Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Zuenir Ventura

‘Num lugar, você lê que daqui a pouco talvez se possa chegar aos 100 anos de idade em boa forma e com grande disposição. Isso evidentemente, se o mundo não acabar antes. Aliás, não sei nem se é vantagem tanta longevidade, porque do jeito que as coisas vão, tem hora que dá vontade de mandar parar para descer antes. Ou então pedir para dar aquela congelada e só voltar daqui a uns 50 anos, quando não houver mais tanta baixaria (o problema é que não adianta, há males que sempre duram).

Em outro lugar, aprende-se que, ao contrário, é inútil se precaver: tudo aquilo que você fez por recomendação médica para manter sua saúde – testes, exames preventivos, controle, revisão – não tem mais o menor valor, ou melhor, pode até ter, mas pode também não ter, o que aumenta sua insegurança. Segundo a repórter Laura Capriglione, da ‘Folha’, ‘o check-up está em xeque. O questionamento vem do país que o inventou’.

Ela conta que médicos e estatísticos americanos, numa operação conjugada e cruzando dados, chegaram a algumas conclusões desanimadoras. Por exemplo, são de eficácia relativa para detectar muitos tipos de câncer todos aqueles aparelhos mágicos, aquela parafernália tecnológica a que a gente se submete regularmente: ultra-sonografia, raio-X, tomografia computadorizada, eletrocardiograma.

Utilizando uma tabela de notas, a agência americana especializada em cuidados com a saúde analisou sete tipos de avaliação e destes só dois obtiveram ‘A’, o maior conceito, já que ‘os benefícios superam substancialmente os danos’: o exame Papanicolau, que detecta o câncer do colo de útero, e a medição de pressão arterial. A mamografia recebeu nota mais baixa, ‘B’, e o exame clínico e o auto-exame, ambos de mama, se saíram pior ainda: tiveram ‘I’. Esta mesma nota recebeu o conjunto de tomografia computadorizada, raio-X de tórax, análise de escarro para detectar o câncer de pulmão. Dois outros exames com máquinas tiveram nota ‘D’: a ultra-sonografia transvaginal para detectar o câncer de ovário e o conjunto de eletrocardiograma de repouso, teste ergométrico ou tomografia computadorizada para doenças coronárias.

No que diz respeito à ameaça que mais nos persegue a nós, velhos varões, o do câncer de próstata, o resultado é muito ruim; a nota é ‘I’, com a explicação de que as evidências são ‘insuficientes para recomendar ou contra-indicar o exame de rotina’. Que dizer: todas aquelas coisas desagradáveis que só poupam os jovens não adiantam muito. Deixo aqui o meu protesto.

De tudo o que os médicos me obrigaram a fazer para não ser surpreendido por uma doença, só lamento mesmo ter-me submetido passivamente (com e sem trocadilho) a esse procedimento médico medieval, tão desconfortável para o homem – para mim, pelo menos. Como tem senhoras na sala, usarei um eufemismo bem moderno para nomeá-lo: a inclusão digital (digital, vocês sabem, vem de dedo). Quem já sofreu e não se acostumou, não fez a opção preferencial, deve concordar comigo. Ou não?

De minha parte, da próxima vez, quando o dr. Paulo calçar a luva e mandar eu virar, direi com o recorte do jornal na mão: ‘Aqui, ó, no meu não mais!’.’



LEITOR & HUMOR
Tutty Vasques

‘Leitor também é gente, tá?!’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 27/11/04

‘Era para ser segredo meu – não devia contar aqui o truque que desenvolvi nesses quase cinco anos de militância no webjornalismo, e que ultimamente tem se mostrado infalível para amansar leitores bravos, especialmente os muito bravos. Leitores, como se sabe, ficam bravos à toa e, nessas ocasiões, têm o hábito de escrever aos colunistas, revidando. ‘Não sei como um cretino estúpido como você…’, vai daí pra baixo. Ler deve ser mesmo uma coisa revoltante para quem procura nos jornais suas idéias assinadas por Luis Fernando Verissimo, Mïllôr Fernandes, Zuenir Ventura… Leitor gosta de quem escreve o que ele pensa. Quando esse processo de identificação enfim se completa, ele começa a desconfiar que tem gente na imprensa ganhando dinheiro com suas idéias. Já houve, inclusive, uma dona que entrou na Justiça contra o Artur Xexéo, acusando o jornalista de ler a mente dela.

Todos nós, os metidos a cronista em especial, recebemos volta e meia descomposturas de lascar. São missivas agressivas, desrespeitosas, desbocadas e desafiadoras, com nível de ofensa pessoal só comparável às brigas de trânsito nas grandes cidades brasileiras. Recomenda-se nesses casos não responder na mesma moeda, sob risco de não ter mais tempo para nada na vida senão bater boca com leitores. Melhor ignorar, ensinam os mestres. Deletei sabe Deus quantos e-mails furibundos nesses últimos anos, até que há cerca de mês e meio uma idéia me veio à cabeça ao abrir a mensagem de Victor Tavares: ‘E aí, paspalhão!!! Parece que é vesgo!!! Só enxerga de um lado!!! Vai te catar seu preconceituoso, energúmeno, racista e picareta verbal…’ A saraivada de adjetivos não parava por aí: ‘idiota’, ‘ignorante’, ‘estúpido’, ‘imbecil’, ‘enganador’, ‘arrogante’, tudo por causa de uma bobagem qualquer que escrevi sobre a popularidade de Felipão nos paraísos fiscais quando Portugal empatou com Liechtenstein.

