Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Evandro Éboli

‘Na semana passada, o desembargador Antônio Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1 Região, em Brasília, inovou no seu voto que rejeitou recurso do governo e determinou a abertura dos arquivos da Guerrilha do Araguaia. Para ver sua decisão cumprida, ele estabeleceu prazo até dia 15 para que ministros começassem a cumprir sua sentença. O governo recorreu ao STF para livrar os ministros da obrigação. Souza Prudente não quis comentar. Para ele, ‘é chegada a hora de o governo Lula dar eficácia à expressão de que a esperança venceu o medo’.

Como o senhor recebeu a decisão do governo em não recorrer e acatar a decisão do TRF?

ANTÔNIO SOUZA PRUDENTE: Recebi com muita satisfação. Esperava essa resposta do governo porque a totalidade dos membros que integram este governo foi vítima do regime de exceção, incluído o presidente da República. E como existe disposição da sociedade para esclarecer esses fatos, para resgatar uma história que pertence ao povo, é evidente que este governo, eleito com o apoio popular como foi Lula, não poderia trair a confiança popular.

O senhor afirmou no seu voto que a União já recorreu demais em relação ao assunto desde o início do processo, há 20 anos.

SOUZA PRUDENTE: Em 82, o momento histórico era outro. Pairava ainda o regime de exceção. Nenhum juiz obteve resposta do governo sobre arquivos e documentos referentes à Guerrilha do Araguaia. A sentença da juíza Solange Salgado, ano passado, foi histórica, deveria ter sido cumprida de imediato.

Qual foi seu sentimento quando leu os relatos de tortura?

SOUZA PRUDENTE: Quando li o processo, cada passo, cada documento, concluía que o direito dos autores era cristalino. A União não teria palavras para contestar os fundamentos da sentença, que é sólida. Senti que era o momento de se fazer justiça, que poderia ter sido feita antes. É o tempo de se dar eficácia ao discurso político que elegeu Lula e todo esse governo. É chegada a hora de dar eficácia à expressão de que a esperança venceu o medo.

Foi então que o senhor teve a idéia de incluir na sentença uma audiência para que o governo cumpra a medida?

SOUZA PRUDENTE: O juiz já pode adotar medidas capazes para obter o resultado prático da sentença.Tem amparo legal. Não basta a um juiz hoje proferir uma decisão que fique no papel. O grande reclamo da população não é por uma Justiça mais rápida, célere e eficaz?

O senhor chegou a dizer que considerou histórico esse voto.

SOUZA PRUDENTE: Imaginei que esse seria um momento histórico. Outra decisão que não seria cumprida nada serve, nem para Justiça, nem para o Estado e nem para a sociedade. Seria preciso que os parentes das vítimas, os advogados e todos os sujeitos da ação sentissem o sabor da Justiça. O juiz tem que fazer a parte vencedora sentir o sabor da Justiça.’



Folha de S. Paulo

‘Direito à História’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 12/12/04

‘No que já se vai caracterizando como um estilo, a administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez alarde de que abriria os arquivos secretos da ditadura, baixou uma medida provisória e um decreto contraditórios entre si e em relação à legislação vigente e, no que diz respeito ao que é de fato importante, deixou tudo como estava: o governo guarda o poder de manter os documentos que quiser sob sigilo eterno.

Segredos de Estado são um mal necessário. É inconcebível uma situação em que todos os projetos, atos e registros do poder público estivessem disponíveis imediatamente para qualquer interessado. As Forças Armadas não devem divulgar em detalhes os planos de defesa nacional, sob pena de torná-los inúteis. De modo análogo, há informações tecnológicas que podem ser do interesse do país resguardar. E seria danoso à diplomacia que países estrangeiros tivessem acesso em tempo real às maquinações que o Itamaraty possa ter feito em relação a eles.

A necessidade de que alguns documentos sejam mantidos em segredo, porém, de modo nenhum justifica o malfadado sigilo eterno. Documentos públicos só deveriam permanecer ocultos em casos excepcionais e, assim mesmo, por prazos determinados. Deixar de observar essa regra configura grave violação aos princípios democráticos e republicanos que norteiam a Constituição.

A MP nº 228, editada pelo governo na quinta-feira à noite, tem uma virtude. Ela corrige ilicitudes do decreto nº 4.553, baixado na última semana do governo Fernando Henrique Cardoso, que estipulava prazos de sigilo superiores àqueles previstos pela lei 8.159/91, a Lei dos Arquivos.

A MP, porém, possui dispositivo que faculta a uma comissão composta exclusivamente por gente do governo considerar que documentos ainda representem uma ameaça ‘à segurança da sociedade e do Estado’ mesmo depois de transcorrido o prazo de sigilo. Nessa hipótese, os papéis caem num limbo jurídico do qual só sairão se a comissão desejar.

Curiosamente, tanto a Lei de Arquivos como o decreto nº 5.301 -editado também na última quinta para regulamentar a MP- determinam que documentos classificados como ultra-secretos podem, no máximo, permanecer secretos por 30 anos prorrogáveis uma única vez por mais 30 -período que já parece excessivo.

Os arquivos devem de fato conter histórias interessantes, a ponto de o governo encenar um grande teatro no qual finge que vai abri-los para no final não fazê-lo. Rumores dão conta de que pode haver material pouco enaltecedor às nossas autoridades relativo à Guerra do Paraguai (1864-70) e a negociações territoriais.

A verdade, contudo, precisa prevalecer. A honra e a memória de indivíduos deve ser preservada na medida do possível, mas não contra o direito do país de conhecer o seu passado. Situações de confronto devem ser mediadas pela Justiça, não pelo Executivo. Transcorrido um certo tempo, indivíduos perdem seu direito à privacidade e passam a fazer parte da história. É a ela -e não a autoridades presentes- que verdadeiramente pertencem os arquivos públicos.’



O Globo

‘‘Serão raríssimos documentos que ficarão em sigilo’’, copyright O Globo, 8/12/04

‘O chefe da Casa Civil, José Dirceu, disse que o governo abrirá os arquivos secretos da época do regime militar, mas ressaltou que documentos que tratarem de ‘segurança de Estado’ serão mantidos em sigilo. Ele citou como exemplo papéis sobre a política externa do país, mas assegurou que esses casos serão raríssimos.

Dirceu confirmou que vai coordenar a Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas. O grupo foi criado por medida provisória e vai analisar se os arquivos devem ser abertos ou não.

– Serão raríssimos os documentos que ficarão em sigilo. A decisão é de abrir e serão criadas medidas administrativas para facilitar esse processo.

O ministro afirmou que o governo vai cumprir a decisão da 6 turma do Tribunal Regional Federal da 1 Região de abrir os arquivos da Guerrilha do Araguaia. Mas disse que a Justiça extrapolou ao determinar que os ministros envolvidos na discussão participem de uma reunião até dia 15. Ontem, o governo obteve salvo-conduto no Supremo Tribunal Federal para que os ministros não compareçam à reunião.

– A juíza extrapolou ao determinar prazos e procedimentos. Quem decide como abrir é o Executivo – afirmou Dirceu.’