Saturday, 28 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1307

Elio Gaspari

‘Numa das saudáveis humilhações impostas por Lula ao tucanato, foi ao lixo a Lei da Venda baixada pelo professor Fernando Henrique Cardoso nos últimos instantes de seu governo. A providência dobrara todos os prazos de blindagem dos documentos oficiais, inclusive aqueles que guardam a memória da privataria posterior a 1995.

A devolução aos brasileiros do direito de saber o que faz o governo aconteceu numa semana em que seis folhas de papel guardadas há cerca de trinta anos num museu de Israel devolveram ao mundo a percepção do valor da memória dos desgraçados.

Nos anos 70, um sobrevivente do Holocausto, Adolf-Abraham Berman, doou a uma comunidade de Israel sua coleção de documentos da história do Gueto de Varsóvia. Lá, em 1940, 400 mil judeus foram confinados numa área equivalente à do Flamengo. Em 1943 estavam quase todos mortos. Só agora percebeu-se que nas seis páginas manuscritas estava o único diário escrito por um judeu do Gueto durante a batalha de 27 dias que terminou com a sua destruição, em 16 de maio de 1943. Não se sabe o nome de quem o escreveu. Foi uma mulher de boa educação. Tinha cerca de 20 anos e estava escondida no porão de um prédio arruinado. A narrativa começa com o ataque alemão e vai até o dia 2 de maio. Sua última anotação foi: ‘Nós vivemos este dia, esta hora, este momento’.

Numa história com tamanha carga emocional, ainda há o que relembrar.

Adolf-Abraham Berman (1906-1978) foi um dos chefes da organização dos combatentes do Gueto. Ele e sua mulher viviam com nomes falsos no outro lado da cidade e coordenavam a ajuda e o resgate dos judeus. Para quem viu ‘O pianista’, era a organização de Berman que conseguia esconderijos para personagens como o de Roman Polanski. Depois da guerra, ele foi eleito para o Parlamento de Israel e buscou a história do Gueto.

Um dos judeus resgatados pela rede de Berman e escondido no lado ariano de Varsóvia chamava-se Emmanuel Ringelblum. Sem que se possa dizer que a moça do diário o conhecesse, era ele quem coordenava o esforço de uma sociedade secreta de historiadores do Gueto. Eram algumas dezenas, com uma comissão editorial que coordenava grupos de trabalho encarregados de trabalhos monográficos: ‘Com um pouco de sossego nós poderemos conseguir que nada do que acontece aqui seja esquecido pelo mundo’, escreveu Ringelblum. Produziram cem volumes de manuscritos. Ele escreveu um diário e diversos ensaios, um deles sobre a resistência armada.

Ringelblum foi um dos grandes homens do seu tempo. Em agosto de 1939, quando os alemães invadiram a Polônia, ele estava na Suíça, num congresso sionista. Tinha 39 anos, mulher e um filho de 7. Era um historiador respeitado em seu país. Diversos colegas seguiram para a Palestina ou para os Estados Unidos. Ringelblum ficou no grupo que voltou para Varsóvia. Viveu no gueto até fevereiro de 1943, quando passou a esconder-se no lado ariano da cidade.

Tendo sido um dos organizadores do levante dos judeus, juntou-se ao seu povo na véspera da revolta. Capturado, foi para um campo de concentração, de onde viu-se resgatado pela sociedade secreta de Berman. Durante dez meses viveu com outras 37 pessoas num porão das ruínas do Gueto. Em janeiro de 1944, o governo polonês no exílio organizou uma lista de 19 chefes de organizações clandestinas que deveriam ser retirados da Polônia. Só três estavam vivos. Um deles era Ringelblum. Todos recusaram a oferta. Em março o porão foi descoberto.

Há duas histórias para um só desfecho. Numa, Ringelblum poderia ter escapado da prisão, mas recusou-se a deixar a família. Noutra, ele, a mulher e o filho foram torturados para contar onde estavam os arquivos da sociedade secreta de historiadores. Foram fuzilados no dia 7 de março de 1944.

