‘Alguns leitores já se terão perguntado alguma vez como é feita a escolha das notícias, seja num jornal, numa rádio ou num canal de televisão. Se houvesse pouca coisa que publicar, o problema da selecção era muito simples. Mas o que se passa num grande jornal como o Jornal de Notícias é exactamente o inverso há geralmente matéria a mais e, quando assim é, alguma coisa tem de ficar de fora. Há sempre a possibilidade de aumentar o número de páginas, mas isso é para dias ou ocasiões especiais. Por isso, uma das tarefas mais importantes e decisivas numa redacção profissional é apurar bem os critérios que levam a optar por um certo número ou tipo de eventos potencialmente noticiáveis e a deixar de fora todos os restantes.
Ao fim e ao cabo, isto é uma forma de responder à pergunta afinal isto ou aquilo é ou não é notícia? Merece ou não que o jornal lhe dedique tempo, recursos e espaço? E o que é, afinal, notícia? Quem decide, nessa questão? Que aspectos pesam na decisão?
Vem isto a propósito de um caso que o leitor Paulo Esperança, ligado ao ‘Tribunal Mundial sobre o Iraque’ apresentou ao provedor. O caso, resumidamente, é o seguinte no passado dia 12, aquele ‘Tribunal’ organizou na cooperativa Árvore, no Porto, a primeira audiência, com vista a analisar o significado e consequências da invasão do Iraque por parte dos Estados Unidos da América e seus aliados e ‘analisar a implicação e a responsabilidade do Estado português na agressão’ àquele país. Intervieram, entre outros, o compositor José Mário Branco, o dirigente associativo José Rocha Paiva, o escultor José Rodrigues, a professora universitária Luiza Cortesão, o escritor Mário Cláudio, o jornalista Rui Pereira, o professor universitário Nuno Grande e o padre Mário de Oliveira. Ora, refere Paulo Esperança, apesar de o JN ter sido notificado do que se ia passar, nos 15 dias que antecederam o evento, ‘não compareceu, considerando, possivelmente, que não seria notícia’. E passa a perguntar:
‘Os quesitos que presidiram aos depoimentos e a opinião das pessoas que intervieram não poderiam ser notícia? Devo apenas – como leitor do JN – limitar-me a `engolir´ artigos mais ou menos difusos sempre alinhados no sentido pró-guerra? Devo ou não deixar de comprar o JN, porque para desinformação já há que chegue?’.
As perguntas do leitor remetem para questões diferentes. A última é, naturalmente, do foro privado entendo-a como um aviso e como uma arma que, em última análise, os utilizadores dos media têm sempre à mão. E é legítimo que façam uso dela quando entram num processo de ruptura que entendem irreversível.
Já o juízo feito sobre as matérias que este jornal tem publicado acerca do Iraque, que se traduz, para o leitor, em artigos ‘sempre alinhados no sentido pró-guerra’, aí temos uma questão mais profunda e grave. Mas que precisa de ser comprovada. Nem o leitor apresenta provas da impressão que afirma ter, nem o provedor as tem. Uma leitura ‘flutuante’ das peças nos últimos tempos não permite confirmar a tese defendida. Mas a pergunta fica, como convocação à vigilância dos leitores e dos jornalistas que acompanham tão graves e dramáticos acontecimentos e como desafio a investigadores que entendam tomar este assunto como tema e problema de pesquisa.
Sobre a primeira pergunta – a de saber se a sessão do ‘Tribunal Mundial sobre o Iraque’ realizada no Porto deveria ou não ter sido notícia no JN – aí entroncamos com as interrogações que apresentei no início deste texto. Para um caso concreto como este, a resposta do director de Redacção, José Leite Pereira é clara admite que o leitor tenha razão e ‘que o assunto devesse ter merecido cobertura noticiosa’. Mas acrescenta: ‘A verdade é que o jornal tem diariamente uma agenda carregada e não há – claro que não há – nenhuma discriminação’ neste caso, ‘nem há, no nosso noticiário, apenas posições ‘pró-guerra’.
No mesmo dia teve lugar o funeral de Yasser Arafat e abriu o congresso do PSD, acontecimentos que mereceram, cada um a seu modo, tratamento desenvolvido na edição do dia seguinte. Mas nesta não faltam matérias que, ponderadas e comparadas, talvez não merecessem ter sido incluídas. Estou a lembrar-me, por exemplo, da notícia com foto, do caso dos tripulantes do avião da ‘Air Luxor’ na Venezuela, que tem de resto, recebido uma cobertura mediática que tenho por manifestamente exagerada. Nesse dia, não havia matéria de realce sobre o caso. O JN, no entanto, dedicou-lhe um quarto de página, com este eloquente título ‘Compasso de espera na Venezuela’. É um exemplo. Mas daqui não pode o leitor concluir que bastaria tirar uma peça e meter outra. Na prática, há factores tão banais como as outras ocorrências e a existência de profissionais disponíveis para, num caso concreto, se poder falhar algo que, de outro modo, até se valorizaria. Dito isto, e pesando todos os factores, a iniciativa em apreço representava uma corrente de opinião significativa entre nós e adoptou um formato que é relativamente invulgar, reunindo um conjunto de personalidades de projecção pública. O problema é que, em circunstâncias concretas, não basta por vezes, as características intrínsecas dos acontecimentos para que eles se convertam em notícias. Parece ter sido o caso. Espero continuar a reflectir com os leitores sobre estas matérias.
Há muitos factores a pesar na hora da escolha das notícias.’