O jornal Libération definitivamente não é mais o mesmo. E começou o primeiro ano de sua nova fase com uma operação-sedução.
Primeiro, numa entrevista ao Le Monde, o controlador do Libé Edouard de Rothschild anunciou que o jornal voltará a dar lucro em 2008, depois da declaração de concordata, em outubro passado. Ele teceu elogios rasgados ao novo acionista italiano, o príncipe Carlo Caracciolo di Castagneto, fundador do L´Espresso e de la Repubblica, que detém agora 33,3% das ações do jornal.
Dizendo-se pronto para enfrentar os desafios da imprensa diária, Rothschild afirma que o jornal recomeça ‘em novas bases, nova cultura, um modo de funcionamento diferente’. E isso, segundo ele, requer uma mobilização de todas as energias para trabalhar mais. E conclui: ‘É uma verdadeira refundação, verdadeira ruptura com a época Serge July’. Quem duvida que o jornal não será mais o dos jovens maoístas da década de 1970, entusiastas e idealistas?
Mas, quando um jornal muda, é preciso manter o leitorado remanescente depois da grande queda nas vendas acompanhada de importantes perdas no volume publicitário. E sair à conquista de novos leitores.
Nobre esnobado
Na terceira semana de janeiro, numa inteligente operação de comunicação, Libé publicou na edição de quinta-feira (18/1) com um making-of: uma capa dupla com uma aula de jornalismo para iniciantes. Cada seção do jornal, rubrica e editoria foi explicada com links que decodificavam desde a manchete até a última página. Quem escolhe a manchete, os artigos assinados, como e por quê.
O título do editorial de Laurent Joffrin, novo presidente-diretor-geral e diretor de Redação, não poderia ser mais claro: ‘Libération muda’. A análise de Joffrin para explicar a mudança é que a imprensa não vive apenas uma crise econômica ou tecnológica. Ela vive principalmente uma crise de confiança, quando a mídia é vista como um aliado dos poderosos e não como porta-voz dos cidadãos.
Joffrin diz claramente que Libé tomou medidas que ‘expressam a vontade de romper com o passado’. Segue-se um blablablá sobre um jornal mais interativo, um diário que vai ser o reflexo da comunicação com os leitores da versão online, que ele chama de libénautes (‘libenautas’, em vez de internautas). Lançar neologismos e modismos é uma tradição do jornal. Joffrin, em suma, diz querer que o Libé seja ‘o porta-voz da sociedade’. No fim, anuncia uma ‘Liberádio’ para breve.
O jornal que agora tem entre maiores acionistas com um banqueiro e um príncipe italiano pode vir a dar uma guinada à direita, ou pelo menos ao centro. Algo para fazer Jean-Paul Sartre, um de seus fundadores, revirar-se em seu túmulo no cemitério de Montparnasse.
Apesar de se declarar um homem de esquerda no perfil que lhe dedicou o jornal Le Monde, o príncipe Carlo Caracciolo di Castagneto, de 81 anos, como Rothschild não deve gostar de perder dinheiro. Caracciolo conta que já tinha proposto a compra de Libération nos anos 1990, sendo totalmente ignorado pelo então PDG e fundador, Serge July, afastado no ano passado por Rothschild.
Prata da casa
Castagneto, cunhado de Gianni Agnelli, é um aristocrata como os dos filmes de Luchino Visconti. Tem classe, dinheiro e elegância, além de uma história ligada ao jornalismo pois criou dois importantes veículos impressos italianos.
No entanto, enquanto ele diz que Libération será o único diário francês de esquerda (onde será que coloca o Le Monde no espectro político?), o novo PDG do jornal, Lurent Joffrin, teceu loas ao discurso de Nicolas Sarkozy no lançamento de sua campanha para a presidência, há alguns dias. O editorial de Joffrin chocou muitos leitores de Libé que votam à esquerda. Elogiar o candidato da direita num apoio ambíguo não seria uma forma de suicídio para um jornal de esquerda? Ou será que ele vai disputar o leitorado do Le Figaro?
Qualquer que seja a linha que vier a adotar, a realidade é que Libération continua a perder seus grandes jornalistas. Muitos dos nomes que fizeram sua história já foram embora. Nos últimos dias, mais 62 jornalistas deixaram o jornal, entre eles Antoine de Gaudemar, ex-diretor de Redação e Sorj Chalandon, ambos do grupo fundador de 1973. Pierre Haski, ex-diretor-adjunto de Redação, é outro que se vai. Experientes repórteres e redatores como Florence Aubenas, Dominique Simonnot, Antoine de Baecque e Jean Hatzfeld já haviam deixado o jornal em 2006.
Com nova equipe e novos acionistas, o Libération será seguramente um novo jornal. Resta saber em que campo irá buscar novos leitores.
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Jornalista