Cartografia, entendida como análise das imagens e das narrativas de um território – eis o objetivo deste Cidade dos Artistas, de Raquel Paiva e Muniz Sodré. O território é toda a área conhecida como ‘carioca’, as imagens e narrativas são as construções legadas pela tradição da cultura do povo e das suas apropriações pelas organizações de mídia, em particular a televisão. Confrontando cidades tão diversas como Rio de Janeiro, Los Angeles e Bombaim, a análise se detém sobre o ponto comum da promiscuidade – não no sentido depreciativo do termo, mas de mistura aleatória ou desordenada – entre o espaço urbano, seus ocupantes e sistemas produtores de imagens, que podem ser o cinema, a indústria global de entretenimento ou a televisão.
Principalmente a partir de entrevistas e de material jornalístico, os autores mostram como os ‘grupos de imaginação’ televisivos (produtores, diretores, roteiristas, etc.) atuam sobre a topografia carioca, às vezes convertendo bairros em cenários de telenovela e criando uma urbs imaginária que, entretanto, coincide em muitos pontos com a idéia real de cidade como ‘produto-cultural à venda’. É a ideologia dos administradores e planejadores urbanos fiéis ao embelezamento e à revitalização, mas indiferentes às conseqüências sociais da segregação espacial.
Atentos aos efeitos perversos dessa indiferença, Paiva e Sodré focalizam a fama como irradiação de um certo tipo de ‘relação social televisiva’ sobre a sociedade carioca, em que se observa a emergência de uma nova fração de classe social, composta por artistas (em sentido amplíssimo) e entronizada por colunas de jornais, programas de tevê e revistas especializadas. Cidade dos Artistas é um estudo, ao mesmo tempo acadêmico e popular, sobre um novo tipo de geografia dos mitos, em que a floresta e o rural cedem lugar à topografia urbana retrabalhada por sons e imagens, que instauram uma forma de vida orientada pelo brilho das aparências de uma cultura comercial, herdada do show-business americano, embora com sotaque nacional.
Apesar do foco comunicacional, Cidade dos Artistas mantém um olhar socioantropológico sobre os ‘contraplanos’ problemáticos do Rio. É livro a ser lido por inteiro.
Os autores
Raquel Paiva, professora-adjunta da ECO/UFRJ, é jornalista, mestra e doutora em Comunicação e Cultura (UFRJ), além de pesquisadora do CNPq. Trabalha o campo da comunicação comunitária e análise de mídia. É atualmente coordenadora do Programa de Pós-Graduação da ECO/UFRJ. Publicou O Espírito Comum – comunidade, mídia e globalismo [edições: Vozes (1a.) e Mauad (2a.)]; Ética, Imprensa e Cidadania, org. (Mauad); Histeria na Mídia (Mauad); O Império do Grotesco (com Muniz Sodré), Mauad.
Muniz Sodré é professor-titular da ECO/UFRJ, jornalista, doutor em Letras (UFRJ), livre docente em Comunicação e Cultura (UFRJ) e mestre em Sociologia da Informação (Sorbonne-Paris), além de pesquisador do CNPq. Seus cursos e publicações contemplam a cultura nacional e a mídia. Seu livros mais recentes são Claros e Escuros – identidade, povo e mídia no Brasil (Ed. Vozes); Reinventando a Cultura (Vozes); Antropológica do Espelho – uma teoria da comunicação linear e em rede (Vozes); O Império do Grotesco (com Raquel Paiva), Ed. Mauad.