Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cassiano Elek Machado

‘Em 2002 o canadense Yann Martel, 41, até então um desconhecido completo, ganhou o prêmio literário mais importante da língua inglesa, o Booker Prize.

Saiu direto da piscininha para a crista da onda, em alto mar. Mas eis que de súbito a carreira do autor de ‘A Vida de Pi’ quase sofreu um Titanic. Martel, de uma hora para outra, passou a viver situação semelhante ao herói de seu livro, um jovem indiano que em um naufrágio acaba em um bote salva-vidas junto com um tigre.

O tigre, neste caso, se chamava plágio. Jornais do mundo inteiro arreganhavam os dentes para Martel e o acusavam de ter roubado a história de seu livro de outro romance -e de um escritor brasileiro, Moacyr Scliar.

Pi, não é segredo, sobrevive ao naufrágio. E Martel também se saiu bem. Explicou que havia citado Scliar na abertura do livro, pediu desculpas (póstumas) ao brasileiro, mostrou que apesar de ter usado a idéia central do livro scliarno ‘Max e os Felinos’, de alguém num barco com animais selvagens (no caso de Scliar uma pantera), o resto todo da trama não tinha nada a ver (e Martel alega que nem mesmo havia lido a novela do brasileiro).

A partir daí, ‘A Vida de Pi’ navegou de vento em popa. Foi lançado em 42 países, comercializado para o cinema (será dirigido por M. Night Shyamalan), vendeu centenas de milhares de cópias.

Quase dois anos depois, o bote de Martel chega ao Brasil, atracado pela editora Rocco. Em entrevista por telefone à Folha, ontem pela manhã, o escritor puxou logo de cara o assunto Moacyr Scliar. Leia a seguir trechos da conversa.

Folha – Já na primeira página do romance o sr. cita o Brasil, como um lugar onde o personagem esteve. O sr. menciona o país outras vezes ao longo de ‘A Vida de Pi’…

Yann Martel – (risos)…Já sei, você vai me perguntar se é por causa do Moacyr Scliar, não?

Folha – Bem…

Martel – Não. Eu citei o Brasil porque o personagem estudava os bichos-preguiça e sabia que existiam aí. Na época que escrevi nem liguei isso a Scliar.

Folha – Já que estamos falando em Scliar…

Martel – (risos) Eu sabia…

Folha – …qual a sua opinião hoje sobre este episódio? Você se arrepende de alguma coisa?

Martel – Como é sabido, eu não havia lido ‘Max e os Felinos’ até que acontecesse o escândalo. Conhecia só o tema do livro, por meio de uma resenha que havia lido há tempos. O romance mesmo só li depois do prêmio.

Folha – E o que achou dele?

Martel – É um livro muito bom. Mas não tem quase nada que ver com o meu. Existe uma similaridade quanto à premissa, claro, mas o resto é muito diferente.

Folha – Você usou a palavra ‘escândalo’. Por que a história tomou tal proporção?

Martel – Acho que o escândalo foi em parte por minha culpa. Quando o livro saiu nos EUA me pediram para escrever um artigo sobre como tinha feito o romance. Fiz um pequeno ensaio mencionando a tal resenha, e o fiz de modo desastrado. Lembrava-me erroneamente que o texto tratava o livro de Scliar com indiferença.

Autor diz que errou ao minimizar Scliar

Folha – Você chegou a dizer que era um tema brilhante demais para ser arruinado por um escritor menor, não?

Yann Martel – Foi um erro. Eu estava como que pensando alto sobre essa pretensa resenha, que teria feito uma má avaliação do livro. Errei de escrever isso, e a imprensa não colaborou, citando só esta parte do que havia escrito -no texto eu aventava a hipótese do resenhista ter se equivocado, e isso não reproduziram.

Eu não conhecia Scliar, não tinha lido seu livro e não tinha motivo nenhum para insultá-lo, ainda mais por ter tido uma idéia excelente para um livro.