Em setembro de 1946 um dos poucos sobreviventes da brigada de Ringelblum localizou o esconderijo de dez caixas de metal com uma parte da história do Gueto. Quatro anos depois, trabalhadores de uma obra encontraram dois grandes recipientes de borracha usados à época para transportar leite. Era outro pedaço do arquivo. Ao todo, juntaram-se 30 mil folhas de papel, fotografias e desenhos. Um dos recipientes de borracha pode ser visto no Museu do Holocausto, em Washington.’



Luciana Nunes Leal

‘Gregori sai em defesa de FHC’, copyright O Estado de S. Paulo, 10/12/04

‘Secretário de Direitos Humanos e ministro da Justiça no governo FHC, o advogado José Gregori saiu ontem em defesa do ex-presidente que, quatro dias antes do fim do mandato, assinou decreto aumentando o prazo de sigilo de documentos do regime militar. ‘Nunca passou pela cabeça do Fernando Henrique, nesta massa descomunal de papéis, individualizar documentos para que fossem congelados’, disse. ‘No espírito do Fernando Henrique estava a massa de documentos, não um ou outro específico.’

Na quarta-feira, o atual secretário de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, afirmou que a assinatura do decreto foi uma ‘armadilha’ e Fernando Henrique ‘teve o desplante’ de dizer que poderia não tê-lo assinado.

‘Estamos na iminência de uma abertura delicada de arquivos. Ele (Nilmário) tinha de dar um exemplo de serenidade e objetividade e não sair como uma espécie de espalha-brasas atirando pedras a esmo’, defendeu Gregori, co-autor da lei que criou a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos no governo FHC. ‘O esforço que Fernando Henrique fez no sentido de resgate e reparo do passado é um fato concreto, com milhares de evidências.’

Segundo o ex-ministro, o decreto que aumentou de 30 para 50 anos o sigilo dos documentos ultra-secretos foi elaborado por ‘um setor especializado do governo, por pessoas que tratavam disso’ e só ficou pronto no fim do governo. ‘Como se tratava de um decreto, que pode ser modificado a qualquer hora, Fernando Henrique assinou. Não pensou que a certidão tal ou documento tal pudesse ser abrangido. Se o propósito fosse cobrir os documentos com um manto de silêncio, ele teria feito por uma lei e não teria sido na última hora.’

ACESSO

Na sua avaliação, no momento o importante é o governo cumprir a decisão judicial de permitir o acesso aos documentos da guerrilha do Araguaia.

Gregori considera a abertura dos arquivos um assunto delicado. ‘Esses documentos que eventualmente digam respeito a esse passado, seja de um lado ou de outro, sempre provocam situações delicadas. Minha opinião sempre foi de que nesses assuntos é preciso respeitar a vontade da família. Tem muita gente que quer uma reparação de ordem moral, material, histórica, mas tem gente que não quer mais ouvir falar no assunto, virou a página’, argumenta.’



Roldão Arruda

‘A sofrida espera da confraria dos parentes de desaparecidos’, copyright O Estado de S. Paulo, 13/12/04

‘Eles já participaram de quatro incursões oficiais à região sul do Pará. Revolveram túmulos em Xambioá e Marabá. Há 23 anos recorrem a todas as instâncias da Justiça. Também pediram apoio no exterior e obtiveram um gesto solidário da Organização dos Estados Americanos (OEA), que reconheceu suas reivindicações.

Vários deles receberam reparações econômicas, previstas nas leis da Anistia e dos Desaparecidos, mas continuam insistindo que não é o dinheiro o que mais querem. Eles se organizam, principalmente no Rio e em São Paulo, em torno de grupos pequenos e cada vez menores, principalmente porque estão morrendo.

Apesar de pequenos, são grupos que pulsam e se movimentam diante de cada notícia envolvendo seus interesses. Foi o que aconteceu na semana passada, quando o Tribunal Regional Federal de Brasília (TRF) determinou ao governo a abertura dos arquivos secretos da Guerrilha do Araguaia.

