‘O resultado do inquérito é a melhor resposta para aqueles que intrigam, que mentem, que se baseiam em boatos e que procuram jogar o povo contra o Exército. Enfim, uma resposta aos irresponsáveis e aos nazistas-vermelhos.’
Com estas palavras o comandante do II Exército, general Ednardo D’Avila Neto, anunciou o encerramento e a remessa à 2ª Circunscrição Militar no inquérito policial-militar (2 volumes, 345 páginas) instaurado para ‘apurar as causas do suicídio do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do DOI’.
Na última sexta-feira os jornais receberam as conclusões da apuração que foi presidida pelo General Cerqueira Lima. Publicaram-nas no sábado, na azafama das compras de Natal, e mesmo aqueles que por ocasião da morte do jornalista minimizaram o caso o fizeram agora na íntegra. Como não poderia deixar de ser, a partir da própria designação formal do IPM ficou concluído que Herzog suicidou-se por enforcamento.
CQD – como queria se demonstrar.
O assunto está encerrado na área militar. E aberto à capacidade investigativa e ao espírito inconformado do jornalista brasileiro.
Herzog, caso encerrado Nota publicada na coluna ‘Jornal dos Jornais’ da Folha de S. Paulo de domingo, 28/12/1975
Por mais incrível que pareça, nenhum dos grandes jornais brasileiros, seja em editorial ou em reportagem, dispôs-se a questionar as conclusões do IPM sobre a morte de Vladimir Herzog. Apenas esta Folha de S.Paulo, em artigo assinado na página de opinião da edição de terça-feira, ousou tratar do assunto, colocando em dúvida a validade de um inquérito que, a partir da sua própria designação oficial, continha uma premissa que condenava sua isenção.
Diga-se de passagem, os encarregados de divulgar o inquérito tiveram um raro senso de oportunidade, escolhendo a melhor ocasião para que o assunto se auto-abafasse, esvaindo-se naturalmente. O último sábado antes do Natal – os jornais lotados de publicidade, preocupados em antecipar a impressão dos cadernos de domingo e as pessoas em geral, inclusive jornalistas, dominadas pela compulsão das compras e pela apatia que transborda dos festejos obrigatórios – é a melhor ocasião para publicar algo que não se quer discutir.
Com a grande imprensa sem ânimo, pelo menos por dever de ofício, para checar alguns pontos mais flagrantemente controversos e frágeis do inquérito (ex: a confusão propositada entre tratamento psiquiátrico que se aplica a pessoas com desequilíbrios e a psicoterapia a que são submetidas quaisquer pessoas, inclusive militares) e a pequena imprensa censurada, ficou a opinião pública sem condutos para expressar suas dúvidas.
Curiosamente, O Estado de S. Paulo, na mesma edição de sábado em que se publicava a íntegra do inquérito, teve tempo e disposição para inserir uma nota, ‘A Bem da Verdade’, em que o matutino contesta energicamente certas informações do inquérito que lhe diziam diretamente respeito e maculavam sua tradicional entonação liberal. Esta nota foi até transmitida para o Rio e publicada pelo Jornal do Brasil. Mas não houve a mesma energia para fazer outros reparos ao relatório.
Todos os grandes jornais publicaram a íntegra do trabalho, mesmo aqueles que na ocasião da morte de Herzog minimizaram o caso. O Jornal do Brasil foi o que melhor editou o material, sendo, inclusive, o único a publicar a foto oficial do corpo do jornalista pendurado na grade da janela. Ficou-se sem saber se a intenção deste esmero gráfico era facilitar a leitura para ressaltar os pontos altos do inquérito ou suas deficiências. Já os jornais de São Paulo publicaram o trabalho sem nenhum entusiasmo visual, em corpo seis.
Outra curiosidade: neste mesmo sábado em que se publicavam as conclusões do IPM-Herzog, era divulgada a lista de trocas de comando no II Exército. Ficamos sabendo assim que o coronel José Barros Paes, chefe da Segunda Seção do Estado-Maior do II Exército, a quem o DOI está diretamente subordinado, será transferido para Campo Grande, Mato Grosso, onde, já a partir de 2 de janeiro, chefiará a 9ª Região Militar.
Assim, com a cumplicidade silenciosa da imprensa brasileira, está consagrada a tese de que Vladimir Herzog praticou ‘suicídio voluntário por enforcamento’. Caso encerrado.