‘LONDRES – A direção da Fundação Padre Anchieta talvez não saiba (eu também não sabia), mas a função de ombudsman criada nas rádios e na TV Cultura é, do ponto de vista institucional, a mais avançada do mundo. Acabo de fazer, com surpresa, essa importante constatação durante a 15ª Conferência Anual da ONO – Organization of News Ombudsmen –, entidade que congrega profissionais do mundo inteiro, realizada esta semana na capital britânica.
Eu me vi, diante dos meus pares, cerca de 50, em uma situação singular. Sou o único que não trabalhava antes nem trabalharei depois na organização que me contrata. Sou o único que exerce a função externamente (em outro endereço, fora da emissora). Sou o único que escreve seus textos e os publica sem qualquer intermediação. Não sofro, como vários colegas aqui denunciaram, qualquer ameaça ou restrição à liberdade de expressão. A Cultura pode não ter (e certamente não tem) o melhor ombudsman do mundo, mas pode orgulhar-se de ter o mais independente.
Acho relevante fazer esse registro, embora não pretenda reportar os três dias de trabalhos da Conferência, por considerar que tal assunto não seja do interesse do público da Cultura. Exceto, talvez, a parte que diz respeito à BBC, considerada a mais importante emissora pública de rádio e televisão do mundo.
Só para lembrar, a BBC tem um orçamento anual de 3 bilhões de libras (ou 6 bilhões de dólares, ou 15 bilhões de reais), resultante da licença de 123 libras anuais paga por residência com aparelho de TV em todo o Reino Unido. Só o sistema BBC de rádio fala para o mundo em 43 idiomas. Quando estive lá, no dia 24 último, perguntei a um diretor se a tal licença, paga compulsoriamente por todas as famílias britânicas, sofre contestações, e a resposta veio fulminante: se a licença fosse proposta hoje (ela é de 1922) no Parlamento, não teria a mais remota chance de ser aprovada. Tal como no Brasil, a sociedade não suporta pagar um pence (para nós, um centavo) a mais de tributo algum.
No ano passado a BBC levou um tiro no peito quando do episódio sobre bastidores da ação britânica na guerra do Iraque e que resultou na demissão do seu diretor geral após um suicídio que comoveu a opinião pública mundial. A guerra, aliás, tornou-se uma paranóia para os súditos de sua majestade, para a imprensa britânica em geral em para a BBC em particular. A ponto de a célebre emissora planejar a criação de um ombudsman só para assuntos de guerra (será o primeiro e único, pois a BBC não tem ombudsman).
Durante a Conferência da ONO o atual diretor geral da BBC, Mark Byford, fez uma palestra sobre um tema único e especifico – o jornalismo e a guerra – ressaltando as dificuldades para se obter informações confiáveis de forma independente, ou seja, não restritas às fontes oficiais. A BBC ficou tão traumatizada com o ocorrido no ano passado que até no noticiário do Iraque procura libertar-se da dependência de informações dos militares britânicos.
Independência, aliás, é a palavra de ordem na BBC. O colegiado de 12 governadores indicados pelo Parlamento e nomeados pela rainha, que escolhe os executivos e orienta todas as políticas da emissora, deve ser extinto em 2007, quando termina seu mandato. Estuda-se atualmente a instituição de um outro formato, menos vulnerável às interferências dos políticos e mais representativo da sociedade. Como o Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta.
Como se ve, tirando a monumental diferença de recursos financeiros que nos separa, e que determina a quantidade e qualidade dos servicos prestados, pouco temos a copiar e muito a ensinar sobre liberdade, independência e desenho institucional. Teremos uma oportunidade para isso em 2006, quando a 16a Conferência da ONO será realizada em São Paulo.’