A decisão foi como uma senha para dispararem telefonemas entre eles e para os advogados, agendar reuniões, redigir documentos para o governo, dar entrevistas.

Nestas horas de tensão alguns tomam tranqüilizantes. Outros repetem, como um mantra, que a decisão judicial é boa mas ainda não é definitiva e que não se deve esperar muita coisa dos arquivos.

‘Já tive tantas decepções que prefiro ser cautelosa’, diz Édila Pires, de 70 anos, integrante de umas dessas organizações. ‘Não acredito que esses arquivos tenham todas as informações que procuramos. Mas podem ser uma peça a mais no quebra-cabeça que estamos montando. Podem até levar a outros arquivos.’

Édila trabalha há 30 anos nesse quebra-cabeça. Tenta descobrir o que aconteceu com seu primo-irmão Cilon Cunha Brum. Ela o viu pela última vez no começo dos anos 70, quando ele abandonou o curso de economia na PUC de São Paulo e embrenhou-se nas matas do sul do Pará. Foi juntar-se ao grupo de guerrilheiros que o PC do B organizava por lá desde os anos 60, com o objetivo de desencadear uma guerra de guerrilhas no território nacional, derrubar o regime militar e inaugurar uma era socialista.

Pequeno, mal preparado e com pouco armamento, o grupo foi dizimado pelas tropas do Exército entre 1972 e 1974. O episódio teria sido encerrado e entrado para a lista de violências da história se os militares não tivessem acrescentado um ingrediente inesperado: o desaparecimento dos corpos.

As famílias daqueles jovens – e de outros, pertencentes a organizações diferentes, que também foram seqüestrados nas cidades e dados como desaparecidos – procuram até hoje descobrir como morreram e onde estão seus restos mortais. Mais do que historiadores e grupos políticos, são eles que há mais de duas décadas fazem cerco cerrado aos governos em busca de informações.

No leito de morte, a mãe de Cilon confidenciou a Édila que seu maior desejo era obter alguma notícia do filho antes de morrer. Não pôde ser atendida. Foi enterrada logo depois no jazigo da família em São Sepé, cidadezinha de 24 mil habitantes na região central do Rio Grande do Sul. Ao lado dela, foi deixado um espaço vazio. Está reservado para Cilon.

Em Olinda, Elzita, mãe de Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, que desapareceu após ser preso no Rio, em 1974, tinha medo de mudar de endereço e trocar o número de telefone. Sem ao menos saber se o filho estava vivo, não queria perdê-lo novamente caso voltasse para casa ou ligasse.

Casos assim são repetidos nos grupos. Uma família, apesar de ter poucos recursos, despachou um de seus membros para Paris, onde alguém teria visto uma garçonete parecidíssima com a filha desaparecida. Envergonhados, alguns admitem que procuraram videntes e sessões espíritas.

Suzana Lisboa, uma das porta-vozes dos grupos de familiares, foi uma das poucas a encontrar, ainda em 1979, o que procurava – a confirmação da morte do marido e os seus ossos. Depois de preso e torturado em 1972, Luiz Eurico Tejera Lisboa tinha sido enterrado como indigente e com nome falso no cemitério Dom Bosco, em Perus, na periferia de São Paulo. A mãe dele, Clélia, estava viajando quando soube da descoberta e escreveu uma carta, lembrando os sete anos que havia passado sem conseguir se concentrar em nada, esperando obsessivamente alguma notícia.

Segundo Suzana, o que fizeram até hoje com os familiares pode ser chamado de escárnio: ‘Nenhum governo compreendeu ainda que o mais importante para nós é a confirmação das mortes, os esclarecimentos sobre como elas ocorreram e a localização dos corpos’.

MELANCOLIA SEM FIM

O Araguaia, com quase 60 mortos e desaparecidos, é uma parte desta história. O Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos a Partir de 1964, editado em 1995, listou cerca de 140 nomes de pessoas que, depois de presas por agentes do regime militar, desapareceram. Muitos dificilmente serão encontrados, devido aos métodos empregados para apagar pistas, que iam do enterro em valas comuns, ao lado de dezenas de outros corpos e com nomes trocados, à cremação dos cadáveres e o despejo no oceano.

