadas’) também reúne as primeiras idéias para sua próxima novela. Sua intenção seria entrar no ar após a sucessora de ‘América’, de Glória Perez, que estréia em março de 2005 no lugar de ‘Senhora do Destino’. ‘Pode ser que a Globo me chame para entrar logo após ‘América’, no final do próximo ano. Estou à disposição. Mas seria melhor que fosse depois, assim teria mais tempo para me dedicar ao filme e a outros projetos’, diz.
Conhecido por inserir polêmicas nas tramas, planeja criar um personagem bissexual e abordar a Aids. ‘Em ‘Por Amor’ [97/98], havia um homem casado [interpretado por Odilon Wagner] com uma mulher que tinha um caso com um garoto. Não sei por que não houve muita repercussão.’
Maneco, que colocou duas lésbicas em ‘Mulheres Apaixonadas’ (2003), diz ter decidido retomar o tema por considerar o ‘bissexualismo mais atraente do que o homossexualismo como argumento’. ‘É grande o número de bissexuais que vivem com suas mulheres e filhos, ou de mulheres que vivem com seus maridos.’
Sobre a Aids, ele afirma que ‘parece que as pessoas se esqueceram de que existe a doença ou pensam que a cura foi descoberta’. ‘Há uma grande onda de contaminação, que não está mais nas primeiras páginas dos jornais.’
Série e teatro
Faz parte ainda de seus planos adaptar na Globo uma série escrita por ele para a Manchete, em 1984. Na extinta TV, ‘Viver a Vida’ foi ao ar com 25 capítulos e, para a nova versão, a intenção é aumentar para 60. A história de um rapaz que quer subir na vida foi inspirada no livro ‘Uma Tragédia Americana’ (Theodore Dreiser), no filme ‘Um Lugar ao Sol’ (George Stevens) e na novela ‘Selva de Pedra’ (Janete Clair).
Fora cinema e TV, Maneco acaba de acertar a montagem de uma peça de sua autoria. ‘Off’, sobre o encontro de uma atriz decadente com um crítico que sempre falou mal dela, terá no elenco Natália Thimberg e Paulo César Pereio, com produção de Montenegro & Raman e direção de Mona Lazar.
O autor negocia ainda o relançamento de seu livro de poesias, ‘O Bicho Alado’, lançado pela Nova Fronteira em 1983.’
VIOLÊNCIA EM GAME
‘San Andreas, onde o crime compensa’, copyright O Estado de S. Paulo, 17/11/04
‘Carl Johnson está de volta à cidade natal, depois de uma ausência de cinco anos. O cenário que encontra pela frente é assustador: a mãe foi assassinada, os parentes expulsos de suas casas por bandidos e policiais corruptos e o bairro transformado num antro de prostituição e tráfico de drogas, onde cada esquina é disputada à bala por quadrilhas rivais. A missão de Carl Johnson é vingar-se dos assassinos da mãe e varrer das ruas a orda de criminosos.
Poderia ser um roteiro de Hollywood não fosse um pequeno detalhe: ‘CJ’ é o personagem principal de Grand Theft Auto: San Andreas, o mais polêmico e o mais lucrativo game já produzido pela chamada indústria do software de lazer e entretenimento, um segmento que vai fechar 2004 com um faturamento recorde de US$ 30 bilhões. A saga do herói vingador chegou ao mercado há menos de um mês e já vendeu mais de 4 milhões de cópias – um milhão delas apenas na semana de lançamento, na Inglaterra. A previsão é de que as vendas mundiais superem a marca de 15 milhões de unidades – um número, de certa forma, até conservador.
San Andreas, é o terceiro título da série Grand Theft Auto, uma mina de ouro para os seus criadores, a inglesa Rockstar Games (www.rockstargames.com). Antes dele vieram Liberty City, em 97, e Vice City, em 2002. O primeiro rendeu o equivalente a US$ 200 milhões. O segundo, vendeu 12 milhões de cópias e faturou algo em torno de US$ 500 milhões, de acordo com os números da Entertainment and Leisure Software Publishers Association. Nada mal, se comparado aos US$ 450 milhões arrecadados em todo o mundo por Matrix, o Filme.
Mas Grand Theft Auto não é apenas o game mais vendido no mundo. É também o mais violento já produzido em todos os tempos. Não é por acaso que San Andreas chega ao mercado com um selo com a letra ‘M’ (de mature, em inglês) em destaque, o que significa dizer que o jogo é desaconselhável para menores de 18 anos e que sua exposição no mercado varejista estará sujeita a uma série de restrições.
San Andreas possui cerca de 150 horas inteiramente dedicadas ao crime. Para cumprir a missâo, Carl Johnson vai roubar carros sofisticados e armas pesadas, assaltar postos de gasolina, invadir casas, requisitar os serviços de prostitutas de luxo, atropelar pedestres em calçadas e, principalmente, atirar contra qualquer um que cruzar o seu caminho. E vai fazer tudo isso com a ajuda de cada um dos 15 milhões de compradores do game. Afinal, CJ possui poderes e liberdade para fazer o que quiser, mas quem decide os seus passos é o usuário com o joystick nas mãos.
A exemplo do que ocorreu com as versões anteriores, várias ações na Justiça americana tentam barrar os planos da Rockstar e sustar a venda de Grand Theft Auto: San Andreas, com os mais diversos argumentos, entre os quais o de que o game faz apologia ao crime e estimula o ódio e a violência sem discriminação, mas com indisfarçável preferência por policiais armados. Nem mesmo o fato de o jogo ser destinado a maiores de 18 anos diminui a ira dos seus opositores, já que o console para o qual foi criado, o PlayStation 2, da Sony, é utilizado majoritariamente por crianças e adolescentes.
A polêmica era esperada e de certa forma os marqueteiros da Rockstar Games contavam com ela para impulsionar as vendas de San Andreas. Por enquanto, a única ameaça concreta vem da internet, onde já circulam versões integrais do game, com emuladores quem permitem a qualquer um bancar o CJ em qualquer videogame ou no próprio computador. Nesse ponto, pelo menos, os fabricantes de softwares de lazer e entretenimento encontram-se na mesma encruzilhada da indústria cinematográfica, embora com menos cacife para denunciar supostas práticas criminosas.
NOTÍCIAS NO CINEMA
Demorou, mas chegou a hora. A MPAA, a sigla que reúne a bilionária indústria cinematográfica dos Estados Unidos, decidiu desencadear uma ofensiva judicial contra o download ilegal de filmes pela internet, seguindo a mesma estratégia adotada pelas grandes gravadoras. A primeira leva de processos estava prevista para chegar ontem ao tribunais, abrindo oficialmente a temporada de caça. De acordo com um comunicado oficial da MPAA (www.mpaa.org), trata-se de uma postura preventiva para evitar que aconteça com os filmes a sangria que colocou de joelhos a indústria fonográfica.
Os estúdios alegam que a disseminação de cópias piratas pela web só não é maior pelo tempo de download de um filme, entre 3 horas e 6 horas, segundo os cálculos da própria MPAA. ‘Precisamos agir desde já, pois num futuro não tão distante, baixar um filme pela internet será uma operação que não levará mais do que 10 segundos’, acentua o comunicado.
Dez segundos para baixar 1,5 Gigabytes? Não deixa de ser uma boa notícia, não é mesmo?’