Havia também um vetor político na história. Bem na época dessa polêmica, havia uma disputa comercial entre Canadá e Brasil, envolvendo aviões e carne.

Folha – Você acha que a imprensa foi sensacionalista?

Martel – Não tanto. Se alguém ganha um dos maiores prêmios literários do mundo e existe alguma suspeita de que há plágio nele, a imprensa tem o dever de investigar. Em alguns países, incluindo o Brasil, parecem ter tratado direito da história. Em outros, porém, só disseram que o vencedor do Booker era um pirata.

Folha – Mas você mesmo citou Scliar, inclusive no livro?

Martel – Claro, eu digo que a ‘centelha’ eu devo a ele. Foi a idéia do livro dele, ainda que recebida de modo indireto, que acendeu o pavio da minha inspiração.

Pois é, mesmo neste caso eu poderia ter dito que me inspirei na Arca de Noé, em um filme de Fellini, que envolve um homem em um barco com um rinoceronte.

Folha – O que você acharia se pegassem uma idéia de um livro seu para fazer outro romance?

Martel – Não vamos esquecer o que é plágio. Se alguém roubasse frases minhas, isso seria plágio. Ficaria irritado. Se escrevessem uma história de uma família em uma jangada com um macaco, não me importaria. Plágio é roubar frases, idéias completas. Artistas sempre são influenciados. Estão sempre lendo os outros, mesclando e fazendo algo novo.’

***

‘Para escritor gaúcho, não houve plágio’, copyright Folha de S. Paulo, 2/12/04

‘O escritor e colunista da Folha Moacyr Scliar não considera que houve plágio a seu livro ‘Max e os Felinos’ em ‘A Vida de Pi’, mas ficou chateado com a confusão. Na entrevista a seguir, ele comenta o caso.

Folha – Passado algum tempo de toda a confusão, você atualmente julga que houve mesmo plágio ou considera que Yann Martel foi apenas muito pouco hábil para lidar com a questão e descambou para a grosseria?

Moacyr Scliar – Se a gente chama de plágio a apropriação de um texto alheio que é usado ipsis litteris então a resposta é negativa: não, Yann Martel não plagiou ‘Max e os Felinos’, mas ele usou a idéia do livro, com um enfoque diferente. ‘Max e os Felinos’, escrito na época da ditadura, é uma metáfora política sobre o autoritarismo; ‘Life of Pi’ é uma novela existencial com tons místicos. Eu teria ficado mais satisfeito 1) se Yann Martel me houvesse comunicado que pretendia usar a idéia de ‘Max e os Felinos’ e 2) se ele não tivesse dito que tomara conhecimento do livro por uma resenha desfavorável de John Updike no ‘New York Times’ (Updike nunca escreveu uma resenha sobre ‘Max and the Cats’, e o texto do NYT, de Herbert Mitgang, foi muito favorável). Mas há no prefácio do livro um agradecimento a mim, e, como não sou litigante, resolvi dar o episódio por encerrado, desejando a ele sucesso em sua carreira.

Folha – Você e Martel chegaram a conversar alguma vez?

Scliar – Ele me ligou uma vez, explicou o que tinha acontecido, e tudo terminou bem.

Folha – Muitos críticos no exterior disseram que a discussão era válida por colocar a sua obra em evidência…

Scliar – ‘Max e os Felinos’ teve duas novas edições em inglês e uma em francês, mas eu preferiria que tal acontecesse sem o miniescândalo que se armou na ocasião (em apenas um dia havia na internet mais de 500 artigos a respeito, e eu tive até de viajar para Nova York para dar entrevistas a respeito).

Folha – Qual é a sua avaliação de ‘A Vida de Pi’?

Scliar – É um livro muito bem escrito, que se lê com grande prazer. Não há dúvida de que Martel tem talento.’