Na opinião da historiadora Janaína Teles, mestranda da Universidade de São Paulo que conclui um estudo a respeito das famílias dos desaparecidos, a falta de informações sobre eles é uma das razões que impede a cicatrização das feridas abertas durante a ditadura militar. Em conversas com os familiares, Janaína percebeu que a dor deles se prolonga porque não conseguem concluir o luto.

Em quase todas as culturas o luto necessita do corpo, do pranto, da reconstituição do momento da morte. ‘Sem esses elementos ou parte deles o luto é inalcançável’, diz a historiadora. ‘Algumas famílias vivem mergulhadas num estado de melancolia sem fim.’

A melancolia à qual se refere é comum às famílias em caso de morte do parente. Só com o trabalho de luto, segundo Janaína, o familiar consegue revalorizar a sua parte que está viva, recompor sua identidade e aceitar a perda. Sem ele, a melancolia permanece.

‘As famílias que não passaram por isso não conseguem entender o que é a dor de se ver privado do sagrado direito de enterrar seu ente querido’, diz Édila, num lamento que lembra As Troianas, de Eurípedes. No centro daquela tragédia, escrita há cerca de 2.400 anos, as gregas choram e brigam pelo direito de fazer libações fúnebres e dar sepultura aos maridos e filhos mortos na batalha.

Em Jales, no interior de São Paulo, os familiares de Ruy Carlos Vieira Berbert, que pertencia ao Movimento de Libertação Popular (Molipo), completaram seu luto de maneira simbólica. Depois de 20 anos de buscas, eles conseguiram confirmar que Ruy havia sido morto numa prisão no interior de Goiás e que seria praticamente impossível identificar seus restos mortais, devido a trocas de nomes efetuadas pelos militares. Diante disso, em maio de 1992, realizaram um enterro simbólico. No túmulo, em vez de ossos, estão os pertences de Ruy que a família conseguiu reunir.’

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‘‘Não busco ossos, busco a minha história’’, copyright O Estado de S. Paulo, 12/12/04

‘O apartamento de Criméia de Almeida, funcionária municipal na área de saúde pública, fica num edifício antigo, na região central de São Paulo. Sua decoração é tão mínima que chega a ser impessoal. Mas isso não faz parte de suas preocupações. De tudo o que tem ali, o que mais a interessa está guardado no computador, instalado num dos dois quartos, e nas pastas com recortes de jornais e documentos que vai acumulando.

Pelo que ela tem arquivado, pode-se ficar sabendo da carreira de oficiais que atuaram no combate à Guerrilha do Araguaia, da década de 70 até hoje. Pode-se monitorar também a trajetória de alguns torturadores conhecidos nos porões da ditadura militar. A parte mais substancial de suas pesquisas, porém, está voltada para a montagem de um verdadeiro quebra-cabeça, que é a reunião de indícios que possam levar à localização dos corpos dos desaparecidos na guerrilha. Especialmente três deles: o do seu marido, André Grabois, o do sogro, Maurício Grabois, e o de Gilberto Olímpio Maria, marido de Vitória Grabois, sua cunhada.

Os três eram guerrilheiros do PC do B. Como Criméia, que lá chegou em janeiro de 1969, com 21 anos, e foi enviada para uma localidade chamada Faveira, às margens do Rio Araguaia, no município de São João do Araguaia. Foi lá que conheceu André.

Ela saiu em 1972, o ano em que o Exército começou a atacar os guerrilheiros, porque estava grávida e precisava vir a São Paulo para receber cuidados médicos. Não conseguiu voltar, por causa do cerco do Exército e porque foi presa em dezembro daquele ano.