Decidi, então, responder, só que – eis o truque -, em vez de ofendido, mostrei-me agradecido pela ‘crítica construtiva’: ‘Valeu, vou pensar no que você disse. Tutty’. Dia seguinte, a cólera passou: ‘Recebi a mensagem nesta data e agradeço. Sendo o caso, em breve será enviada a resposta ao seu e-mail. Victor’. Ainda que o automatismo da resposta não tenha dado muito sentido às coisas que o leitor diz, é impressionante que Victor não tenha se manifestado com palavrões ou bravatas por causa de um instante de atenção, ainda que cínica, que a ele dispensei. A sensação de que o leitor indignado é, além de escritor frustrado, um carente em crise de solidão confirmou-se esta semana com a troca de mensagens que mantive com Rosana Silva, funcionária da Prefeitura de São Paulo, como se via em seu endereço eletrônico:

De: Rosana Silva

Para: Tutty Vasques

Assunto: Preste Atenção!!!

Com relação ao filme que supostamente seria rodado tendo a frente a Luma de Oliveira, esta faria o papel que foi interpretado, no filme original, por Sônia Braga e não, como você escreveu, que a Luma faria o papel de Sônia Braga… Se liga topeira (sic) e vê se escreve direito da próxima vez… Estamos de olho!!!

De: Tutty Vasques

Para: Rosa Silva

Assunto: Re: Preste Atenção!!!

Muito inteligente a sua observação. Vou prestar mais atenção na próxima vez. Abraços a todos aí da Prefeitura. Tutty

De: Rosana Silva

Para: Tutty Vasques

Assunto: Re: Re: Preste Atenção!!!

Puxa!! Nunca imaginei que você fosse responder meu e-mail !!! Ficamos seus fãs, eu e o pessoal aqui da Prefeitura. Um beijão!!!

Não é inacreditável? O leitor – quem diria! – é um ser humano como outro qualquer. Por trás dessas criaturas que não gostam de nada, o espírito de porco não resiste a um carinho na barriga. É possível até que, depois de revelado, o truque já não funcione, mas esse é o lado dramático do cronista na relação com o leitor: não há como guardar segredos quando te cobram uma boa história a todo instante que a falta de assunto paralisa o país.’



ECOS DE MENGELE
Ana Flor e Andréa Michael

‘Para alemão, mídia mentiu sobre o nazismo’, copyright Folha de S. Paulo, 28/11/04

‘Num dos ensaios mais abrangentes encontrados entre os pertences de Josef Mengele, o médico nazista relaciona a dissolução cultural -em marcha, segundo ele, no final dos anos 60- aos meios de comunicação de massa, que seriam ‘as verdadeiras e prováveis causas dos sintomas e misérias do nosso tempo’. Para Mengele, as informações e idéias que os meios de comunicação divulgavam sobre o nazismo eram uma ‘propaganda inacreditável’.

Sem escrever a palavra ‘judeu’, atribui a esse povo a responsabilidade pelo ‘espírito perverso’ que seria criado na sociedade pelos meios de comunicação de massa. Os judeus eram, para Mengele, os controladores da mídia.

O texto, apesar de apresentado em forma de uma carta ao amigo Wolfgang Gerhard, é escrito em terceira pessoa e dirigido a um leitor imaginário, o que indica a tentativa de produzir um ensaio, não só uma correspondência.

Segundo Mengele, ‘todas as comunicações, no sentido mais amplo da palavra, que nos alcançam são filtradas, recortadas, tingidas, aumentadas e, em parte não insignificante, inverídicas’. Haveria, segundo ele, ‘esforços para evitar a informação de fatos puros, assim como a igreja proíbe ao leigo de ler a Bíblia original’.

Ao falar de uma juventude em degeneração, Mengele diz que ‘o que acontece hoje não é uma mudança de estilo, mas uma perda de estilo’. A prova estaria no modo de vestir dos jovens e até nas formas de tratamento usadas pelos ‘homens modernos’, com referência à cultura norte-americana. ‘Cachorros não se saúdam, eles se cheiram. Nós estamos no melhor dos caminhos para tais formas de trato entre animais, se homens modernos somente se saúdam com um ‘hou?’ (how are you?) [do inglês: como vai você?]’.

Para Mengele, o excesso de cenas de nudez e sexo na TV ensina ‘uma população média’ a considerar natural o conteúdo sexual em filmes. Nessa população ‘excitada’, ‘até a propaganda mais inacreditável possui chances de crédito. Um exemplo é a propaganda dos horrores do nazismo’.

O médico volta a atacar os judeus. Diz que ‘o espírito perverso deste mundo mau é feito por esse pequeno grupo de pessoas que possuem os meios de comunicação de massa nas suas mãos e que, assim, conseguem manipular o resto da humanidade’.

‘Quem, por exemplo, são as pessoas que representam o aparelho de recursos humanos da ONU e das suas organizações adjacentes? Os mesmos que ocupam 80% das poltronas nas salas de redação da imprensa mundial? […] Revela-se, por exemplo, que 70% de todos os médicos militares americanos pertencem a essas pessoas. Ou que a grande maioria de todos os psicanalistas nos EUA, que possuem uma enorme influência na vida lá, pertencem à mesma raça ‘nobre’, como o fundador daquela psicologia dos complexos sexuais reprimidos [em referência a Sigmund Freud, austríaco de ascendência judaica]’.

No final do texto, Mengele diz ao seu amigo austríaco que as opiniões de uma pessoa chamada R. -provavelmente Rolf, seu filho, que não concordava com as idéias nazistas- ‘só são resumos de toda essa verborragia que chuvisca desde 1945 sem parar sobre esses pensadores jovens’.’