LIVROS ISENTOS
Cassiano Elek Machado

‘Senado aprova fim de impostos sobre livros’, copyright Folha de S. Paulo, 2/12/04

‘O Senado aprovou ontem no final da tarde projeto que institui o fim de taxas e impostos sobre a comercialização de livros no país.

Anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) no dia 10, a medida isenta editores, distribuidores e livreiros de carga fiscal que varia de 3,65% a 9,25% na forma de contribuições como PIS/Pasep e Cofins.

Em contrapartida, os editores, representados em acordo firmado no dia 10 por entidades como CBL e Snel, vão contribuir com 1% sobre a venda de livros no país para constituir um fundo de estímulo à leitura. Segundo o coordenador do Plano Nacional de Livro e Leitura/Fome de Livro, Galeno Amorim, o projeto também pretende diminuir em até 10% o preço dos livros em três anos.

A medida que desonera o setor livreiro foi incluída em projeto de lei que altera a tributação do mercado financeiro e de capitais e institui o Regime Tributário para Incentivo à Modernização e Ampliação da Estrutura Portuária.’



JORNALISMO CULTURAL
Ana Maria Bahiana

‘Picadinho de celulóide’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 30/11/04

‘O New York Times parece que andou lendo aqui o Comunique-se, notadamente aquela nossa conversa sobre filmes infanto-juvenis (veja aqui). Dois pontos interessantes da matéria, para futura referência, reflexão e quiçá pautas:

– na hora de atrair ou não o público, a tecnologia é o que menos importa, a história e a habilidade de contá-la é o que pesa.

– Bem sucedido é o filme infanto juvenil que de fato fala a todos os espectadores, não porque um (o adulto) tem que se ‘rebaixar’ ao nível do outro (a criança/adolescente), mas porque o trabalho tem, de fato, elementos que encontram ressonância em todos os segmentos, podendo ser apreciado de diversas formas por pessoas de idade (e culturas, eu acrescentaria) diferentes.

Sobre o primeiro item vale a pena conferir o site SaveDisney.com, ponta de lança da campanha de Roy Disney (sobrinho de Walt) para a retomada do estúdio das mãos ‘Darth Vader’ de Michael Eisner. Em vez de intriga palaciana (e corporativa) o site oferece uma apreciável riqueza de informação (na forma de artigos e links) sobre a história e os métodos de criação da animação à moda Disney, documentando do lado de dentro as origens, a primeira era de ouro, o renascimento e a atual decadência dos filmes não-Pixar no estúdio. Tem pauta ali tambem, prestem atenção.

Folha Ilustrada e Segundo Caderno do Globo também pegaram bem, nesta semana, o mote da animação como linha de frente e grande sucesso da atual temporada. Mantenham o olho nessa bola, porque ainda vem muita coisa por aí.

A questão econômica por trás deste boom animado tambem merece um olhar. Existe, há tempos, um processo velos de globalização da animação, impulsionado por fatores semelhantes aos de outros negócios: disseminação de tecnologia e oferta de mão de obra barata. Parte da revolta de Roy Disney e seus partidários se concentra no progressivo encolhimento da equipe criativa da animação da Disney, com mais e mais projetos sendo enviados para o exterior, especialmenet India e Coréia do Sul .

Aí tem muito pano pra mangas, golas e outros acabamentos. Eu, por exemplo, queria saber onde o Brasil fica nessa história, já que o país tem, claramente, talento de sobra na animação. É um desses felizes temas em que jornalismo de cultura e de negócios se encontram, e merece ser explorado.

E já que estamos falando de cinema no Brasil, chamo a atenção para o fato de que, pelo segundo ano, um documentário (agora, Soy Cuba de Vicente Ferraz) é a solitária participação do Brasil no cada vez mais importante festival Sundance. Não proponho que olhemos para fora para buscar legitimização ou orientação para o que produzimos, mas acho difícil não ver neste fato uma indicação da extrema saúde do documentário brasileiro. Em detrimento do filme de ficção? Ou não? Por quê? São coisas que me fazem pensar, e que eu gostaria de ler.’