No sétimo mês de gravidez, Criméia foi torturada na frente de um médico que dizia aos torturadores até onde podiam ir para que ela não perdesse a criança nem morresse. ‘Levei muito soco e pancada, mas só na cara, nos braços e nas pernas’, conta. ‘Também maneiravam nos choques: só me davam choque nos pés e nas mãos.’

MEMÓRIA

O filho nasceu na prisão, de onde ela saiu em 1973. Um ano depois, soube, ouvindo a Rádio Tirana, da Albânia, que o marido havia morrido. ‘Foi um comunicado das forças guerrilheiras, relatando a morte dele, no dia 14 de outubro de 1973. O comunicado tinha um ano de atraso.’

A primeira confirmação oficial da morte de André, porém, só viria 20 anos depois, escondida no meio de um relatório da Marinha. ‘Lá estava escrito que ele havia morrido em 1968. Fiquei brava e mandei corrigir. Afinal, se o filho nasceu em 1973, como ele podia ter morrido cinco anos antes?’

Desde os anos 70 Criméia trabalha na recuperação da memória da guerrilha e dos corpos de seus militantes. ‘Não busco ossos’, enfatiza. ‘É mais do que isso. Busco uma história, uma história que é em grande parte a minha história pessoal. Acho que é um pouco diferente de outros familiares que não estiveram tão envolvidos e buscam os restos mortais dos filhos para enterrá-los e assim poder morrer em paz.’

Toda a história pessoal de Criméia parece entrelaçada à da guerrilha. Sua irmã, Amélia, e o marido dela, César Telles, também pertenceram ao PC do B, apoiaram a guerrilha, foram presos e torturados. O apartamento onde Criméia mora hoje foi comprado com dinheiro da indenização que o Estado pagou a ela e ao filho, pela morte de André.

FICHA

Criméia participou de movimentos pela anistia, pela abertura democrática e esteve presente em todas as incursões feitas por familiares e autoridades públicas à região do Araguaia, em busca dos desaparecidos. Cita com desenvoltura nomes de lugares e de pessoas que viveram ou vivem naquela área. Conhece todos os arquivos dos tempos do regime militar que já foram abertos e é uma das mais ativas articuladoras dos grupos de pressão para que outros sejam colocados à disposição dos familiares e da sociedade.

Pelos arquivos que já vasculhou ficou sabendo que foi vigiada com regularidade até o ano 2000. Na primeira vez que consultou a sua ficha feita pelo Dops, a polícia política do regime militar, enviou um ofício às autoridades pedindo retificação: ‘Um absurdo. Não tinha nada lá sobre minha participação na guerrilha, a minha prisão. Pediram desculpas e acrescentaram mais uma linha.’

Na semana passada ela festejou a decisão do TRF de Brasília, que mandou o governo abrir os arquivos secretos que possui sobre a guerrilha. Foi mais uma conquista na sua luta.

‘O pior foi o começo, quando as Forças Armadas agiam como se a guerrilha nunca tivesse existido. Para mim, um dos fatos mais importantes que ajudaram a derrubar essa atitude arrogante foi a identificação do corpo da guerrilheira Maria Lúcia Petit da Silva. Não havia mais como negar. Ela morreu em 1972 e foi achada em 1991. Havia sido enterrada enrolada num pára-quedas e tinha as mãos amarradas com cordas de náilon. Como é que as autoridades podiam explicar aquilo? Ela só foi identificada, porém, em 1996. Morreu com um tiro na cabeça.’

Questionada se não lamenta ter passado a maior parte de sua vida prisioneira de um fato ocorrido muitos anos atrás, Criméia responde que não: ‘Você não pode apagar o seu passado, ou dizer que só deseja viver com uma parte dele. Esses fatos fazem parte da minha história de vida. Acho que os meus companheiros que passaram pelas mesmas coisas e resolveram ficar de fora de tudo estão numa situação pior. Eles têm mais dificuldades com a vida. Ainda tem gente com sentimento de culpa em relação aos que morreram, como se perguntassem se não deveriam ter morrido também. Eu não tenho nenhuma culpa. Se existe culpado nesta história é a ditadura.’’